Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right | Jeffrey M. Bale e Tamir Bar-On

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Estado Islâmico | Imagem: BBC News

Tudo parece tranquilo entre os investigadores das novas direitas do eixo Europa-América nos últimos cinco anos. Eles divergem conceitualmente (fascismo, neofascismo, posfascismo, ultradireita, nova direita etc.), ocupam-se de objetos distintos (ideologias, partidos, eleições, movimentos, redes, subculturas, líderes, programas, eleições e ações de governo), mas convergem na ideia de que a maior parte dos seus fenômenos-objeto representa ameaças à democracia liberal. Não sem razão, parte deles encerra os seus ensaios ou teses com a clássica alusão ao “que fazer?”, de Vladmir Lênin. Essa harmonia tem chance de ser abalada após a publicação de Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right (2022). Nesse ensaio estendido, Jeffrey M. Bale e Tamir Bar-On denunciam a incompetência dos acadêmicos e jornalistas para interpretar fenômenos designados como “direita radical”, “extrema direita” ou “nova direita radical”, e a esperteza de políticos, empresários e oligarcas das Big Tech que tiram proveito dessa espécie de “histeria” intelectual para “deslegitimar e demonizar virtualmente todos os oponentes da atual ideologia ocidental reinante do globalismo progressista” (p.xvi).

Fighting the Last WarJeffrey Bale e Tamir Bar-On são dois experimentados professores universitários e investigadores de movimentos extremistas há décadas. Bale é historiador e especialista em movimentos religiosos e políticos “propensos à violência” e docente no Nonproliferation and Terrorism Studies (NPTS) e no Program at the Middlebury Institute of International Studies at Monterey (MIIS). O sociólogo Bar-On estuda ideologias políticas e novas direitas e é professor na School of Social Sciences and Government e do Monterrey Institute of Technology and Higher Education, no México. Para chamar os colegas às falas, eles apontam preconceitos acadêmicos, uso equivocado de conceitos, desinformação sobre o imperialismo islâmico, sobre seus traços teocrático, fundamentalista e (no caso dos jihadistas) violento.

O conjunto da obra soa como um aviso aos acadêmicos que estariam olhando para o lado errado. O fascismo é um espantalho nesta guerra aos inimigos da democracia liberal, reiteram os autores no capítulo primeiro – “Biases and double standards in assessing the role and impact of ideologies”. As razões do erro estão na “hegemonia” da orientação política progressista nas universidades. Ela desestimula a divergência de pontos de vista, ao tempo em que indica a “moda” a ser seguida pelos noviços, seja por medo, seja pela obtenção do sucesso em suas carreiras. A hegemonia ideológico-política (de esquerda), por sua vez, desestimula o maior controle das regras de validação da pesquisa acadêmica. Há pouca cobrança por evidências não estatísticas, pelo uso da “compreensão” das ideias dos fenômenos já tornados adversários (vieses de confirmação) e pelo emprego preciso de categorias, como “ideologia” e “extremismo”.

Nesse ponto, os autores, literalmente, fazem preleção: pesquisadores, entendam que os “conjuntos de ideias” sobre a natureza da “realidade social” (ideologias) não são o único fator a determinar o comportamento de grupos, mas são os mais importantes para a “compreensão do comportamento de extremistas políticos e religiosos” (p.30; 34-36). Ideologias, de modo geral, não dependem da factualidade para mobilizar as paixões. Seus processos de comunicação e de orientação não exigem compreensão complexa por parte dos seguidores, sejam comunistas, sejam jihadistas: basta que os crentes tenham clareza sobre “o que está errado com o mundo […], quem é o responsável por esses erros” e “o que precisa ser feito para corrigir esses erros”. No caso das ideologias políticas e religiosas extremistas, é ainda necessário distinguir extremistas “de meios” (não necessariamente seguidores de uma ideologia extremista) de extremistas “de objetivos”. Estes últimos, por sua vez, comungam dos princípios do “maniqueísmo”, “monismo”, “coletivismo”, “autoritarismo ou totalitarismo”, “utopismo”, “puritanismo hipermoralista”, “desumanização e demonização de dissidentes e inimigos” (p.39-41). No caso dos extremistas religiosos, por fim, é necessário distinguir o extremismo “ultraortodoxo” (como o “ultratradicionalismo católico” francês ou integrismo) do extremismo “religioso idiossincrático” (como a “interpretação fundamentalista e ultraortodoxa do islamismo”).

