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Ação integralista em Minas Gerais: estudos e historiografia | Everton Fernando Pimenta e Leandro Pereira Gonçalves

Instituto Metodista Granbery em 1934 | Imagem: Acervo de H. Ferreira/Maria do Resguardo

Com a leitura, em 7 de outubro de 1932, do Manifesto de Outubro, Plínio Salgado oficializou a fundação do que viria a ser o mais bem-sucedido movimento fascista extraeuropeu: a Ação Integralista Brasileira (AIB). Por meio de um projeto pautado pela defesa do antiliberalismo e do anticomunismo, além de ideais nacionalistas, autoritários e corporativistas, o integralismo pronunciava-se como a única possibilidade de restauração do Brasil colapsado por uma crise material. Assim, difundia um ideal salvacionista, propondo a ordem e a unidade da nação a partir de um novo mundo espiritualista, que seria estabelecido por meio da implementação do “Estado Integral”. Amparado por esse discurso, o movimento fez-se presente em todo o território nacional, apresentando números expressivos em relação a militância no contexto da sociedade brasileira dos anos 1930.

A divulgação do integralismo ocorria por meio da imprensa, do uso intenso de simbologias, como as camisas verdes, a letra grega sigma (∑) e o lema “Deus, pátria e família”, e a partir de desfiles, atividades públicas e bandeiras integralistas. Estas últimas caracterizaram-se enquanto significativo meio de expansão da AIB: por meio de viagens feitas pelas principais lideranças, como Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale, buscava-se divulgar o movimento nas mais diversas regiões do país, o que angariou muitos seguidores e auxiliou na amplificação dos núcleos integralistas em todo o território brasileiro.

Apesar de ser o primeiro partido de massas no Brasil e a maior expressão fascista fora da Europa, as reflexões acadêmicas sobre o fascismo brasileiro são relativamente recentes: os estudos sobre integralismo foram inaugurados na década de 1970 por Hélgio Trindade, com a tese de doutoramento Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930 2. Essa investigação abriu portas para o desenvolvimento das mais diversas perspectivas de análise, tanto em relação a natureza do movimento como sobre a imprensa integralista, as questões de religiosidade presentes na doutrina, o papel da mulher na estrutura da AIB, a participação de negros nas fileiras na organização, entre outros. Dentre as variadas abordagens que surgiram acerca do integralismo, destaca-se aqui as pesquisas de cunho regional, que têm como expoente René Gertz3 a partir de uma reflexão do movimento no sul do Brasil.

Embora a AIB tenha sido uma organização de caráter nacional, que propunha uma organicidade entre todas as esferas que permeavam sua constituição, possuía núcleos em todo o território brasileiro e, assim, apresentava particularidades na sua estruturação em cada região do país. Buscando ampliar as análises regionais acerca do integralismo, há o desenvolvimento do livro Ação integralista em Minas Gerais: estudos e historiografia, publicado e distribuído gratuitamente pela Editora da UFJF4. Esta obra, organizada por Leandro Pereira Gonçalves e Everton Fernando Pimenta, tem como foco apresentar um panorama historiográfico a respeito da atuação da AIB em Minas Gerais, estado que, nos anos 1930, possuía centralidade acentuada, sendo o mais populoso e uma peça fundamental no jogo político nacional.

Gonçalves é professor no Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com atuação no Programa de Pós-Graduação em História, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e pesquisador FAPEMIG. É doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde desenvolveu uma investigação sobre Plínio Salgado, o líder do integralismo brasileiro, que resultou na publicação do livro Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975) 5. Com vasta produção acadêmica sobre o integralismo brasileiro, é investigador associado a diversas redes e grupos de pesquisa no Brasil e na Europa e desenvolve estudos sobre os fascismos ibero-americanos. Já Pimenta é professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Concluiu seu doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com a tese Oscar Machado: uma trajetória em meio ao metodismo, integralismo e maçonaria (1930-1965)6, e dedica-se a investigação do fascismo, do integralismo brasileiro e de trajetórias políticas, apresentando publicações sobre essas temáticas.

Com o objetivo de “promover a reflexão da presença integralista em um dos principais focos de camisas-verdes: Minas Gerais” e “ser um manual de todos os estudos já realizados sobre o integralismo no estado”7, os organizadores elaboraram uma coletânea composta por um prefácio de Rodrigo Patto Sá Motta, uma apresentação e dezessete capítulos, que versam sobre os mais diversos aspectos acerca da organização do fascismo brasileiro em Minas Gerais.

