A World after Liberalism – Philosophers of the Radical Right | Matthew Rose
Matthew Rose | Imagem: Tikvah Fund
Matthew Rose é especialista em História das ideias teológicas e políticas e doutor pela Universidade de Chicago. Seu novo trabalho – A World after Liberalism – Philosophers of the Radical Right (2021) – foi pensado no contexto da campanha de Donald Trump e da crise dos refugiados de 2016, quando ele notou que jornalistas dos EUA e da Europa começavam a citar autores da extrema direita cuja tradição era “mais profunda e filosófica sobre a vida contemporânea e mais cética sobre o lugar do cristianismo na cultura ocidental” (Mclemee, 2022). Do desconhecimento inicial, o autor avançou para uma análise das ideias radicais do pensador “nacionalista” e de direita Samuel Francis, publicado na revista First Things (2018). O artigo se estendeu e se transformou na obra atual, acrescida de notas (ou retratos) biobibliográficos de mais quatro intelectuais: “o profeta” alemão Oswald Spengler, “o fantasista” italiano Julus Evola, “o antissemita” estadunidense Francis Parker Yockey e “o pagão” francês Alain de Benoist.
Rose é católico, democrata e, academicamente, orientado pelo trabalho de Heinrich A. Rommen (1897-1967) que, na condição de ex-aluno de Carl Schmitt (1888-1985), examinou a obra do mestre sob o ponto de vista da crítica que a “direita radical” disparava contra as ideias de “igualdade e justiça”, compreendidas como corruptoras “das mais altas inspirações humanas” (Mclemee, 2022). A meta explícita e modesta de Rose é tornar inteligíveis as ideias de pensadores que orientam o “novo conservadorismo” em seus ataques aos princípios de “igualdade humana”, respeito às “minorias”, “tolerância religiosa” e “pluralismo cultural” (Rose, 2021, p.5). A meta implícita e engajada é fazer a defesa do cristianismo em termos teológicos e apresentar valores cristãos de longa duração como possíveis respostas ao vazio ideológico de muitos jovens do seu tempo e país.
A primeira meta é cumprida nos cinco capítulos dedicados aos pensadores citados, dos quais listamos princípios mais gerais em termos de filosofia da história e de posicionamento no espectro direita – direita. No primeiro – O Profeta –, o historiador alemão Oswald Spengler (1880-1936) é o personagem central. Intelectual opositor do liberalismo e do comunismo, ele teoriza a respeito de uma inevitável “revolução”, capitaneada pelos povos africanos, latino-americanos e asiáticos sobre os povos europeus, empregando a tecnologia criada pelo ocidente contra os próprios ocidentais. Essas ideias estão em O declínio do Ocidente (1918) e A hora da decisão (1933) que também anunciam a sua solução: “encontrar uma identidade [para os europeus] que não pudesse ser perdida e um propósito no qual todos pudessem estar unidos” (Ross, 2021, p.37). A escatologia decadentista de Spengler está também no pensamento do italiano Julius Evola (1898-1974) com destacadas diferenças. Evola demarcava a decadência no século VIII, enquanto Spengler falava em estagnação no século XVII e decadência do século XIX. Evola pensava um projeto societário para todos, enquanto Spengler era multiculturalista. A proposta antiliberal e anticomunista e pró cultura tradicional de Evola foi apresentada em livros, como Revolta contra o mundo moderno (1934) e Homens entre ruínas (1953) e se fundamentava em lendas, mitos que idealizavam um pré-moderno modo de vida. Tratava-se de uma tentativa de recuperar o encantamento do mundo aniquilado pela ideologia igualitária e materialista do liberalismo.
