Em busca do Submarino U-513. Uma incrível aventura nos mares do sul | Vilfredo Schürmann
Vilfredo Schurmann | Foto: Maria Muina/Veja
A localização do Submarino alemão U-513 está entre os maiores feitos da Arqueologia Subaquática no Brasil, considerando a complexidade para encontrar um casco soçobrado a 130 metros de profundidade, a 83 km da costa, no través da Ilha do Arvoredo, litoral de Santa Catarina. Também é uma importante contribuição à História Naval, pois encontrar barcos da Segunda Guerra Mundial que causaram tantas perdas humanas e materiais pode ter muitos significados e abrir novas linhas de investigação. A localização foi em tempo recorde, cerca de dois anos desde o início efetivo do projeto, considerando a imprecisão da coordenada registrada pelo avião da Marinha norte-americana que afundou o submarino alemão, em julho de 1943. Ou seja, não era conhecido o local exato do afundamento, daí a importância teórica e metodológica do projeto e seus caminhos para descobrir uma posição oceânica! Para dar a compreender a complexidade desta expedição científica, o livro destaca as palavras do oceanógrafo Thomáz Tessler, um dos membros da equipe: “para entendermos o quanto a área de busca é importante no planejamento”, ele fez a seguinte analogia: “é como encontrar metade de uma ervilha em um campo de futebol… você só pode enxergá-la um centímetro à sua frente, isso porque a distância entre o sensor do magnetômetro e o objeto que estamos procurando não pode ser grande”.
O livro de Vilfredo Schürmann narra com uma prosa atraente o desenvolvimento da busca, desde que ele foi surpreendido por uma história que desconhecia, ficando atraído por um desafio de difícil realização, um empreendimento de alcance público tão fora da sua expertise internacionalmente reconhecida como navegador de tantas viagens ao redor mundo. A narrativa começa na revelação feita por Antônio Husadel sobre a história do U-513 e outros submarinos que afundaram 32 navios da Marinha Mercante e um da Marinha do Brasil, matando quase 1.100 pessoas no mar territorial brasileiro. E, também, conta como dois romances de Telmo Fortes sobre as ações do U-513 em águas catarinenses lhe cativaram ainda mais, convencendo-o da importância de encontrar as pessoas certas para lhe apoiar e os meios para enfrentar uma missão de tamanha magnitude. Evidentemente, ele destaca o apoio e a participação dedicada da sua família, todos navegadores como ele.
A equipe multidisciplinar reuniu pessoas peritas em diversas especialidades, que trabalharam constantemente pela integração teórica e prática de todas as ações do projeto. De um lado, o livro descreve o levantamento de fundos e a procura de apoios diversos, necessários à execução das várias etapas. De outro, narra diversos aspectos da elaboração do projeto, pensado desde o princípio com uma investigação científica que articulasse oceanografia, geofísica, cartografia, história e arqueologia para dar conta da metodologia necessária para encontrar um naufrágio em alto-mar. Schürmann e Husadel buscaram os primeiros contatos e informações relevantes para criar o escopo inicial, incluindo a consultoria voluntária de historiadores navais da Alemanha especializados em submarinos e na Kriegsmarine, pesquisadores da Batalha do Atlântico e a jornalista Anita Lesko, que investigou a história do comandante do hidroavião que bombardeou o U-513. Na Marinha do Brasil, Schürmann teve as orientações para obter a autorização da pesquisa e para outros temas afins.
A parte da oceanografia foi planejada por Rafael Medeiros Sperb, coordenador- geral do projeto, que estabeleceu uma linha de investigação para análise sistemática do leito marinho, das correntes oceânicas e do clima regional, para definir quais os equipamentos seriam utilizados e os métodos de busca e localização. A parte da arqueologia marítima foi definida por Francisco Silva Noelli, desde a obtenção da licença de pesquisa junto à Marinha do Brasil até a metodologia inicial do levantamento em alto-mar, na pesquisa e análise das fontes escritas, incluindo a transcrição das comunicações do U-513 com o seu centro de operações navais e os diários de bordo do avião e do navio da força de ataque. A parte histórica envolveu pesquisa bibliográfica, na imprensa brasileira da época e nos arquivos e museus do Brasil, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. A documentação dos arquivos e as referências bibliográficas foram analisadas e debatidas por vários membros da equipe, um esforço coletivo para conseguir todas as informações sobre os militares e civis envolvidos, os equipamentos, os barcos que o comandante do U-513 escolheu torpedear, a mobilização para o ataque aeronaval e, depois, para o resgate dos sobreviventes e o seu encarceramento nos Estados Unidos. Foram entrevistadas pessoas que vivenciaram os eventos ocorridos em julho de 1943, como o operador de radar do “Nickel Boat”, avião PBM Mariner 3C do Esquadrão VP-74 que atacou o submarino, e três moradores de Porto Cancela, Barra Velha – SC, que estiveram entre os que acolheram os sobreviventes do Navio Mercante Richard Caswell, o último a ser torpedeado pelo U-513. Alguns familiares de um sobrevivente do U-513 também foram entrevistados, assim como outros veteranos da Segunda Guerra, incluindo submarinistas alemães e militares americanos. E, também, militares brasileiros, como o Comandante Submarinista Ronaldo Schara, que se tornou consultor do projeto. A equipe teve diversos colaboradores em terra e na água, em ações dedicadas que foram fundamentais em todas as etapas, incluindo diversos pesquisadores e pesquisadoras, mergulhadores profissionais, operadores de equipamentos de busca e dos ROV´s, fotógrafos e um cinegrafista que documentou a trajetória da pesquisa.