Jeffrey M. Bale Depois de apontar princípios não observados por acadêmicos e jornalistas, os autores avançam na revisão da literatura para demonstrar a ausência de consenso. No capítulo segundo – “Toward an academic consensus about the ‘Radical Right’ and ‘Fascism’?” –, o trabalho de, aproximadamente, cinquenta autores é analisado sob o ponto de vista das escolhas e das mudanças conceituais, desde a segunda metade do século XX, nos EUA e na Europa, até a transformação da “radical right” em “party Family” (p.51). Examinando os modos de caracterizar e de tipificar os fenômenos, os autores concluem, preliminarmente, que os termos “direita radical”, “extrema direita”, “direita alternativa”, “extrema direita” e “fascismo” são “confundidos”, “misturados”, intercambiados, e mal utilizados, ou seja, que os referentes empregados como caracterizadores incluem (contraditoriamente) várias ideologias, organizações e indivíduos, normativamente, excluídos por seus próprios analistas.

Tamir Bar OnO inventário localiza, ao menos, dez termos que realizam a “direita radical”: a intolerância “à ambiguidade” (S. M. Lipset e E. Raab), o caráter “conspiratório” (D. Bell, I. Rohter), o agrupamento de “superpatriotas” (John Searle), o assentimento ao “mercado livre” (H-G. Betz) ou ao “neoliberalismo” (C. Hewitt), a defesa da “intolerância organizada” (S. Ramet), o caráter “romântico” e o culto ao “ultranacionalismo populista” (M. Minkenberg), o apoio à “postura antimigrante” (T. E. Givens), a “xenofobia etnonacionalista” (J. Rydgren), o “favorecimento do autoritarismo e da antidemocracia” (E. Carter) e o apoio ao “nativismo” (C. Mudde) (p.60-61).

O inventário dos autores é ainda mais detalhado em relação ao “fascismo”. Das definições maximalistas, os autores citam ao menos três (H. de Man, G. Valois, J. J. Linz, E. Gentile e O. Paxton), variando entre oito e dezoito características. As definições minimalistas destacadas apontam as combinações de “ultranacionalismo” e populismo (R. Griffin), “forma revolucionária” e “ultranacionalismo” regenerador (H. Göring), “nacionalismo desenvolvimentista reativo” e soberania internacional “da comunidade revolucionária” (A. J. Gregor) e “ultranacionalismo” e “socialismo marxista” revisado (Z. Sternhell) (p.57-58).

O inventário se encerra com o exame da literatura acerca dos “islamistas”, sobre a qual os autores concluem pela indiferença da maioria dos acadêmicos com relação à tipificação do “islamismo no tradicional espectro esquerda-direita”, ainda que alguns deles tenham argumentado que determinados islamitas são de esquerda (M. Foucault e J. Butler) ou anarquistas (J. L. Gelvin) (p.70). Para os autores, “todos os pensadores islâmicos, de Sayyd Qutub a Usama B. Ladin são direitistas e não esquerdistas” (p.71) e a “falta de clareza” no emprego dos conceitos de “direita radical”, “fascismo” (inclusa a sua equivocada associação islamismo/fascismo – “islamofascismo” – e a desconsideração do anti-igualitarismo islamita) resulta em dois prejuízos: a acusação infundada de fascismo contra indivíduos, partidos, organizações e regimes de centro-direita e a minimização da “ameaça dos islamistas” seja por ignorância, seja por desonestidade (intelectual e político-partidária).

No capítulo terceiro – “The Islamic Radical Right (Islamism) is a Greater Threat to Democracy and Security than ‘Fascism’” –, o tom professoral se mantém. Os autores listam definições e classificam islamismos e atos de violência para demonstrarem que os islamitas (direita radical islâmica) pregadores e, “muitas vezes”, praticantes “do religicídio em grande escala, representam, atualmente, um perigo muito maior para a paz e a segurança mundiais do que a direita radical secular nas sociedades euroamericanas” (p. 159).

Do ponto de vista teórico (ideológico), os autores esclarecem a distinção entre o “Islã” em geral (ideologia da religião islâmica) e o “Islã político” (ideologias destinadas a “politizar o Islã” ou “islamizar a política”) (p.94-95). Eles classificam esse Islã político em suas diferentes posições no espectro esquerda-direita. Dos cinco tipos distinguidos, dois estão mais à esquerda (“socialismo islâmico” não marxista e o “liberalismo islâmico”) e três mais à direita (as ideias de “assembleia consultiva” e “consenso”, de “reformismo islâmico conservador” e o “islamismo”). Apenas o último representa a maior ameaça à democracia liberal.

