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Autoficção: da memória à ficção | Literatura, História e Memória | 2022

Silviano Santiago | Imagem: Estado de Minas

“A verdade não está explícita numa narrativa ficcional, está sempre implícita, recoberta pela capa da mentira, da ficção. No entanto, é a mentira, ou a ficção, que narra poeticamente a verdade ao leitor”1 .

Silviano Santiago

A formação deste dossiê, proposto com o objetivo de fomentar a produção crítica e o debate sobre o tema da autoficção como escrita de si, revela, na diversidade das abordagens e obras selecionadas pelo pesquisadores, que a “A palheta da autoficção é variada e é isso que constitui sua riqueza”2 . É, ainda, um caminho aberto a inovações dos autores tanto na ficção quanto na poesia e em outras manifestações da arte, em que “a narrativa de si é sempre modelagem, roteirização romanesca da própria vida”3 .

A apresentação de pesquisas e debates em eventos científicos da área de estudos da literatura e cultura indica que, como estratégia de escrita de si, o tema ainda está longe de ter sido esgotado, ao contrário, a pluralidade de soluções adotadas pelos narradores revela que o caminho está aberto tanto a inovações na ficção como na poesia e em outras artes e que, após mais de 30 anos do surgimento do termo, a definição de autoficção ainda constitui uma aventura teórica4 .

Nos objetivos da proposta deste dossiê está a inserção da produção crítica recente sobre o tema no espaço da Revista de Literatura, História e Memória, periódico que tem recolhido regularmente significativas contribuições para os debates sobre a narrativa de memórias e suas manifestações, muitas delas com origem no contexto da produção do grupo de pesquisa Confluências da ficção, história e memória na literatura e nas diversas linguagens, criado já em 2007 e que congrega diversos pesquisadores, e tem recolhido um conjunto de trabalhos que, reconhecendo o hibridismo da linguagem e as estratégias criativas adotadas nas obras cujo fulcro é a memória e evidenciam a pluralidade e a dimensão que têm tomado desde o século XIX, mas sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Esses estudos, sobre as relações entre história, memória e ficção têm se destacado na Unioeste ao longo dos anos, desde o primeiro seminário sobre o tema organizado em 2001 e que alavancou a formação do grupo, a periodização dos eventos na área e a criação da revista.

Ainda, como se verifica nos trabalhos recolhidos neste dossiê, a produção em grupos de outras instituições e que se dedicam à pesquisa da variante autoficção no campo da Literatura, História e memória é expressiva, especialmente em programas de pós-graduação, ampliando o conhecimento e a compreensão sobre a presença dessa modalidade textual no campo da literatura de um modo geral.

No conjunto dos estudos propostos e recolhidos para publicação nesta edição da revista, chama a atenção:

1) a diversidade de origem das obras e autores pesquisados que, além dos narradores nacionais, traz, também, autores de Angola, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, França e Itália, todos como expressão de memórias do vivido em formulações de linguagem muito própria, refletindo, inclusive sobre o lugar do sujeito nas narrativas contemporâneas;

2) esse aspecto revela também que a problematização do eu na ficção é um tema de alcance mundial, estando presente em diferentes países e continentes e se configura como uma forma de produção estética que revela, conforme apontou Silviano Santiago5 , uma forma de ressemantização do sujeito pelo sujeito que espelha os narradores modernos;

3) a natureza plural da fundamentação teórico-crítica dos trabalhos, ao problematizarem a construção conceitual da autoficção em torno de um sujeito histórico visível e sua configuração como personagem de ficção, embora de modo geral todos apontem, principalmente, para os trabalhos de Doubrovsky;

4) os pesquisadores adotam uma perspectiva crítico-analítica, na busca de compreender as soluções adotadas pelos narradores na conformação de si como personagem de um relato em que sujeito e personagem são um e o mesmo, ocorrência que se reconhece, inclusive em narrativas e em obras poéticas de autores já consagrados ao longo do século XX.

Nesse debate, a “Peça em cinco atos” – proposta por Lejeune em 1990, como resgate da ainda breve história do pacto autobiográfico (1973) e da autoficção (1977) – já apontava variações narrativas que os antecediam6 .

As contribuições deste dossiê reverberam, tanto o debate elevado relativo às questões teóricas quanto a ampla diversidade de inovações e soluções criativas que povoam as obras publicadas.

A polêmica, porém, não se encerra nas formulações teóricas adotadas para explicar uma série de soluções cuja criatividade é a principal marca comum aos narradores. Ao contrário, somente reconhece que a distância para uma solução teórica está pertinentemente distante. Os narradores agradecem.

Notas

1 SANTIAGO, S. Meditação sobre o ofício de criar. In: Aletria, Belo Horizonte – MG, v. 18 jul./dez., 2008. p. 173-179. p. 177.

2 DOUBROVSKI, S. O último eu. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim (Org.). Ensaios sobre a autoficção. Trad. Jovita Maria Gerheim Noronha e maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: UFMG, 2014. p.111-125. p. 113.

3 Idem, ibidem, p. 124.

4 JEANNELLE, Jean-Louis. A quantas anda a reflexão sobre a autoficção. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim (Org.). Ensaios sobre a autoficção. Trad. Jovita Maria Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: UFMG, 2014. p. 127-162.

5 SANTIAGO, S. Meditação sobre o ofício de criar. In: Aletria, Belo Horizonte – MG, v. 18 jul./dez., 2008. p. 173-179. p. 174.

6 LEJEUNE, Philippe. Autoficções e Cia. Peça em cinco atos. In: NORONHA, Jovita Maria Gerheim (Org.). Ensaios sobre a autoficção. Trad. Jovita Maria Gerheim Noronha e maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: UFMG, 2014. p. 21-37.


Organizador

José Carlos da Costa


Referências desta apresentação

COSTA, José Carlos da; SANTOS, Maricélia Nunes. Apresentação. Literatura, História e Memória. Cascavel ,  v. 18, n. 31, p. 4-6,  2022. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

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