Maria Aline Matos de Oliveira com os seus pais | Foto: Davi Villa / Segrase
“… por cima do medo, a coragem”.
Zelita Correia (In: OLIVEIRA, 2021: p. 210).
A pesquisadora e professora Maria Aline Matos de Oliveira oferece, ao público leitor, com a transformação da dissertação de mestrado em História em livro, um dos capítulos mais importantes da resistência democrática contra o autoritarismo da ditadura empresarial-militar no Brasil (1964-1985), ao reconstruir o protagonismo das mulheres na organização a trajetória da luta pela anistia em Sergipe, que galvanizou amplos setores da sociedade civil.
Como produto do processo de consolidação do curso de pós-graduação em História, da Universidade Federal de Sergipe, sua pesquisa busca reconstruir, a partir da metodologia da história oral, histórias e versões de segmentos populacionais antes silenciados pela historiografia brasileira, como é caso da luta das mulheres na resistência às ditaduras no Cone Sul. Além das entrevistas realizadas, a pesquisadora utilizou fontes jornalísticas, relatos memorialistas e a documentação dos acervos do Memorial da Anistia, do Brasil Nunca Mais e da Comissão Estadual da Verdade “Paulo Barbosa de Araújo” (Sergipe).
Tendo por base o arcabouço simbólico do Movimento Feminino pela Anistia, liderado pela advogada Therezinha Godoy de Jesus Zerbine, em 1975, na cidade de São Paulo, especialmente a utilização do estereótipo do gênero como estratégia de proteção por parte do movimento, a historiadora estabeleceu aproximações e diferenciações da luta das mulheres nas ditaduras do Cone Sul. No caso brasileiro, alguns “elementos do imaginário feminino legitimados pelo regime”, como a mulher como defensora da família e da paz nacional, foram apropriados pelo movimento, que se definia como apartidário, não feminista e desvinculado da esquerda política (OLIVEIRA, 2021, p. 61 e 64).
A campanha policlassista investiu na ampliação da base social de apoio, contatando setores políticos e sociais, como o Movimento Democrático Brasileiros (MDB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outros, como registrados no jornal Maria Quitéria, porta-voz do movimento. Dessa articulação resultou a criação do Comitê Brasileiro da Anistia, em 1978, fundamental para a ampliação da mobilização nacional, por defender a anistia ampla, geral e irrestrita e não aceitar o esquecimento, como proposto, inicialmente, pelo movimento liderado por Zerbine.
É, nesse contexto, que surgiu o Comitê Feminino pela Anistia em Sergipe, em 14 de maio de 1978, sob a liderança da professora Núbia Nascimento Marques, e congregando políticos do MDB, professores, intelectuais, estudantes e membros de setores progressistas da Igreja Católica. Segundo a autora, “apesar de ser chamado movimento feminino, não se limitava à participação exclusiva de mulheres no grupo”, conforme relato de uma das entrevistadas, Ana Soares. Entretanto, o protagonismo das mulheres na campanha é inegável, principalmente pela presença de Núbia Marques, Zelita Correia, Ana Côrtes e Laura Marques, sendo as três últimas presas e processadas pela Justiça Militar pela atuação em organizações políticas, como a Ação Popular (AP) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) (OLIVEIRA, 2021: p. 97).
Consideradas como “tríade subversiva”, a pesquisadora estabeleceu uma continuidade das militâncias interrompidas com a repressão estatal por parte dessas perseguidas políticas, com a atuação na campanha pela Anistia, pois, como colocado na epígrafe dessa resenha, elas enfrentaram o medo com coragem. Essas personagens foram importantes por influenciar outras pessoas para compor o movimento feminino, como registrado por Tereza Cristina e Maria Elisa Cruz, em entrevistas à autora, no ano de 2016. Nesse sentido, o núcleo sergipano adquiriu uma perspectiva mais “feminista e ideológica”, contribuindo “para a formação e conscientização de outras mulheres na luta pelo reconhecimento de seus direitos e deveres na sociedade” (OLIVEIRA, 2021: p. 218).
Mesmo com a frustração da derrota da sociedade civil no debate parlamentar de aprovação de uma Lei de Anistia (1979), baseada no projeto de lei do governo do general João Figueiredo, pautado no perdão e no esquecimento, muitas dessas militantes continuaram na luta política e partidária nos anos subsequentes, inclusive participando, ativamente, no primeiro Conselho Municipal da Condição Feminina de Aracaju, em 1986, cujo debate coletivo resultou na formação da Delegacia da Mulher, em 1988.
Com rara clareza e objetividade, mas sem perder a sensibilidade, a autora produziu um texto mobilizador, ao valorizar as mulheres como protagonistas da ação política, permitindo-nos vislumbrar a possibilidade de uma “outra” leitura sobre a história em Sergipe, na qual os cidadãos comuns são convencidos da importância de seus relatos de vida, na construção de uma história mais democrática, no Brasil.
Resenhista
Antônio Fernando de Araújo Sá – Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: afsa@ufs.br
Referências desta Resenha
OLIVEIRA, Maria Aline Matos de. Em Busca da Liberdade: Memória do Movimento Feminino pela Anistia em Sergipe (1975-1979). Aracaju: EDISE, 2021. Resenha de: SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Ponta de Lança- Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v. 16, n. 30, p.234-237, jan./ jun. 2022. Acessar publicação original [DR]
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