Concebendo típica posição reativa aos valores iluministas manifestos na Revolução Francesa, os autores caracterizam o islamismo como ideologia e movimento de Direita. Seus membros compartilham um “antirracionalismo filosófico” associado à ideia de que a natureza humana é má e ao “pessimismo em relação ao progresso humano inevitável” ou o “fatalismo” (comunicado no princípio de que Alá prescreveu o destino de todos), defendem o “elitismo”, o “particularismo”, a “monarquia” e o “clericalismo” (p.102). Quando observados sob o ponto de vista do fundamentalismo (“ativista” ou “quietista”), a conclusão é a mesma: “nem todos os fundamentalistas islâmicos” fazem parte da direita radical islâmica”, mas todos os membros da direita radical islâmica são “fundamentalistas islâmicos” do tipo ativista (p.96). Do ponto de vista da ação, as distinções se dão em termos de estratégias para alcançar a supremacia (“islamização de cima” ou imposição da violência e a “islamização por baixo” ou conscientização); natureza dos conflitos internos (líderes, organizações, étnicas, armamentos, nacionalidade e territórios); motivações para os atos violentos (ideológias); tipos de ataque (espontâneos, planejados, sucessivos etc.); sujeitos envolvidos (indivíduos, células, redes, equipes etc.) e níveis de conexão e de acerto. Nesse sentido, as motivações dominantemente ideológicas, a sofisticação dos ataques (os da Al-Qaeda, por exemplo) e as estatísticas de atentados em termos de eventos, número de feridos e mortos, nos últimos 20 anos, principalmente, nos EUA e na Europa, demonstram que a ameaça da direita radical islâmica às democracias do ocidente é superior à ameaça da “direita radical doméstica” (p.163).

Apesar das evidências, “partidos políticos de centro-esquerda, especialistas na mídia tradicional, formadores de opinião da Big Tech e censores, acadêmicos ‘progressistas’, funcionários de agências de segurança governamentais, entidades supranacionais e organizações ‘vigilantes’ e ativistas militantes de esquerda” (p.166) continuam a exagerar e a ver fascistas em lugares e tempos os mais inusitados. Esse fenômeno que os autores interpretam como o interminável “susto marrom”, título do quarto capítulo – The Never-Ending “Brown Scare” Since 1945 Is “Fascism” Really “On the March”? –  ocorre desde 1945 em forma de “ondas” e explica, por exemplo, a tese de que políticos, partidos, movimentos e regimes fascistas estão presentes, nos últimos três anos, na Austrália, Canadá, EUA, Brasil, França, Hungria, Turquia, sem que seus autores, na maioria dos casos, observem a devida precisão conceitual e a exemplificação coerente. Renomados pesquisadores usam e abusam de expressões, como fascismo “moderado”, fascismo “intuitivo”, fascismo “recalibrado” e ações e ideologias “pós-fascistas”.

Jair Bolsonaro, por exemplo, apesar de eleito democraticamente e de não criar um Estado totalitário no Brasil, é classificado como fascista. Donald Trump, da mesma forma, apesar de não censurar a imprensa e as universidades, é também designado fascista, e a invasão do Capitólio, protesto por suposta corrupção na eleição presidencial em benefício dos democratas, é vista como “golpe fascista” e “fascismo doméstico”.

Michel Temer entrega faixa presidencial a Jair Bolsonaro Foto Marcelo CamargoAgencia Brasil

