Em um momento no qual a construção de perspectivas sobre a história e o destino do Brasil voltam-se novamente para Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido como Lula1, representações sobre a vida do ex-presidente trazem questionamentos acerca de sua incessante capacidade de mobilizar afetos e disputas interpretativas. Neste contexto, sua trajetória pública e privada remanesce atual e relevante para a compreensão dos impasses do presente e o que se pode esperar do futuro. Esse é o desafio assumido pelo último livro do brasilianista John D. French, que traz uma abordagem surpreendentemente dinâmica para a biografia: Lula and His Politics of Cunning, publicado em outubro de 2020.
O autor é professor de História na Duke University, com atuação também nas áreas de estudos internacionais comparados, africanos e afro-americanos. Com uma vasta e produtiva carreira, French coordena, nos últimos anos, o Duke Brazil Initiative, tendo sido diretor do Latin American Center, também em Duke, e coeditor da Hispanic American Historical Review por cinco anos.
Talvez mais do que os seus reconhecidos atributos como acadêmico, impressionantes são as relações de French travadas com o Brasil, que o capacitaram a apresentar uma visão inovadora de Luiz Inácio Lula da Silva, o mais importante brasileiro no cenário político das últimas décadas. Ressaltam-se dois elementos desse percurso. O autor foi orientado por Emília Viotti da Costa (1928-2017)2, de quem sempre fala com enorme respeito e carinho. Como ele mesmo relembra nos agradecimentos do livro, foi Viotti, na primeira reunião dos dois, em 1979, que o inspirou a pesquisar o Brasil. As Greves do ABC chamavam a atenção do jovem pesquisador, que até então tinha como grande experiência de investigação o México dos Oitocentos. O tino da orientadora encaminharia French para o tema (história da classe trabalhadora), o país (Brasil) e o período (século XX), mudando para sempre a sua vida. Como em outras das suas obras, na biografia é notado como French carrega diversas qualidades da mentora: o uso criterioso e crítico das fontes, o rigor metodológico, o constante cotejamento de análises e interpretações, o diálogo profundo com a bibliografia existente e a analítica conceitual apurada, em um profícuo zigue-zague entre a história e as demais ciências sociais. Como em Emília Viotti, evidencia-se, sobretudo, a habilidade singular de nunca perder de vista o liame estrutural e a grande paisagem dos fenômenos pesquisados – atributo notável especialmente tratando-se de uma biografia -, o que é realizado por meio de uma escrita didática e extremamente acessível.
Outro importante dado biográfico de French para a execução do livro é o seu envolvimento de longa data com o movimento operário no Brasil, particularmente com o ABC Paulista, um dos seus principais epicentros no século XX. O autor pisou na região pela primeira vez em 1981-82 para investigar as relações entre industrialização e sistema político que ali emergiram no intervalo de 1900 e 1964. Mais tarde, os resultados das pesquisas iniciadas naquele momento consubstanciaram os livros O ABC dos Operários: conflitos e alianças de classe em São Paulo, 1900-1950 (1995); Urban Labor History in Twentieth Century Brazil (1998); e Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros (2001).