A busca foi realizada no Veleiro Aysso, uma escuna de 55 pés (16,75 metros), que inicialmente arrastou o sonar de varredura lateral de baixa resolução JWFishers SSS–100k (magnetômetro de prótons) em linhas paralelas distribuídas dentro das quadras que dividiam a área de busca. Posteriormente, foi utilizado um sonar de varredura lateral de alta resolução Edgetech 4200 e um magnetômetro de césio Geometrics Mk G-882. O Aysso cumpriu a navegação de precisão dentro do quadrante GA5, um sistema de células cartográficas usado pelos alemães para orientar as suas ações navais em todos os mares naquela época, cuja área retangular cobria aproximadamente 300 por 270 km de lado. As coordenadas relativas da área do afundamento do U-513 foram 210 17´S 470 32´W, tiradas com sextante pelo navegador do hidroavião perto das 15 horas, do dia 19 de julho de 1943; enquanto as do local do resgate dos sete sobreviventes do U-513, 270 30´S 470 55´W, foram definidas perto das 22h15 do mesmo dia pelo USS Barnegat, navio de suporte do Esquadrão VP-74 a qual pertencia o “Nickel Boat”. A falta dos segundos na anotação das coordenadas deixou a posição do naufrágio absolutamente imprecisa, como revelaram várias buscas na proximidade do local registrado do afundamento. A situação levou a uma redefinição do tamanho da área de busca, tornando inviável o método usual de levantamento em linhas paralelas, cujo resultado poderia consumir anos de trabalho.
A partir daí um método alternativo foi definido, aproveitando as características dominantes do leito marinho no quadrante GA5, recoberto com sedimentos arenosos e afloramentos esparsos de parcéis. Aqui foi decisiva a experiência dos comandantes da frota pesqueira da região, que há décadas mapeiam os “pegadores de rede”, parcéis, cascos e outros equipamentos soçobrados que eventualmente prendem as redes da pesca de arrasto. A análise da geologia marinha definiu os pontos dos pegadores e reduziu imensamente a área de busca, caso um deles fosse o submarino. A varredura foi concentrada em pegadores próximos da coordenada do afundamento. Foi dessa forma que a busca se tornou mais eficiente, resultando na localização definitiva do U-513, o primeiro dos onze submarinos atacados e afundados em águas territoriais brasileiras a ser localizado.
A localização do U-513 foi o ponto máximo da pesquisa, um feito notável em termos científicos. Para alcançar a exata coordenada foi preciso cumprir um trajeto obrigatório de investigação, primeiro levantando todas as informações documentais objetivas produzidos pelos envolvidos, junto com os dados oceanográficos, geofísicos e climáticos para executar os métodos mais ortodoxos de busca em arqueologia marítima. O insucesso e o reconhecimento da imensa margem de erro levaram a uma revisão dos métodos originais da busca, fadados a uma duração que certamente escaparia dos orçamentos disponíveis do objetivo de concluir a pesquisa o mais rapidamente possível. Ao agregar o conhecimento local dos navegadores e pescadores daquela área específica, sobretudo dos capitães da frota pesqueira e dos seus valiosos mapas dos pegadores de redes, o projeto inovou e reduziu a margem de erro. Assim, a única hipótese de não encontrar o U-513 era ele não ter sido ainda mapeado com um pegador de rede, uma possibilidade remota considerando os 76 metros de comprimento do casco e a frequência da pesca de arrasto naquela parte da quadra GA5.
Enfim, o livro é um relato eloquente sobre acertos e superação de dificuldades enfrentadas em um planejamento de execução complexa em todas as suas frentes. De certa forma, é um manual para orientar ações e tomadas de decisão, sugestivo sobre avaliação de estratégias e métodos em projetos semelhantes. E é um exemplo da gestão bem-sucedida de qualquer atividade envolvendo pessoas e recursos, especialmente para cumprir objetivos totalmente inéditos para quem vai desenvolver algum plano diferente e fora da expertise usual. Com mais um livro relevante, que se soma a outros publicados anteriormente, Vilfredo Schürmann revela uma experiência ímpar que merece ser apreciada e estudada na estimulante leitura do Em busca do submarino U-513.
Resenhista
Francisco Silva Noelli – Investigador do Centro de Arqueologia (UNIARQ), Universidade de Lisboa. Bolsista FCT.
Referências desta Resenha
SCHÜRMANN, Vilfredo. Em busca do Submarino U-513. Uma incrível aventura nos mares do sul. São Paulo: Schürmann, 2021. Resenha de: NOELLI, Francisco Silva. É como procurar meia ervilha em um campo de futebol… Navigator – Subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, v. 18, n. 35, p. 127-130, 2022. Acessar publicação original [DR]