Dois outros pensadores selecionados por Rose são o estadunidense Francis Parker Yockey (1917-1960) e o francês Alain de Benoist (1943). Ambos recuperáveis como precursores do que conhecemos como “identitarismo” e “marxismo cultural”, sobretudo porque teorizaram a respeito do papel das ideias e instituições escolares, artísticas e científicas para a formação da identidade europeia e ocidental e pensaram a própria identidade de modo essencializado. Para Rose, a “essência e o destino” dos “povos da Europa e da América do Norte” revelados por Yockey era a exclusiva “compulsão” de “dominar todas as esferas da vida e do pensamento humano”. Os grandes homens eram o sujeito da História, a exemplo dos personagens forjados “nas escolas de Carlos Magno, nas vilas dos Médici, nas cortes dos reis franceses e espanhóis e nas salas de aula dos ginásios alemães” (p.74). Adiante, Yockey matizará essa visão, mas, na obra da sua vida – Imperium (1943) –, ele é taxativo sobre os perigos oferecidos pela “escravidão” do comunismo e pela “anomia do liberalismo” (p.70-71). A saída proposta em Império foi a de suprimir “povos e ideias não ocidentais” em vigor no interior das “nações ocidentais” (p.72), combatendo, inicialmente, a ideologia dos russos e o plano de conversão dos ocidentais para sua futura exploração pelos judeus.
Diferentemente de Evola e Spengler, Benoist (o único ainda vivo dos cinco retratados) não referendou escatologias decadentistas. Como os dois, por outro lado, discursou sobre a essência da identidade europeia, ameaçada (segundo Benoist) pelo deslocamento de migrantes e pelo individualismo da ideologia liberal. O que faz Benoist um pensador de direita radical, segundo Rose, é seu anti-igualitarismo (justificado por certo nominalismo) e o seu combate ao pensamento e ação das direitas do seu país, ainda nos anos 70 do século passado: “católicos tradicionais nacionalistas gaullistas e liberais orleanistas” (p.90). O que faz o seu identitarismo pagão e europeu paradoxal, da mesma forma, é a celebração dos “valores da diversidade e da diferença ao mesmo tempo em que exalta a importância da hierarquia e da [positivada] exclusão” (p.102) do “outro”, que é polo fundamental à identidade do “nós” europeu.
Dos cinco pensadores, chamamos a atenção para as ideias de Sam Todd Francis (1947-2005) – “O Nacionalista” –, doutor em História, com formação nas Universidades de Johns Hopkins e Carolina do Norte e crítico implacável do conservadorismo estadunidense. Francis enfatizava o “fazer” político (em detrimento do pensar politicamente) e, por isso mesmo, afastava-se dos pensadores conservadores, vistos como especulativos e abstratos. Guiado por Vilfredo Pareto, compreendia as sociedades como, obrigatoriamente, geridas por elites. No caso americano, a elite era constituída por liberais. Apesar de os conservadores estarem vencendo eleições sucessivamente, os liberais estavam muito mais empenhados na conquista e uso do poder e menos (como faziam os republicanos) na defesa de conceitos, como a “liberdade individual”, o “livre mercado” e o “tradicionalismo moral”. Exatamente por isso, a elite conservadora não substituiria a elite liberal, já em declínio. Assim, Francis formulou as bases do discurso que unificaria a próxima elite a governar, publicado, postumamente, em 2016. Leviathan and Its Enemies historiciza a dominação liberal nos EUA, identificando os princípios de igualdade e liberdade como as reais ameaça cultura tradicional.
Para Rose, “Francis queria que seus leitores vissem no liberalismo um projeto coordenado de desapropriação cultural contínua” que destruiria “todos os símbolos e instituições de uma ordem social mais antiga: “lealdade nacional, moral tradicional, heróis e fundadores da cultura americana” (p.122).
Em 1992, parte dessa crítica migrou para o discurso do paleoconservador republicano Pat Buchanan que denunciou, por exemplo, o “colapso da família”, o “desaparecimento de empregos na indústria”, a “financeirização da economia” e a “política de imigração” (p.127). No livro, contudo, as alternativas são radicais por causa do uso instrumental do pluralismo (fazendo apologia ao racismo biológico) e da denúncia sobre a ameaça o cristianismo (com seus valores de “paz, igualdade e justiça) à supremacia branca e ao “ocidente” (p.132).