Contudo, enquanto French olhava para o passado do ABC, uma série de greves sacudia a região, mobilizando o debate público nacional e balançando de vez a Ditadura Militar. O turbilhão não deixaria de magnetizá-lo, de maneira que, a partir de 1985, quando defendeu sua tese de doutorado, passou a ler e investigar avidamente o que havia sido publicado sobre Lula, os metalúrgicos de São Bernardo, o novo sindicalismo brasileiro e o Partido dos Trabalhadores. Assim, a sua relação direta com o movimento operário do ABC por mais de 40 anos, 20 dos quais realizando a pesquisa biográfica do ex-presidente, é notada em um dos traços mais significativos de Lula and His Politics of Cunning: a capacidade de localizar a trajetória de Lula dentro do quadro mais amplo da história da classe trabalhadora. Como se depreende do posfácio, Toward a Biographical Pivot, por meio do trato dialético entre trajetória individual e contingência histórica, French fez da biografia um mecanismo poderoso de interpretação da sociedade brasileira. De um lado, a obra tem o potencial de mostrar quem é o historiador por trás do texto e a extensiva pesquisa para a sua construção. De outro, o caminho traçado por Lula não é contado por um viés tradicional e a narrativa desvincula-se da sensação de primeira pessoa sem, contudo, abandonar a intimidade com o objeto. Mostra-se que a figura de Lula que vemos é resultado de uma série de relações e circunstâncias que, em conjunto, propiciaram o desenvolvimento dessa personalidade, para além da mitologia que é projetada sobre ela. Se Lula é o biografado, o Brasil é o grande tema analisado.
O livro é dividido em três partes: “I. Origins and Roots”; “II. From Luiz Inácio into Lula”; e “III. Lula, the peons of ABC, and the pursuit of the presidency”. Na primeira, French cobre o período que vai da infância à entrada de Lula como operário nas fábricas de São Paulo. Nela, destacam-se três temáticas. Primeiro, o encaixe histórico da chegada e da ascensão social de Lula e sua família no ABC como parte de um contexto mais amplo: a profunda revolução industrial vivenciada pela região, com a ampliação das oportunidades de trabalho, a valorização dos salários e a demanda constante por operários qualificados. O foco que French confere à importância do SENAI para o destino de Lula é uma síntese dessas transformações nas relações trabalhistas. Outro elemento é como esse clima de oportunidades aprofundou e moldou certo tipo de consciência de classe, ancorada na cultura política brasileira e radicalizada pelo contexto da época, o que pode ser sintetizado na expressão “vencer na vida”. Tal frase carregava a noção de que fugir da miséria – o que vinha acompanhado de imagens das migrações do Nordeste para as grandes cidades, como São Paulo – era não só um desafio individual ou familiar, mas um esforço de classe, baseado na luta de sobrevivência dos peixes pequenos contra os tubarões.
Esse aspecto conecta-se com um terceiro destaque da primeira parte, o qual é sentido por todo o livro: o uso e a riqueza de fontes e entrevistas para compreender o contexto da ascensão de Lula no ABC. Um exemplo são os diálogos com Marcos Andreotti, histórico militante do Partido Comunista Brasileiro, primeiro presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e um dos maiores líderes sindicalistas da era pré-Lula. Para French, Andreotti não é apenas um interlocutor por meio do qual se analisam as relações no mundo do trabalho, visto que ele também fornece uma teoria da práxis política do movimento operário. Essa epistemologia de classe estrutura um dos pontos altos da primeira parte, o capítulo “A Tale of Two Brothers”, que coloca em relação e tensão as trajetórias de Lula e Frei Chico, um dos seus irmãos. Enquanto o ex-presidente buscou se manter afastado da política no chão de fábrica, Frei Chico foi um dos “rebeldes” e “revolucionários” comunistas que povoaram o cotidiano trabalhador na década de 60. Esses caminhos distintos servem de mote para compreender o enquadramento dado pelo Golpe Militar à classe operária, seja nos seus anseios mais básicos, seja nas suas estratégias políticas.
A segunda parte, “From Luiz Inácio into Lula”, reconstrói o quebra-cabeça que permitiu o surgimento de Lula como liderança sindicalista. Assim, vai desde a entrada de Lula no movimento sindical, no início dos anos 70, até a eleição de Lula como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em 1975. Os capítulos são interessantes para entender o fermento social do qual emergiu uma nova práxis sindicalista no Brasil. Assim, French formula um cenário que combina a análise das características estruturais da sociedade brasileira (como o caráter paternalista e clientelista das relações sociais) com o recorte de contexto (o aniquilamento voraz das esquerdas radicais pela Ditadura Militar), os quais condicionaram a cultura política do movimento operário.