Michel Temer entrega faixa presidencial a Jair Bolsonaro (01/01/2019) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para os autores, a melhoria das análises sobre a direita radical, assunto do capítulo quinto – Some Suggestions for Improving Analyses of the Radical Right –, depende da revisão de procedimentos, do emprego preciso de categorias e do uso parcimonioso de tipologias. A primeira medida, provavelmente, não será novidade para o leitor. Trata-se de um conjunto de princípios de investigação e de validação de teses comuns às ciências sociais, humanas, naturais e matemáticas que visam à garantia de certa objetividade: controle da própria visão de mundo, diferenciação de fato e opinião, uso de múltiplas fontes, múltiplas perspectivas interpretativas, provenientes de diferentes disciplinas acadêmicas, precisão na escolha e uso dos conceitos e definições. Na esteira dos procedimentos, os autores aconselham que os estudiosos da direita radical tratem os “pensadores, líderes, apoiadores e ideologias” da direita radical com empatia e seriedade, comparem programas e ações (intra e entre grupos, países e continentes) e compreendam as singularidades e novidades do século XXI, diferenciando-as dos tempos do Fascismo e do Nazismo. Os autores também listam e definem categorias básicas ao estudo da matéria: “afinidade no grupo”, “biodiversidade humana”, “racialismo”, “racismo”, “nacionalismo racial”, “separatismo racial”, “supremacismo racial”, “exterminacionismo racial”, “nacionalismo cultural” e “identitarismo”. Por fim, fornecem uma tipologia para o posicionamento das ideologias no espectro extrema direita/direita. A primeira é a “direita conservadora” que se opõe à democracia parlamentar, à influência do grande capital e à estrutura de poder (status quo). A segunda é a “direita dissidente” que se opõe ao abstracionismo, ao universalismo e ao utopismo abraçado pelas direitas conservadoras. Ambas são mais propensas a operar em sistemas formalmente democráticos. O terceiro tipo de direita é designado “radical”. Ela é contrária à democracia parlamentar, à influência do grande capital e à estrutura de poder (status quo), defendendo, porém,  a restauração de uma espécie de “Idade do ouro” sob regime autoritário ou totalitário. O quarto e último é a “direita revolucionária” que conserva as características da “direita radical”, mas dela se diferencia pelos objetivos de “mobilizar as massas” e de “reorganizar a própria estrutura social”, no processo de implantação de regimes autoritários ou totalitários.

Depois dessa longa síntese, não esperem que comente a matéria substantiva desse livro. Penso mesmo que poucos estarão habilitados à tarefa, dado o restrito time de investigadores das direitas radicais de corte islâmico que circulam no mercado das ideias. Posso, contudo, tecer considerações que auxiliem o leitor ocasional a tirar melhor proveito desse livro que já nasce manual. Sua escrita é clara, para não dizer didática, sobretudo nos capítulos dois e três. Independentemente da tese que apresenta, qualquer intelectual mediano estará habilitado a formar alguma posição sobre ideias e atos das direitas radicais contemporâneas, dos EUA e da Europa (e, principalmente, do Brasil) e a ler notícias e livros sobre o tema com algum rigor crítico, após o consumo dessa obra.

Para os especialistas, penso que a vantagem da leitura vai em sentido idêntico. Se os autores desejavam “estimular uma discussão mais informada […] a fim de ajudar a comunidade acadêmica a revisar certas formulações falhas, corrigir erros específicos […] e preconceitos partidários […] sobre a direita radical” (p.302), o objetivo do livro foi plenamente atingido. Todos os capítulos são ferramentas para a sofisticação da pesquisa e da escrita sobre a matéria que incluem a problematização, recorte de objeto, revisão da literatura, emprego preciso de conceitos, proposições e modelos de interpretação, estratégias de comparação e de tipificação de fenômenos.

Penso também que, nesse aspecto, há proposições matizáveis ou merecedoras de maior atenção por parte do leitor. Os autores carregam nas tintas ao reiterarem os equívocos dos sujeitos progressistas ou de esquerda – os alvos da maioria das responsabilizações nominadas. A denúncia da histeria intelectual soa teoria da conspiração quando eles escrevem que “talvez a explicação mais simples para a sua incessante exaltação dos supostos perigos de um ‘fascismo’ revivido ou novo seja distrair a atenção das pessoas de sua própria usurpação acelerada de poder e crescente exploração das classes média e trabalhadora, tanto em casa quanto no exterior” (p.171).

A descrição sobre Trump e a Invasão do Capitólio também está marcada pelo mau humor dos autores e, provavelmente, pelo mesmo defeito apontado no trabalho dos esquerdistas. A descrição do problema migratório recente, como “crise facilmente evitável” e “diretamente precipitada pelas mal concebidas políticas de ‘refugiados’ e asilo adotadas por organizações ‘progressistas’ e corporativas, globalistas” e o emprego das “lições’ históricas para asseverar que “muita diversidade etnocultural [apelo dos intelectuais esquerdistas] leva quase invariavelmente à divisão, conflito social e cultural, sectarismo político e violência total” são também outros exemplos de exagero cometido pelos autores, não tanto por equívocos factuais, mas por não terem submetido os acontecimentos referidos ao mesmo rigor das revisões da literatura sobre direita radical.

