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The Right and Radical Right in the Americas – Ideological Currents from Interwar Canada to Contemporary Chile | Tamir Bar-On e Bàrbara Molas

Casa Branca (Washington, DC/EUA). Ilustração de “The Gay Takeover of American Conservatism” | Cronicles (2022)

Em The right eand radical right in the Americas: currents from interwar Canada to contemporary Chile [A Direita e a Direita radical nas Américas: correntes ideológicas no entreguerras do Canadá ao Chile contemporâneo], Tamir Bar-On e Bàrbara Molas querem cobrir a lacuna deixada pelo recente The Oxford Handbook of the Radical Righ, editado por Jens Rydgren, que não inclui países da América Latina – diga-se de passagem, uma prática contumaz de imperialistas e ex-imperialistas, mesmo que o Handbook não tenha anunciado objetivos e perspectivas comparatistas. Entre as metas do livro, anunciado como, provavelmente, um pioneiro no tema (dentro dos marcos espaciais e temporais referidos), estão o exame das “tradições ideológicas de Direita”, a avaliação do impacto da “Direita” e da “Direita radical” na política latino-americana, o impacto das ideias nacionalistas e dos pensadores europeus e estadunidenses nessa tradição e a declaração de que a esquerda aprende muito quando estuda as distintas “tendências ideológicas” concorrentes.

Na introdução, o mexicano T. Bar-On e a canadense B. Molas, experimentados pesquisadores das direitas radicais, tentam atribuir unidade à coletânea que organizaram a partir do emprego da expressão “tradição ideológica” [right-wing ideological traditions] (são 13 tradições) e da significação minimalista de “direita” como todos os “teóricos, movimentos, partidos políticos e regimes que veem a desigualdade humana como ‘natural’ ou ‘normal’, seja no âmbito socioeconômico, seja baseado em diferenças raciais, culturais ou de gênero” (p.6). Em breve comentário sobre as tipificações de direita – incluindo Cas Mudde, Roger Eatwell, Pierre Ignazi Vedran Obucina e Jens Rydgren –, os organizadores concluem que as “forças políticas, movimentos e partidos” examinados podem ser designados, sem grandes problemas, por “direita”, “direita radical populista”, “direita nacionalista populista”, “direita radical”, “direita alternativa” ou “extrema direita” (p.6). Os pontos de interlocução entre os nove capítulos, contudo, são estabelecidos também pelos objetos que tangenciam ou encarnam tais tradições: catolicismo, corporativismo, multiculturalismo e etnonacionalismo.

Os primeiros quatro capítulos exploram experiências cristãs e, dominantemente, católicas de Direita: no México (cap. 1); na Argentina, Brasil, Chile e Peru (cap. 2); no Canadá (cap. 3); e, na Argentina, novamente (capítulo quarto). Pelos respectivos textos de Nancy Aguirre, António Costa Pinto e Bárbara Molas, somos informados de que, no México, no contexto da Revolução, os católicos demonstram ambiguidade e contradição nas respostas às ações dos governos da segunda e terceira décadas do século passado. Esse fato impossibilita sua tipificação como liberais ou conservadores, por exemplo. Na Argentina, Brasil, Chile e Peru (cap. 4), os católicos foram um dos vetores de propagação da ideologia do “corporativismo”, junto aos partidos de Direita radical e fascistas. Seu desiderato antiliberal, antidemocrático e anticomunista foi importado da Europa – com destaque para as ideias do fascista Ugo Spirito –  e, junto à “onda de ditaduras” da década de 1930, disponibilizou um modelo de representação política e organicista e uma nova relação entre sindicatos e Estado (direitos trabalhistas e submissão ao Estado). A experiência desses países comprova a inserção da América Latina na “onda global corporativa” dos anos posteriores à Grande Depressão.