Valendo-se das investigações de Michel de Certeau a respeito do campesinato pernambucano em 1974, French argumenta que a agência da classe trabalhadora brasileira deve ser entendida dentro do contexto de uma sociedade profundamente desigual e autoritária, em que o dissenso é mediado pela violência e não pela linguagem de direitos. Assim, a luta dessa classe é constituída por uma astúcia (cunning) do dominado: ação camuflada e estratégica baseada na sabedoria, na dissimulação, na trampolinagem e na trapaçaria. Superando a conotação negativa comumente ligada à palavra em outros países, como a Inglaterra, a percepção sobre o cunning é traduzida em nova roupagem como verdadeiro traço da agência operária no Brasil. Neste contexto, French sublinha o caráter decisivo da fase mais brutal da repressão da Ditadura Militar, quando se fechavam todos os canais de comunicação democráticos, desestruturando o espaço político. Diante desse quadro, o cunning irá pular de vez para dentro do sindicalismo, moldando-o dali em diante e tendo em Lula sua figura mais habilidosa.
Ao reconstruir o cotidiano sindicalista do ex-presidente (recebendo pessoas no escritório; o hábito de dialogar com todos; o gosto por confraternizações, como a cachacinha no pós-expediente; a escuta e a aprendizagem a partir da demanda dos outros; a política da oralidade) por meio dos relatos de outros militantes partidários e sindicalistas, French fornece uma fina percepção da sensibilidade de Lula desde a base, a qual contrasta com outras do movimento operário. Lula será um mestre na arte de fazer política baseada na experiência e nas demandas imediatas dos trabalhadores, tendo como pano de fundo a eterna crença na possibilidade de convergência de interesses divergentes, mais do que num conflito direto entre subalternos e classes dominantes. Diante das características da sociedade brasileira, este embate sempre levaria a pesados custos para os setores mais desfavorecidos. Onde muitos enxergam a ausência de consciência de classe e de politização (a visão de Lula como um sujeito sem princípios e sempre disposto à conciliação), French vê um apurado entendimento do Brasil.
A terceira e última parte, “Lula, the Peons of ABC, and the Pursuit of the Presidency”, cobre das grandes greves do ABC à soltura de Lula em decorrência da Vaza Jato, passando pela construção do PT, as campanhas eleitorais, os dois mandatos como Presidente da República e os embates com Sérgio Moro. Nesta etapa, o jogo de futebol (presente, por exemplo, na escolha do Estádio da Vila Euclides para as assembleias sindicais e nas metáforas políticas do ex-presidente) serve para pensar o carisma e a ascensão de Lula como uma liderança que, paulatinamente, vai se nacionalizando. Com sua ginga, drible, malemolência e “arte”, utilizados para ludibriar adversários e desorganizar rígidos sistemas defensivos, o futebol brasileiro é a máxima analogia explicativa do cunning lulista – para French, inclusive, Lula é o Pelé da política (French, 2020, p. 368).
Dentro desse contexto, os últimos capítulos apresentam duas grandes contribuições. A primeira delas é a releitura das lutas do ABC por meio do termo peão, dotado de certa ambiguidade e utilizado para se referir às massas de trabalhadores imigrantes que estavam na base das linhas de produção. Na semântica sindicalista do final dos anos 70 e durante a década de 80, o termo passará por uma disputa e ressignificação que expressam não só a reconstrução da autoestima trabalhadora, mas também uma autopercepção dos seus direitos em um país que passava por extremas transformações. O peão encapsulava uma reivindicação cidadã daquela classe, que queria definir os rumos do processo de redemocratização.