É provável que esses destemperos sejam também o responsável pelo principal deslize metodológico do livro. Em mais de uma passagem, os autores deixam subentendido que a melhor expressão do dissenso sobre o fascismo foi anunciada por Zeev Sternhell: “não há uma definição clara e inequívoca de um movimento fascista e […] nenhum movimento tem todos os componentes da definição” (p.57). Se interpreto literalmente a denúncia dos autores, terei de aceitar o trabalho dos acadêmicos como encerrado na descrição do fenômeno, também suscetível a mais controvérsia, já que o descrever é também uma modalidade de interpretar, ou seja, de empregar categorias para representar o real. Os cientistas sérios que refletiram sobre validação das verdades racionais já apresentaram alternativas a esse suposto beco sem saída que é encontrar uma categoria representativa de um conjunto de fenômenos e/ou selecionar fenômenos que sejam representáveis por uma categoria. A solução é o termo médio entre a autoridade do especialista para classificar um fenômeno e as singularidades dos fenômenos estudados para justificar a sua classificação, ou seja, o tipo ideal. Ocorre que os autores empregam esse dispositivo (condenado por atacado no trabalho dos seus pares) ao definirem, por exemplo, “islamismo radical” em oito traços diacríticos, alertando não ser necessário “aceitar dogmaticamente todas essas [oito ideias] de esquerda ou de direita por inteiro” (p.102).

Outro deslize está na causação da histeria intelectual em torno do fascismo. Se o equívoco se explica pela ocorrência do “susto marrom” e se tal evento é cíclico (ou emerge em “uma longa série” e em “ondas recorrentes”), há setenta e cinco anos, não há razão para estabelecer a causa no alarmismo na hegemonia da esquerda nas universidades. Seria plausível afirmar a manutenção dessa hegemonia por tão longo e vigoroso tempo, nos EUA e na Europa? Não seria uma generalização desprovida de evidências? Afinal, a racionalização da causa deve ser de fundo dominantemente metafísico ou dominantemente empírico? Mas como o leitor pode sabê-lo se a tese da hegemonia é tida como lugar comum (que prescinde das evidências)?

O autor não tinha a obrigação de citar uma bibliografia sobre o Brasil. Se o fizesse, é provável que ponderasse a tese de que os especialistas na matéria estariam combatendo moinhos de vento, por ignorância ou por desonestidade. As circunstâncias históricas de cada lugar (as do nosso país, dos últimos quatro anos) poderiam oferecem material para reduzir o seu ímpeto acusativo e generalizador. Principalmente por essa razão, os autores brasileiros que têm caracterizado as ações e a retórica de Bolsonaro e as ideias de alguns dos bolsonaristas com as categorias postas à prova pelos autores desse livro estão convidados à leitura. Afinal, questiono aos colegas: a expressão fascismo e os respectivos termos do seu campo semântico fazem sentido para o exame da realidade nacional contemporânea? Se a resposta for sim, é possível situá-lo no espectro das direitas formulado pelos autores? Por fim, as tipificações de fascista, conservador, direitista radical ou indivíduo de extrema direita seriam mais rendosas como categorias analíticas para os cientistas sociais e historiadores ou como um excelente “fora Bolsonaro” nas eleições de 2022?

Sumário de Fighting the Last War – Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right

  • Acknowledgments
  • Introduction: Instigating “Brown Scares” and “Moral Panics” about the Radical Right and “Fascism”
  • 1. Biases and Double Standards in Assessing the Role and Impact of Ideologies
  • 2. Toward an Academic Consensus about the “Radical Right” and “Fascism”?
  • 3. The Islamic Radical Right (Islamism) is a Greater Threat to Democracy and Security than “Fascism”
  • 4. The Never-Ending “Brown Scare” Since 1945: Is “Fascism” Really “On the March”?
  • 5. Some Suggestions for Improving Analyses of the Radical Right
  • Afterword
  • Bibliography
  • Index
  • About the Authors

Resenhista

Itamar FreitasItamar Freitas – Doutor em História (UFRGS) e em Educação (PUC-SP), Professor do Departamento de Educação e do Mestrado Profissional em História, da Universidade Federal de Sergipe, e editor do blog Resenha Crítica. Publicou, entre outros trabalhos, Uma introdução ao método histórico (2021) e “Objetividade histórica no Manual de Teoria da História de Roberto Pirgibe da Fonseca (1903-1986)”. ID: https://orcid.org/0000-0002-0605-7214; E-mail: itamarfreitasufs@gmail.com


Para citar esta resenha

BALE, Jeffrey M.; BAR-ON, Tamir. Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right. London: Lexington Books, 2022. 438p. Resenha de: FREITAS, Itamar. Olhando para o outro lado. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, número especial (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3144/>.

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