No Canadá (cap.5), o corporativismo anti-classista e anti-individualista (“cooperação forçada” de interesses) também se fez presente nos projetos do católico Walter J. Bossy (leitor de G. Mosca e V. Pareto). Com fortes tons anticapitalista e antimarxista, ele inspirou grupos de ascendência centro-europeia (escoceses, irlandeses, alemães, poloneses, ucranianos, italianos, islandeses e escandinavos, entre outros) a construírem um movimento (Classocracy League of Canada), um perfil identitário e uma efeméride embebidos de “ideologia de direita radical”. Bossy e seus apoiadores “usaram a ideia de pluralismo étnico sob uma estrutura cristã para reivindicar igualdade social e política” e, simultaneamente, “recusaram a integração de canadenses de ascendência africana, oriental e judaica”. Optando pela “fusão gradual de linhagens europeias” para a criação de “uma nova etnia canadense” (p.60), as iniciativas de Bossy, conforme Bárbara Molas, configuram, hoje, um caso típico de “racismo liberal”. Na Argentina, idêntico corporativismo católico tipifica apenas uma das duas “tendências autoritárias” que marcaram a experiência argentina dos anos 70 e 80 do século XX: a “nacional integrista” (católica e corporativista) e a “liberal modernista” (adepta do capitalismo global). Para Alberto Spektorowski, apesar do sucesso sobre a tendência corporativista, a tendência liberal modernista “fracassou abruptamente porque as democracias ocidentais adotaram uma agenda de direitos humanos” tão significativa “quanto a luta contra o comunismo” (p.83). O fascismo, contudo, atravessou a história política do país, presente nos golpes de 1930, 1943 e no interior do regime peronista.

O Canadá, segundo Ron Dart (cap.5), vivencia uma experiência inusitada: a existência de uma tradição ideológica esquerdista e conservadora. No Chile, para Gilberto Bustamante, as direitas radical e extremistas ganharam protagonismo na última década, estimuladas pelas vitórias de Trump e Bolsonaro, por exemplo. O incomum caso canadense emerge das históricas relações de distanciamento dos EUA (formando a ideologia conservadora “nacionalista, na primeira metade do século XIX), de aproximação com os EUA  (formando a ideologia “liberal integracionista”) e de fusão, na segunda metade do século XX, entre ideais de “nacionalismo”, “protecionismo” e trabalho da sociedade e do Estado em prol do (britânico) “bem comum” (p.112-113). Ao final do século XX e início do XXI, esse Red-High Toryism canadense difere de três ramos da família da Direita: “soft right conservatism”, ou centro direita (que pode incluir políticas de esquerda, como a de saúde), “far right” (uso ambíguo do sistema político, defesa do livre mercado, da propriedade, nacionalismo e anti-imigração) e “extreme right” (mesma plataforma da “far right”, com uso da violência para realizá-la) (p.116).

A tipificação de Bustamante para o Chile (Cap. 6) é um pouco mais simples. Na direita “radical”, está o Partido Republicano (PRep), bastante estimulado com os sucessos de Donald Trump, Jair Bolsonaro e do Vox. Na direita “populista e extremista”, milita o Movimento Social Patriota (MSP). Ambos professam uma sociedade chilena idealizada e mítica (etnonacionalismo), são populistas (divisão elite/povo), contrários às pautas de gênero e críticos das políticas que favorecem migrantes (sobretudo, os peruanos). O PRep, contudo, participa de eleições e abraça o neoliberalismo econômico, enquanto o MSP é contrário à economia neoliberal e à democracia liberal e tem agido com violência contra indivíduos da esquerda, do judiciário e da comunidade Mapuche.

Os três últimos capítulos exploram a experiência estadunidense, expressa pelo paleoconservadorismo e veiculada por alguns dos principais influenciadores da direita alternativa: Samuel Francis, Patrick Buchanan, Richard B. Spencer e a vivência comparada dos EUA com o Brasil, marcada pela atuação, por exemplo, de Steve Bannon e Olavo de Carvalho. Para Ray Kiely (cap.7), os EUA são o solo do “conservadorismo” desde o escravismo sulista, embora sua constituição guarde fortes elementos liberais e democráticos. Nos últimos 40 anos, contudo, o conservadorismo que vigora sob as formas dominantes de “paleoconservadorismo” e “direita alternativa” [alt-right] guarda grandes ambiguidades com o neoliberalismo. O Paleoconservadorismo emerge nos anos 80, a partir da revista Chronicles, do Rockford Institute e sob a dominante liderança de intelectuais como Samuel Francis e Patrick Buchanan. Ele se opõe aos liberais [do Partido Democrata] e aos neoconservadores [do Partido Republicano]. Sua plataforma externa (antiglobalização, anti-intervenção militar e contra o livre comércio) e interna (anti-imigração e combate ao multiculturalismo) está relacionada à suposta extinção de uma “América branca”. Para Kiely, o Paleoconservadorismo – inclusa a “sua forma mais extrema” a “direita alternativa” – e o Neoliberalismo (“espontaneidade, liberdade e mercado”) se encontram na ideia de que ambos (por motivos diferentes) foram traídos pela elite estatal no dever de oferecer uma “promessa de reconstrução da nação”, pondo “os americanos em primeiro lugar” (p.173). De modo ambíguo, a experiência do governo Trump foi, simultaneamente, paleoconservadora (nacionalista e anti-imigrantista, por exemplo) e neoliberal (apologista do livre mercado).