Por meio de uma abordagem mais ampla, os capítulos “Uma análise sobre o movimento integralista em Minas Gerais a partir dos arquivos da polícia política”, de Emerson Nogueira Santos, “‘Educação Integral para o Homem Integral’: as escolas integralistas em Minas Gerais”, de Lenir Palhares, e “O integralismo em Minas Gerais: desenvolvimento entre 1932 e 1935”, de Guilherme Costa Pimentel, investigam a existência, a instituição e a composição da AIB em Minas Gerais. Ressalta-se que este último é proveniente de uma recente pesquisa de doutorado, intitulada A Ameaça Verde Sobre Minas: Organização, Desenvolvimento e Extinção da AIB (1932-1938)8 e defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para além dos capítulos que dissertam de forma geral sobre a organização do integralismo no estado, o livro apresenta capítulos que expõe as especificidades da AIB em alguns municípios de Minas Gerais. A presença do fascismo brasileiro na capital Belo Horizonte, por exemplo, é discutida em “Em Belo Horizonte operários vestem camisas verdes?” de Yonne de Souza Grossi e Maria Auxiliadora Faria, texto oriundo de um trabalho pioneiro sobre a temática regional, publicado originalmente nos anos 1990 9. Já a organização em Juiz de Fora é analisada em “O nascimento da Ação Integralista Brasileira em Juiz de Fora” de Leandro Pereira Gonçalves e “Ação Integralista Brasileira: seus reflexos em Juiz de Fora” de Maurício de Castro Corrêa, sendo este último uma reprodução adaptada de uma investigação publicada em 1973 10, antes mesmo da edição em livro da tese de doutoramento de Hélgio Trindade, que ocorreu em 1974.

Ademais, a existência da AIB em outras cidades, como Barbacena, Diamantina e Varginha, é investigada em “Do fascio ao sigma: a presença integralista em Barbacena (1934- 1938)” de Everton Fernando Pimenta, “A atuação da Ação Integralista Brasileira em Diamantina” de Elias Maria de Oliveira Júnior e “Ação Integralista em Varginha: arquivos da polícia política” de José Roberto Sales. Finalizando a análise dos núcleos integralistas que se desenvolveram em cidades mineiras, há textos sobre a cidade do sul do estado, Pouso Alegre: “A resposta das cartas: o integralismo em Pouso Alegre” de Ivan Teodoro Marques, “Representações jornalísticas do integralismo na imprensa oliveirense e pouso-alegrense da década de 1930” de George Rodrigues Pereira e “Os anauê na trilha dos uai: a Ação Integralista Brasileira nas páginas do jornal ‘A Razão’ de Pouso Alegre (1936-37)” de Márcio Tiago Rodrigues de Oliveira. Estes últimos utilizam, em suas análises, a imprensa, que é uma das principais fontes para os estudos sobre integralismo.

Concomitantemente, além de apresentar o integralismo em Minas Gerais a partir da imprensa, que foi um dos principais instrumentos de doutrinação utilizado pelo movimento, tanto a nível nacional como regional, a obra discorre sobre outro aspecto central na composição da AIB: os intelectuais. A temática é desenvolvida por meio de dois capítulos, que abordam a presença da intelectualidade no estado e suas principais lideranças. São eles: “Olbiano de Mello: formação de um revolucionário conservador em Minas Gerais” de Célia Cerqueira de Araújo e “Intelectualidade e ideologia: Gustavo Barroso e o integralismo em Juiz de Fora” de Vanessa Aparecida Lobo Amancio.

Por fim, as relações do integralismo com outras ideias e instituições, especificamente em Minas Gerais, são analisadas com capítulos “O sigma e a cruz: interseções entre integralismo e catolicista em Belo Horizonte na década de 1930” de Leandro Ratton Pires da Silva, “O Instituto Granbery e a articulação de elementos ‘incompatíveis’ nos momentos iniciais da presença integralista em Juiz de Fora (1933-1934)” de Everton Fernando Pimenta e “O espírito universal do catolicismo e a mística integralista: Murilo Mendes reage à aproximação entre a igreja e a Ação Integralista Brasileira” de Rafael Velloso Macedo.

A coletânea organizada por Leandro Pereira Gonçalves e Everton Fernando Pimenta, que apresenta estudos sobre a presença do integralismo em território mineiro, tanto de forma geral como a partir de especificidades de alguns municípios, com abordagens que exploram a imprensa integralista e alguns acervos documentais, investigações sobre lideranças e suas atuações em Minas Gerais, bem como relações com outros grupos e instituições, é um grande empreendimento. O livro tem o propósito reunir todas as pesquisas realizadas sobre a AIB em Minas Gerais até a data de organização da coletânea. Com isso, uma recente pesquisa escrita pelos dois autores não a compõe, mas merece referenciação, pois aborda o fascismo na cidade de São João-del Rei, além de buscar relações com a política tradicional, com o então vereador Tancredo Neves11. Aliado a essa ausência, os organizadores ressaltam a impossibilidade de inclusão três trabalhos de conclusão de curso realizados anteriormente sobre Minas Gerais, sendo um específico sobre a cidade do norte do estado, Montes Claros.

