Em The right eand radical right in the Americas: currents from interwar Canada to contemporary Chile [A Direita e a Direita radical nas Américas: correntes ideológicas no entreguerras do Canadá ao Chile contemporâneo], Tamir Bar-On e Bàrbara Molas querem cobrir a lacuna deixada pelo recente The Oxford Handbook of the Radical Righ, editado por Jens Rydgren, que não inclui países da América Latina – diga-se de passagem, uma prática contumaz de imperialistas e ex-imperialistas, mesmo que o Handbook não tenha anunciado objetivos e perspectivas comparatistas. Entre as metas do livro, anunciado como, provavelmente, um pioneiro no tema (dentro dos marcos espaciais e temporais referidos), estão o exame das “tradições ideológicas de Direita”, a avaliação do impacto da “Direita” e da “Direita radical” na política latino-americana, o impacto das ideias nacionalistas e dos pensadores europeus e estadunidenses nessa tradição e a declaração de que a esquerda aprende muito quando estuda as distintas “tendências ideológicas” concorrentes.
Os primeiros quatro capítulos exploram experiências cristãs e, dominantemente, católicas de Direita: no México (cap. 1); na Argentina, Brasil, Chile e Peru (cap. 2); no Canadá (cap. 3); e, na Argentina, novamente (capítulo quarto). Pelos respectivos textos de Nancy Aguirre, António Costa Pinto e Bárbara Molas, somos informados de que, no México, no contexto da Revolução, os católicos demonstram ambiguidade e contradição nas respostas às ações dos governos da segunda e terceira décadas do século passado. Esse fato impossibilita sua tipificação como liberais ou conservadores, por exemplo. Na Argentina, Brasil, Chile e Peru (cap. 4), os católicos foram um dos vetores de propagação da ideologia do “corporativismo”, junto aos partidos de Direita radical e fascistas. Seu desiderato antiliberal, antidemocrático e anticomunista foi importado da Europa – com destaque para as ideias do fascista Ugo Spirito – e, junto à “onda de ditaduras” da década de 1930, disponibilizou um modelo de representação política e organicista e uma nova relação entre sindicatos e Estado (direitos trabalhistas e submissão ao Estado). A experiência desses países comprova a inserção da América Latina na “onda global corporativa” dos anos posteriores à Grande Depressão.
No Canadá (cap.5), o corporativismo anti-classista e anti-individualista (“cooperação forçada” de interesses) também se fez presente nos projetos do católico Walter J. Bossy (leitor de G. Mosca e V. Pareto). Com fortes tons anticapitalista e antimarxista, ele inspirou grupos de ascendência centro-europeia (escoceses, irlandeses, alemães, poloneses, ucranianos, italianos, islandeses e escandinavos, entre outros) a construírem um movimento (Classocracy League of Canada), um perfil identitário e uma efeméride embebidos de “ideologia de direita radical”. Bossy e seus apoiadores “usaram a ideia de pluralismo étnico sob uma estrutura cristã para reivindicar igualdade social e política” e, simultaneamente, “recusaram a integração de canadenses de ascendência africana, oriental e judaica”. Optando pela “fusão gradual de linhagens europeias” para a criação de “uma nova etnia canadense” (p.60), as iniciativas de Bossy, conforme Bárbara Molas, configuram, hoje, um caso típico de “racismo liberal”. Na Argentina, idêntico corporativismo católico tipifica apenas uma das duas “tendências autoritárias” que marcaram a experiência argentina dos anos 70 e 80 do século XX: a “nacional integrista” (católica e corporativista) e a “liberal modernista” (adepta do capitalismo global). Para Alberto Spektorowski, apesar do sucesso sobre a tendência corporativista, a tendência liberal modernista “fracassou abruptamente porque as democracias ocidentais adotaram uma agenda de direitos humanos” tão significativa “quanto a luta contra o comunismo” (p.83). O fascismo, contudo, atravessou a história política do país, presente nos golpes de 1930, 1943 e no interior do regime peronista.
A tipificação de Bustamante para o Chile (Cap. 6) é um pouco mais simples. Na direita “radical”, está o Partido Republicano (PRep), bastante estimulado com os sucessos de Donald Trump, Jair Bolsonaro e do Vox. Na direita “populista e extremista”, milita o Movimento Social Patriota (MSP). Ambos professam uma sociedade chilena idealizada e mítica (etnonacionalismo), são populistas (divisão elite/povo), contrários às pautas de gênero e críticos das políticas que favorecem migrantes (sobretudo, os peruanos). O PRep, contudo, participa de eleições e abraça o neoliberalismo econômico, enquanto o MSP é contrário à economia neoliberal e à democracia liberal e tem agido com violência contra indivíduos da esquerda, do judiciário e da comunidade Mapuche.