Essa é mesma posição de Bar-On (Cap.8). Ele afirma que Trump e J. Biden (de posturas nacionalistas mais liberais, igualitárias e cívicas) estão distantes da direita alternativa que professa a “visão de mundo explicitamente revolucionária, anti-igualitária, racialista e nacionalista branca da al-right” (p.186-187). A direita alternativa se inspira no “gramscianismo” e no “leninismo” – a conquista política mediada pela dominação ideológica/cultural – da Nouvelle Droite francesa de A. de Benoist e do movimento nacionalista branco dos EUA. Congrega intelectuais como Jared Taylor, Daniel Friberg, Greg Johnson, Jack Donovan e Vox Day, mas é, talvez, Richard B. Spencer o seu principal orientador e porta-voz. À frente do National Policy Institute, ele é revolucionário porque prega a criação de “etnoestados brancos” ou “pátrias” brancas, nos EUA e na Europa, como uma espécie de retorno às suas “identidades ancestrais” (p.194). Em textos-manifesto, tanto Spencer quanto Vox Day (Theodore Robert Beale) deixam claro a centralidade da raça na instituição desses etnoestados, a oposição aos valores da liberdade (Revolução dos EUA) e da igualdade (Revolução Francesa) e o consequente combate à livre circulação de mercadorias e de pessoas (como política externa).

O livro é encerrado com a apresentação da trajetória e dos fundamentos do “Tradicionalismo” (insumo para a Nouvelle Droite, por exemplo) que, em termos gerais, se fundamenta nas ideias de René Guénon, Julius Evola e Aleksadr Dugin – periodização cíclica da história, retorno à “sociedade da Idade de Ouro”, “teocracia”, “hierarquia” e “estratificação social”. Embora não seja homogêneo e coerente, o ativismo dos tradicionalistas, hoje, emprega editoras, sites, redes sociais em vários lugares, dos quais Benjamin R. Teitelbaum destaca o Brasil e os EUA.

As figuras de Olavo de Carvalho e Steve Bannon são os exemplos de trajetória exotérica e de intervenção do tradicionalismo no executivo dos dois países, fomentando políticas anticomunistas (política externa brasileira) e antimigratórias (política interna estadunidense).

Olavo de Carvalho | Imagem: Correio 24horas

Tetelbaum, contudo, afirma que o “caos […] parece ser o produto mais consistente e inegável desses atores”. Apesar dessa avaliação – e considerando a cambiante aliança entre tradicionalistas e libertários –, o autor alerta: “Eles poderiam estar usando o populismo e a xenofobia como fachadas e ferramentas para promover uma visão mais exotérica de estabelecer uma ordem social e espiritual pré-moderna” (p.231-232)

Como qualquer coletânea de autoria coletiva, The right eand radical right in the Americas apresenta desequilíbrios que não são (como era de se esperar) dominantemente do ponto de vista conceitual. Há texto que não problematiza o tema e não contextualiza a questão na literatura local e que exagera na descrição e no factualismo, impedindo a boa inteligibilidade das respostas oferecidas (cap.1). Texto que apresenta frutíferas conclusões, por exemplo, sobre as relações tecidas entre Estado e sindicatos, ao longo da escrita, mas não referidas nos objetivos (cap.2). Há também longa exposição da história política argentina que pouco contribui para a o argumento central, sobre as correntes autoritárias dos anos 70 e 80 do século XX (cap.3). Do mesmo modo, há longa discussão conceitual que pouco favorece a orientação teórica aplicada ao caso chileno (Cap.6). Há também, indefinições da categoria básica, ideologia, que oscila, para o leitor, entre escatologia, antropologia e “ramo espiritual” (cap.9) e não me pareceu necessária a transformação da busca por impactos da experiência europeia na América. Por fim, embora seja apenas uma curiosidade e não uma insuficiência, chama a atenção a ausência de um texto específico sobre o Brasil, Bolsonaro ou o Bolsonarismo, como também de pesquisadores nacionais, apesar da reiterada referência ao sujeito e ao fenômeno ao longo da coletânea