Ademais, a terceira e última parte traz um dos grandes aportes do livro: o diálogo crítico com as análises e pesquisas sobre o lulismo. Citando, entre outros, os trabalhos de Wendy Hunter e Timothy Power (2007), Bohn (2011), Soares e Terron (2008) e André Singer (2009 e 2012), French rejeita visões baseadas em um estrito “estruturalismo econômico”, “tipicamente enraizadas em uma ‘empobrecida teoria dos interesses’ derivada de uma ‘sociologia muscular e reducionista’, um utilitarismo comum tanto a cientistas políticos como a diversos marxistas” (French, 2020, p. 345). Para o autor, esses trabalhos apresentam uma visão estática e distanciada da classe trabalhadora, especialmente nordestina, incapaz de captar como os subalternizados foram mudando sua percepção em relação a Lula e como este foi, ao longo dos anos, construindo uma estratégia para esses setores.
Assim, rejeitando abertamente as hipóteses de que o sucesso eleitoral de Lula (e do PT) se deve a supostas disposições passivas e a uma consciência conservadora dos mais pobres no Brasil, French localiza o lulismo no jogo mútuo de interesses. Assim, a tática eleitoral petista caminha ao lado de uma ampla mudança nas atitudes subjetivas do eleitorado. Neste sentido, o foco está na maneira como o governo Lula endereçou a questão social, atrelada a uma mudança no sentido de ser cidadão brasileiro, galvanizada desde os estertores da Ditadura Militar3.
French destaca, na constância do governo Lula, a adoção de medidas de promoção da igualdade racial: desde a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a indicação de Joaquim Barbosa para o Supremo Tribunal Federal e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, até a revolução proporcionada pelas cotas no ensino superior. Além disso, enfatiza a importância as conferências nacionais, como as de mulheres e de cultura, a expansão universitária, com o Programa Universidade para Todos (PROUNI), e a política econômica ampliadora da mobilidade social.
Com isso, French não só abre portas para uma poderosa interpretação dos 14 anos do PT à frente da Presidência da República como também traz ferramentas para pensar a perenidade do fenômeno Lula no Brasil contemporâneo. Não é por acaso a escolha como foto de capa do livro da imagem de Lula “sarrando”, ao lado de diversos jovens, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em dezembro de 2017. Ela ilumina um dos principais pontos do argumento do autor: a aprendizagem e a dinamicidade de Lula, que o fizeram transcender para além da figura de grande líder sindical, sendo contínua esperança cidadã de gerações e gerações de brasileiros. As chaves interpretativas do autor ajudam a entender, por exemplo, os recortes de gênero, raça e classe nas recentes pesquisas de intenção de voto, em que a adesão a Lula é sempre muito mais acentuada entre mulheres, negros, mais pobres e menos escolarizados. Ao invés de sujeitos passivos que expressam em votos barganhas de interesse, foram grupos que disputaram e negociaram ativamente as fronteiras da cidadania nas últimas décadas e tiveram, em Lula e nos governos do PT, maiores espaços para autodefinições de si e do próprio país no espaço público. O lulismo, portanto, deve ser compreendido como parte e expressão catalizadora de um fenômeno mais abrangente de agência subalterna que está no centro das transformações e dos impasses da história recente do Brasil.
De maneira geral, ainda é possível elencar mais três intervenções realizadas pelo conteúdo da obra no debate historiográfico, particularmente: as pesquisas sobre o próprio Lula, o campo da história dos trabalhadores e os estudos comparados sobre a Onda Rosa na América Latina. Em relação ao primeiro aspecto, o próprio French, logo nas primeiras páginas do livro, faz extensa revisão bibliográfica de tudo que se escreveu biograficamente sobre o ex-presidente nos últimos anos. Dentro desse contexto, a análise do autor é singular em relação a textos de referência, como os de Denise Paraná Sanches (1995 e 2002), com suas monumentais horas de entrevista com a família de Lula, e o mais recente best-seller de Fernando Morais (2021), lançado após a publicação de French. A singularidade está justamente em não ser uma mera narrativa de sucessão de fatos, pois French explora exaustivamente a miríade de condições históricas que permitiram a emergência e a consolidação de Lula como o mais importante político brasileiro das últimas décadas. E isso é feito mostrando-se a união de fatores endógenos que propiciaram esse processo, sem deixar de lado a percepção sobre Lula como uma figura de peso na seara internacional. Os diferentes tratamentos pela mídia, em períodos variados, também são pontuados. Como dito anteriormente, a trajetória de Lula ganha sentido diante de quadros montados em escala, que vão desde o contexto político e econômico por trás da industrialização paulista e da Ditadura Militar às condicionantes senhoriais e escravocratas das relações sociais no país. Com isso, a analítica do autor permite reler com maior profundidade e senso de estrutura eventos e circunstâncias já conhecidos da vida de Lula e extensamente abordados em outras investigações e narrativas biográficas.
