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Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais | Das Amazônias | 2022

Detalhe de cartaza do “X Ser Negra – Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais”

Primeiramente, é um prazer sermos responsáveis pela apresentação desse dossiê. Mas o fundamental nesta apresentação são as pesquisas para as quais ela pretende abrir caminhos. É interessante que neste conjunto de pesquisas constatamos a relação entre cultura, conhecimento, poder e a centralidade, em especial, da água e dos diferentes papéis das assimetrias sociais, de modo a revelar importantes compromissos sociais.

Esse dossiê é composto a partir de trabalhos inicialmente apresentados no X Ser Negra – Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais, realizado entre 23 e 26 de novembro de 2021, um Congresso altamente científico e democrático que permite a interação entre os mais diferentes sujeitos sociais em um espaço de reciprocidades múltiplas. Foi organizado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) e totalmente online devido aos efeitos da pandemia de Covid-19.

A face regional do evento está expressa nessas publicações em suas problemáticas, objetos de estudos e recortes geográficos das pesquisas e é acompanhada por outros textos que escapam a esse recorte, mas potencializa outras discussões, como por exemplo: “Seriam, de fato, problemáticas regionais aquelas que se apresentam como problemas da região amazônica?” Estes textos também revelam lutas por direitos, justiça social, dignidade e por uma História mais diversificada e, com certeza, nada disso é realizado despropositadamente, pois traz preocupações sociais, econômicas, culturais e políticas que apenas reforçam a necessidade de pensarmos a urgência de transformações sociais nas mais variadas esferas da vida em sociedade.

Por vezes, algumas destas lutas podem dar a impressão de que carregarmos água na peneira, um dos motivos pelos quais lembramos de um belo poema de Manoel de Barros (1999), que transcrevemos abaixo:

O menino que carregava água na peneira1

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

O aparente despropósito não ocorre sem que possamos imaginar novos futuros possíveis, algo que acreditamos estar na pauta do dia daqueles que são os intelectuais nas e das sociedades contemporâneas. Mas, há um segundo motivo que nos fez lembrar desse poema, que é a centralidade da água para a maior parte dos textos desse dossiê. E é por eles que iniciamos.

Em Água na Amazônia: sentidos sociais, apropriações e conflitos, observamos a água em seus diversos sentidos (como território, espaço sagrado, comunicação, recurso natural e como mercadoria) sendo objeto de diferentes conflitos na Amazônia. Os autores, Aline Gabriele Cardoso do Rosário e David Junior de Souza Silva, a partir do conceito de sofrimento hídrico indicam as desigualdades sociais, reveladas por meio da água e sua distribuição na região amazônica.

O texto de Eder Dutra do Carmo e Isaneide Rocha de Souza, Projeto de macrodrenagem da bacia do Una e luta por dignidade: uma breve síntese da realidade social dos moradores da beira do canal, apresenta as relações entre desigualdade social, reformas urbanas e as novas perspectivas enfrentadas pelos moradores da beira do canal que se entrelaçam em torno de um projeto de macrodrenagem da bacia do Uma, realizadas entre 1993 e 2004.

Oscar Adán Castillo Oropeza e Edgar Delgado Hernández demonstram como em áreas urbanas e pobres, microprivatizadores da água operam de modo a gerar sofrimento hídrico à população, cuja maior parte fala língua indígena, demonstrando como o Estado gerencia de modo desigual a água enquanto recurso e direito na Ciudad de México. O título do trabalho é: Ecología política la microprivatización hídrica: un breve acercamiento a la periferia de la Ciudad de México.