Essa é mesma posição de Bar-On (Cap.8). Ele afirma que Trump e J. Biden (de posturas nacionalistas mais liberais, igualitárias e cívicas) estão distantes da direita alternativa que professa a “visão de mundo explicitamente revolucionária, anti-igualitária, racialista e nacionalista branca da al-right” (p.186-187). A direita alternativa se inspira no “gramscianismo” e no “leninismo” – a conquista política mediada pela dominação ideológica/cultural – da Nouvelle Droite francesa de A. de Benoist e do movimento nacionalista branco dos EUA. Congrega intelectuais como Jared Taylor, Daniel Friberg, Greg Johnson, Jack Donovan e Vox Day, mas é, talvez, Richard B. Spencer o seu principal orientador e porta-voz. À frente do National Policy Institute, ele é revolucionário porque prega a criação de “etnoestados brancos” ou “pátrias” brancas, nos EUA e na Europa, como uma espécie de retorno às suas “identidades ancestrais” (p.194). Em textos-manifesto, tanto Spencer quanto Vox Day (Theodore Robert Beale) deixam claro a centralidade da raça na instituição desses etnoestados, a oposição aos valores da liberdade (Revolução dos EUA) e da igualdade (Revolução Francesa) e o consequente combate à livre circulação de mercadorias e de pessoas (como política externa).
O livro é encerrado com a apresentação da trajetória e dos fundamentos do “Tradicionalismo” (insumo para a Nouvelle Droite, por exemplo) que, em termos gerais, se fundamenta nas ideias de René Guénon, Julius Evola e Aleksadr Dugin – periodização cíclica da história, retorno à “sociedade da Idade de Ouro”, “teocracia”, “hierarquia” e “estratificação social”. Embora não seja homogêneo e coerente, o ativismo dos tradicionalistas, hoje, emprega editoras, sites, redes sociais em vários lugares, dos quais Benjamin R. Teitelbaum destaca o Brasil e os EUA.
As figuras de Olavo de Carvalho e Steve Bannon são os exemplos de trajetória exotérica e de intervenção do tradicionalismo no executivo dos dois países, fomentando políticas anticomunistas (política externa brasileira) e antimigratórias (política interna estadunidense).
Tetelbaum, contudo, afirma que o “caos […] parece ser o produto mais consistente e inegável desses atores”. Apesar dessa avaliação – e considerando a cambiante aliança entre tradicionalistas e libertários –, o autor alerta: “Eles poderiam estar usando o populismo e a xenofobia como fachadas e ferramentas para promover uma visão mais exotérica de estabelecer uma ordem social e espiritual pré-moderna” (p.231-232)
Como qualquer coletânea de autoria coletiva, The right eand radical right in the Americas apresenta desequilíbrios que não são (como era de se esperar) dominantemente do ponto de vista conceitual. Há texto que não problematiza o tema e não contextualiza a questão na literatura local e que exagera na descrição e no factualismo, impedindo a boa inteligibilidade das respostas oferecidas (cap.1). Texto que apresenta frutíferas conclusões, por exemplo, sobre as relações tecidas entre Estado e sindicatos, ao longo da escrita, mas não referidas nos objetivos (cap.2). Há também longa exposição da história política argentina que pouco contribui para a o argumento central, sobre as correntes autoritárias dos anos 70 e 80 do século XX (cap.3). Do mesmo modo, há longa discussão conceitual que pouco favorece a orientação teórica aplicada ao caso chileno (Cap.6). Há também, indefinições da categoria básica, ideologia, que oscila, para o leitor, entre escatologia, antropologia e “ramo espiritual” (cap.9) e não me pareceu necessária a transformação da busca por impactos da experiência europeia na América. Por fim, embora seja apenas uma curiosidade e não uma insuficiência, chama a atenção a ausência de um texto específico sobre o Brasil, Bolsonaro ou o Bolsonarismo, como também de pesquisadores nacionais, apesar da reiterada referência ao sujeito e ao fenômeno ao longo da coletânea
O livro, entretanto, possui textos com destacado rigor da retórica acadêmica em termos de clareza da exposição – apresentação do problema, contextualização da questão no campo, revisão da literatura, anúncio das categorias e do método (cap.3 e cap. 4), progressão textual por meio de questões e o cuidado em apontar ambiguidades, contradições e inconsistências nos discursos de uma mesma tradição ideológica (cap.7). Há também modelares exemplos de descrição e interpretação, e o anúncio de uma experiência que, empiricamente, apresenta-se como de direita e de esquerda ou nem de esquerda e nem de direita (cap.5), abrindo caminho para a o exame de casos semelhantes em outros países, que não apenas o Canadá. Há, por fim, ponderadas alusões ao “marxismo cultural” e ao “identitarismo” contemporâneo, comparados a fenômenos análogos datados dos séculos XIX e XX e distinção crítica das novas direitas estadunidenses que interagem com experiências brasileiras, do ponto de vista acadêmico e do ponto de vista empírico.
Com todos os senões e virtudes, o livro deve ser consumido tanto por acadêmicos em formação, como por especialistas que exploram o fenômeno das novas direitas no Brasil, privilegiando a experiência europeia. A obra, efetivamente, diminui a lacuna apontada sobre o The Oxford Handbook of the Radical Righ e é um convite aos brasileiros para adensarem a iniciativa.
Sumário de The Right and Radical Right in the Americas – Ideological Currents from Interwar Canada to Contemporary Chile
Resenhista
Para citar esta resenha
BAR-ON, Tamir; MOLAS, Bàrbara (Ed). The Right and Radical Right in the Americas – Ideological Currents from Interwar Canada to Contemporary Chile. Lanham: Lexington Books, 2021. 246p. Resenha de: FREITAS, Itamar. Sobre as direitas no “Terceiro Mundo”. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, número especial (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3209/>.
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