Relacionado a esse aspecto, Lula and His Politics of Cunning é uma contribuição marcante à vasta bibliografia sobre classe trabalhadora e sindicalismo no Brasil, pois, através da figura do ex-presidente, conecta-se a história do movimento operário pré-1979, especialmente a influência do Partido Comunista e de outras organizações de esquerda e as indefinições trazidas pela Ditadura Militar, com a emergência do novo sindicalismo e o seu respectivo impacto no processo de redemocratização. O vasto material incorporado de pesquisas anteriores, especialmente de entrevistas com líderes sindicais, embasa uma abordagem metodológica da qual se extrai uma epistemologia de classe não só interessante para a apreensão da trajetória e performance de Lula em si, mas também de traços da cultura política operária no Brasil. Tal análise criativa – que é executada de forma detalhista e meticulosa, sem deixar pontas soltas – reconstrói o clima do chão de fábrica, em que a práxis obedece menos a esquemas fechados do que a uma dialética de escuta e troca entre dirigentes e demais trabalhadores.
Por fim, o livro contribui para o entendimento dos mandatos presidenciais do PT dentro da conjuntura de governos progressistas na América Latina no início do século XXI, a chamada Onda Rosa. No capítulo “Coach, Player, and Statesman”, French enfatiza as diferenças entre Lula e o outro grande representante dessa época, Hugo Chávez, bem como aponta a importância dos governos petistas para a articulação, a coordenação e a proteção dos demais projetos de esquerda no continente. Neste sentido, a análise do autor traz aportes importantes para pensar as nuances, o pluralismo e as diferenças dentro da Onda Rosa, sem cair em simplificações – muitas vezes recheadas de moralismo – que pouco explicam o papel do PT neste contexto, como as que taxam o Partido de reformista fraco ou de incapaz de realizar um enfrentamento direto à la chavismo no Brasil.
Há, porém, certa perda de complexidade, que deixa o leitor na expectativa, no que tange à ascensão da extrema-direita dentro da paisagem construída a partir da trajetória de Lula. Talvez por ser fenômeno recente e ainda em curso, a narrativa sobre o Golpe de 2016 e a chegada de Bolsonaro ao poder, como pode ser visto nos tópicos “The Professor, the Worker, and the Troll” e “Backlash: The Golpe of 2016”, do capítulo “The president, a Man of his Words”, é mais descritiva e não investiga com a mesma profundidade as causas dos fenômenos analisados, incluindo as relações deles com as próprias contradições dos governos petistas. Ou seja, acaba por contrastar com o vigor analítico do restante do livro. De qualquer forma, resiste o mérito do historiador de chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome: um golpe articulado pela classe dominante, a qual, ao rechaçar esforços mínimos de democratização, abriu as portas para o fascismo. Coragem que, muitas vezes, falta a alguns setores intelectuais brasileiros.