O livro, entretanto, possui textos com destacado rigor da retórica acadêmica em termos de clareza da exposição – apresentação do problema, contextualização da questão no campo, revisão da literatura, anúncio das categorias e do método (cap.3 e cap. 4), progressão textual por meio de questões e o cuidado em apontar ambiguidades, contradições e inconsistências nos discursos de uma mesma tradição ideológica (cap.7). Há também modelares exemplos de descrição e interpretação, e o anúncio de uma experiência que, empiricamente, apresenta-se como de direita e de esquerda ou nem de esquerda e nem de direita (cap.5), abrindo caminho para a o exame de casos semelhantes em outros países, que não apenas o Canadá. Há, por fim, ponderadas alusões ao “marxismo cultural” e ao “identitarismo” contemporâneo, comparados a fenômenos análogos datados dos séculos XIX e XX e distinção crítica das novas direitas estadunidenses que interagem com experiências brasileiras, do ponto de vista acadêmico e do ponto de vista empírico.

Com todos os senões e virtudes, o livro deve ser consumido tanto por acadêmicos em formação, como por especialistas que exploram o fenômeno das novas direitas no Brasil, privilegiando a experiência europeia. A obra, efetivamente, diminui a lacuna apontada sobre o The Oxford Handbook of the Radical Righ e é um convite aos brasileiros para adensarem a iniciativa.

Sumário de The Right and Radical Right in the Americas – Ideological Currents from Interwar Canada to Contemporary Chile

  • Acknowledgments
  • Introduction | Tamir Bar-On and Bàrbara Molas
  • 1. A Public Defense of Faith: Catholic Nationalism in Media during the Mexican Revolution | Nancy Aguirre
  • 2. Corporatism and Authoritarianism in Latin America: The First Wave | António Costa Pinto
  • 3. White Multiculturalism: An Interwar Radical-Right Approach to Canadian Ethnic Integration | Bàrbara Molas
  • 4. Conservative Authoritarianism against Populism: Argentina’s Dirty War | Alberto Spektorowski
  • 5. The Canadian Red Tory Tradition: Janus | Ron Dart
  • 6. Chile’s Radical and Extreme Right: Two Groups at the Fringe of Politics | Gilberto Cristian Aranda Bustamante
  • 7. American Paleoconservatism and Neoliberalism: Alliances, Tensions, and the Question of Donald Trump | Ray Kiely
  • 8. The Metapolitics of the Alt-Right: A “Cultural War” for the United States, European Identity, and the “White Race” | Tamir Bar-On
  • 9. Traditionalism in the American Right | Benjamin R. Teitelbaum
  • Index
  • About the Contributors

Resenhista

Itamar Freitas – Doutor em História (UFRGS) e em Educação (PUC-SP), Professor do Departamento de Educação e do Mestrado Profissional em História, da Universidade Federal de Sergipe, e editor do blog Resenha Crítica. Publicou, entre outros trabalhos, Uma introdução ao método histórico (2021) e “Objetividade histórica no Manual de Teoria da História de Roberto Pirgibe da Fonseca (1903-1986)”. IDhttps://orcid.org/0000-0002-0605-7214E-mail: itamarfreitasufs@gmail.com

 

 


Para citar esta resenha

BAR-ON, Tamir; MOLAS, Bàrbara (Ed). The Right and Radical Right in the Americas – Ideological Currents from Interwar Canada to Contemporary Chile. Lanham: Lexington Books, 2021. 246p. Resenha de: FREITAS, Itamar. Sobre as direitas no “Terceiro Mundo”. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, número especial (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3209/>.

Itamar Freitas

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