Além de reunir uma vasta gama de pesquisas sobre a atuação da AIB nesse estado, com a mobilização dos mais variados autores, de recém-graduados a doutores com ampla experiência, o livro coloca-se no cenário acadêmico enquanto um avanço nos estudos do integralismo. Com uma abordagem historiográfica extensiva, a obra amplia o conhecimento acerca das especificidades do movimento em território mineiro e, consequentemente, sobre a própria AIB, sendo, portanto, relevante não só para a compreensão da história política do Brasil dos anos 1930, como também para reflexões que versam sobre o presente, haja vista a ascensão de movimentos, ideologias, partidos e governos de extrema-direita.

Notas

2 A tese de doutoramento de Hélgio Trindade foi defendida, em 1971, na Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) e publicada como livro, no Brasil, em 1974. Cf. TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930. Porto Alegre: DIFEL/UFRGS, 1974.

3 GERTZ, René. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. 4 Acesso disponível em: https://www2.ufjf.br/editora/wpcontent/uploads/sites/113/2021/12/A%C3%87%C3%83O-INTEGRALISTA-2.pdf

5 GONÇALVES, Leandro Pereira. Plinio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895- 1975). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.

6 PIMENTA, Everton Fernando. Oscar Machado: uma trajetória em meio ao metodismo, integralismo e maçonaria (1930-1965). 2019. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.

7 PIMENTA, Everton Fernando; GONÇALVES, Leandro Pereira (org.). Ação integralista em Minas Gerais: estudos e historiografia. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2021, p. 9.

8 PIMENTEL, Guilherme Costa. A Ameaça Verde Sobre Minas: Organização, Desenvolvimento e Extinção da AIB (1932-1938). 2021. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.

9 GROSSI, Yonne de Souza; FARIA, Maria Auxiliadora. Em Belo Horizonte operários vestem camisas-verdes? Cadernos DCP, 8 & Revista do Departamento de História, 10 (número conjunto): 100 anos de República, 151- 170, 1990.

10 CORRÊA, Maurício de Castro. Ação Integralista Brasileira: seus reflexos em Juiz de Fora. IIº Prêmio de Pesquisa DCE, Juiz de Fora, 1973.

11 PIMENTA, Everton Fernando; GONÇALVES, Leandro Pereira. Os camisas-verdes em Minas Gerais: o integralismo em São João del-Reio e o caso de Tancredo Neves. Estudos Ibero-Americanos, v. 47, n. 3, p. e39127, 2021.

Referências

CORRÊA, Maurício de Castro. Ação Integralista Brasileira: seus reflexos em Juiz de Fora. IIº Prêmio de Pesquisa DCE, Juiz de Fora, 1973.

GERTZ, René. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

GONÇALVES, Leandro Pereira. Plinio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.

GROSSI, Yonne de Souza; FARIA, Maria Auxiliadora. Em Belo Horizonte operários vestem camisas-verdes? Cadernos DCP, 8 & Revista do Departamento de História, 10 (número conjunto): 100 anos de República, 151-170, 1990.

PIMENTA, Everton Fernando. Oscar Machado: uma trajetória em meio ao metodismo, integralismo e maçonaria (1930-1965). 2019. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.

PIMENTA, Everton Fernando; GONÇALVES, Leandro Pereira (org.). Ação integralista em Minas Gerais: estudos e historiografia. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2021.

______; ______. Os camisas-verdes em Minas Gerais: o integralismo em São João del-Reio e o caso de Tancredo Neves. Estudos Ibero-Americanos, v. 47, n. 3, p. e39127, 2021.

PIMENTEL, Guilherme Costa. A Ameaça Verde Sobre Minas: Organização, Desenvolvimento e Extinção da AIB (1932-1938). 2021. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.

TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930. Porto Alegre: DIFEL/UFRGS, 1974.


Resenhista

Gabriela Santi Pacheco – Doutoranda em Estudos Contemporâneos no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC). Mestra em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), e bacharela em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Secretária da Rede de Investigação Direitas, História e Memória. E-mail: gabrielasantipacheco@gmail.com.


Referências desta Resenha

PIMENTA, Everton Fernando; GONÇALVES, Leandro Pereira (Orgs.). Ação integralista em Minas Gerais: estudos e historiografia. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2021. Resenha de: PACHECO, Gabriela Santi. O fascismo brasileiro em Minas Gerais: um olhar historiográfico. Faces de Clio. Juiz de Fora, v.8, n.15, p. 196- 201, 2022. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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