Finalmente, por se valer de Lula para pensar o Brasil, a obra é pertinente para professores e estudantes com interesse em temáticas variadas, a exemplo da história social do trabalho, da Ditatura Militar, da redemocratização, dos partidos políticos e dos movimentos sociais. Ademais, na medida em que o ex-presidente se encontra de volta ao palco nacional, o livro possui apelo para um vasto público – que vai de historiadores a sociólogos, cientistas políticos e jornalistas – ao apresentar o fenômeno Lula para além dos chavões, das referências anedóticas, das superstições ou dos preconceitos com ar de opinião especializada. Como French argumenta, ainda hoje reina um tratamento pouco sério de Lula por parte da opinião pública mainstream – que o lê a partir dos seus próprios critérios e o toma como um político vulgar, sem projeto nacional e visão estratégica, cujo maior mérito é ter sorte, a exemplo de governar o país durante um boom internacional de commodities -, incapaz de compreender o contexto, o sucesso e a astúcia política do primeiro presidente de origem operária do Brasil. A todos dispostos a rever prejulgamentos ou a aprofundar o conhecimento dessa história, o livro é uma parada obrigatória.
Notas
1 Luiz Inácio Lula da Silva, nascido em 27 de outubro de 1945, em Caetés, Pernambuco, filho de Eurídice Ferreira de Melo, Dona Lindu. Deixou Pernambuco rumo a São Paulo junto de sua família, seguindo o fluxo migratório aos grandes centros em busca de melhores condições de vida.
2 Foi professora Livre-docente de História na Universidade de São Paulo. Aposentada compulsoriamente pelo AI-5 da Ditadura Militar, em 1969, foi para os Estados Unidos da América lecionar em Yale. Dentre tantos livros, escreveu Da monarquia à República e Da senzala à colônia.
3 A Ditadura Militar do Brasil, instituída após um golpe, teve vigência de 1964 até 1985.
Referências
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FRENCH, John D. Lula and His Politics of Cunning: From Metalworker to President of Brazil. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2020.
FRENCH, John D. O ABC dos Operários: conflitos e alianças de classe em São Paulo, 1900-1950. São Paulo: Hucitec, 1995.
FRENCH, John D; FORTES, Alexandre. Urban Labor History in Twentieth Century Brazil. Albuquerque, EUA: The Latin American Institute; The University of New Mexico, 1998.
HUNTER, Wendy; POWER, Timothy J. Rewarding Lula: Executive Power, Social Policy, and the Brazilian Elections of 2006. Latin American Politics and Society, v. 49, issue 1, pp. 1-30, spring 2007.
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SANCHES, Denise Paraná. Da cultura da pobreza à cultura da transformação: a história de Luiz Inácio Lula da Silva e sua família. Tese (Doutorado em História Econômica) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995.
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras , 2012.
SINGER, André. Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos Estudos CEBRAP, n. 85, pp. 83-102, 2009.
SOARES, Gláucio Ary Dillon; TERRON, Sonia Luiza. Dois Lulas: a geografia eleitoral da reeleição (explorando conceitos, métodos e técnicas de análise geoespacial). Opinião Pública, v. 14, n. 2, pp. 269-301, nov. 2008.
Resenhistas
Marcos Queiroz – Universidade de Brasília (UnB) e Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, DF. E-mail: marcosvlq@gmail.com
Thaís Duarte Zappelini – Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP. Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Integrante do Grupo de Pesquisa Estado e Direito no pensamento social brasileiro (Mackenzie/CNPq). E-mail: tduartezapp@gmail.com
Waleska Miguel Batista – Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP. Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Integrante do Grupo de Pesquisa Estado e Direito no pensamento social brasileiro (Mackenzie/CNPq). Bolsista integral CAPES. E-mail: mbwaleska@gmail.com
Referências desta Resenha
FRENCH, John D. Lula and His Politics of Cunning: From Metalworker to President of Brazil. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2020. Resenha de: QUEIROZ, Marcos; ZAPPELINI, Thaís Duarte; BATISTA, Waleska Miguel. De metalúrgico a presidente: o Brasil visto a partir da biografia de Lula. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 42, n. 90, maio/ago. 2022. Acessar publicação original [DR]
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