Dois trabalhos trazem o município de Lábrea (AM) como lócus da pesquisa e são frutos de projetos de iniciação cientifica (PIBIC JR.) realizado pelo Instituto Federal do Amazonas (IFAM). O primeiro é Histórico da ocupação do Bairro Beira Mar, em Lábrea/AM: os moradores e suas trajetórias, escrito por Andriely Gadelha Vieira e Claudina Azevedo Maximiano. O bairro da pesquisa é formado por palafitas e seus moradores dialogam diretamente com a dinâmica das águas, tendo em parte do ano as casas praticamente submersas pelas águas do rio Purus, Ituxi e do igarapé Caititu. A busca é por narrativas que reconstituam a dinâmica social e histórica de ocupação desse espaço. No segundo texto, Os vendedores de peixes ambulantes: prática tradicional, desafios e perspectivas em Lábrea/AM, os autores, Francisco Batista da Silva, Kaiky Junior Ferreira de Araújo e Claudina Azevedo Maximiano, indicam os peixeiros como parte da economia informal e das práticas culturais da região. A pesquisa apura os trajetos realizados, um levantamento inicial dos trabalhadores e os impactos sofridos pela pandemia da COVID-19.

Uma terceira pesquisa realizada no município de Lábrea, Casas de farinha na cidade de Lábrea/AM: práticas tradicionais, diálogos e convergências entre o rural e o urbano, foi realizada em meio à pandemia e tem o objetivo de demonstrar como as casas de farinha, além de práticas econômicas, são também, parte da cultura local e refletem mais uma maneira de borrar as fronteiras entre o urbano e o rural. O trabalho é realizado pela Erica Silva de Oliveira e pela Claudina Azevedo Maximiano.

O texto Comunidades ribeirinhas e violação de direitos: a maior sede é por justiça social, escrito por Brenda da Silva Salazar, Maria Vitória Costa Fernandes, Rafaela de Jesus de Oliveira da Silva, Soleane Ferreira Inajosa e Eunápio Dutra do Carmo, retrata, a partir do município de Breves, no Pará, a exploração de recursos naturais e humanos recaindo sobre os povos tradicionais, em especial aos ribeirinhos, uma falta de acesso a políticas e serviços públicos.

Em seguida, o texto A mediação cultural no atendimento psicossocial aos imigrantes e refugiados na perspectiva das trabalhadoras de um Centro de Referência de Assistência Social, foi trabalho realizado por Clefaude Estimable e Gisely Pereira Botega, cujo lócus da pesquisa é a cidade de Florianópolis/SC. Em destaque, a necessidade do papel do mediador cultural no atendimento aos imigrantes e refugiados que acessam o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, em especial, quanto às línguas, costumes e crenças.

Por fim, encerrando o dossiê trazemos o texto Saberes das mulheres, com curas e aberturas de caminhos: as histórias contadas pelas minhas mais velhas, coletadas via pesquisa de escuta da artista-docente interdisciplinar João Vítor Mulato. Nele, a autora partilha histórias orais contadas pelas mulheres de sua família e fizeram parte de sua infância. Este partilhar de histórias é conceituado na intersecção epistêmica, política e artística entre memórias de mulheres, força feminina, performance e dança.

No conjunto, este dossiê tanto confirma, quanto fortalece a diversidade, os valores democráticos e compromissos com a justiça social presentes no X Ser Negra e com isso, podemos afirmar que tais espaços sociais jamais podem ser, literalmente, comparados a carregar água na peneira, mas sim, parte de um processo de transformação das realidades sociais e, também por isso, devem ser lidos.

Nota

1 BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999


Organizadores

Bruno de Oliveira Ribeiro

Claudina Azevedo Maximiano – Doutora em Antropologia social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e Observatório de Educação do campo/floresta e Indígena da Região do Médio Purus. Professora do Instituto Federal de educação, ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM). E-mail: claudina.maximiano@ifam.edu.br

David Junior de Souza Silva – Professor da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Coordenador do Núcleo de Estudos sobre Etnopolítica e Territorialidades na Amazônia – NETTA/UNIFAP. E-mail: davi_rosendo@live.com


Referências desta apresentação

RIBEIRO, Bruno de Oliveira; MAXIMIANO, Claudina Azevedo; SILVA, David Junior de Souza. Carregando água na peneira? Das Amazônias. Rio Branco, v. 5, n.1, p. 06-09, 2022. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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