Como afirmamos no início, Rose anuncia, implicitamente, uma segunda meta que é a de defender o cristianismo e apresentar uma alternativa ao vazio ideológico do tempo em que escreve o livro. Esse objetivo ganha maior substância no último capítulo – A Questão Cristã –, onde critica o ataque de Francis e dos outros quatro pensadores ao Cristianismo. Rose declara que os conservadores radicais não reconhecem que o cristianismo inventou a Europa (“e não o contrário”), além de afirmarem que o cristianismo criou os “valores liberais e progressistas” que cortam “as raízes” do “passado profundo” (ou rompem “a unidade social e a memória”) e, com o seu monoteísmo, “mina a religiosidade” (ou quebra o “encantamento” do mundo) (p.144). O cristianismo é, assim, o responsável pelo culto ao indivíduo (do liberalismo), a preocupação com os “pobres e oprimidos” (do socialismo) e o inventor da escatologia do “reino de paz e justiça universal” (do globalismo) (p.142).
Para Rose, tais críticas não resistem a um exame acurado. Os conservadores radicais leem o cristianismo a partir do seu presente, são indiferentes à diversidade de práticas cristãs e não cristãs que moldaram valores e comportamentos liberais e ocidentais. O cristianismo, ao contrário, é uma alternativa de futuro à crise liberal denunciada pelos neoconservadores, principalmente pelas respostas que oferece em termos de organização social, passado e identidade. À ideia de raça biológica, hierarquizada e excludente da direita radical, o cristianismo acena com a “raça dos salvos” que inclui os diferentes em sexo, etnia e classe. Às identidades de sangue da direita radical o cristianismo pode proporcionar aos jovens uma identidade humana fundamentada em “parentesco sacramental”, superior, portanto, às “identidades étnicas, nacionais” imaginadas pelos radicais de direita, como também à identidade humana fundada no princípio da livre escolha e na satisfação das necessidades de “prosperidade, paz e prazer”, disseminada pelos liberais (p.152-154).
Não obstante a prazerosa e didática leitura que nos fornece sobre o pensamento da direita radical, Rose deixa passar algumas imperfeições. A World after Liberalism configura-se, na verdade, em dois textos num só suporte: o que trata da apresentação das ideias dos cinco pensadores e o que comunica a defesa do cristianismo. Isso não seria um problema se o autor declarasse seu intento e orientasse o leitor a buscar, com ele, as críticas, as fragilidades das críticas e as respostas às críticas dos cinco pensadores aos princípios do liberalismo estadunidense das últimas três décadas e, por extensão, aos ideais difundidos por parcela dominante dos ideólogos da igreja católica.
A segunda imperfeição está na ausência de diálogo com os pares no que diz respeito à exposição das ideias dos pensadores em questão. É louvável que Rose tenha sido pioneiro na escrita sobre um personagem e compreensível que desconhecesse as ideias de outros personagens, mas não é garantido que eles sejam desconhecidos do mundo acadêmico. Oswald Spengler é um caso. Também está claro que Rose leu o farto acervo dos autores, mas não lhe custaria muito confirmar ou contrastar o que afirma com as proposições afirmativas ou negativas de outros especialistas em filosofia da história, história da arte, por exemplo, sobretudo nas ideias mais gerais defendidas pelos autores.
Outra imperfeição da obra está na caracterização da natureza de “liberal”. Ele afirma que os estadunidenses vivem “um momento pós-liberal. Após três décadas de domínio, o liberalismo está perdendo o controle sobre as mentes ocidentais. Seu desafio mais sério não vem dos regimes da China, Rússia ou Europa Central […] Ele vem de dentro das próprias democracias ocidentais”, onde críticos e populistas questionam “seus princípios mais básicos” (p.2). Se o liberalismo é um conjunto de princípios que vigoram, grosso modo, entre 1990 e 2020, como designar o conjunto de ideias que forjou secularmente a “libertação da autoridade coercitiva e a crescente consciência da nossa autonomia”? Considerando que os princípios de “liberdade e igualdade” não são invenções dos últimos 30 anos, seria o neoliberalismo (termo que ele não usa) ou o neoconservadorismo o fenômeno em crise? Algum termo está fora do lugar nessa equação: o exemplo, o recorte temporal ou a designação.
Na defesa do cristianismo, está o outro reparo a ser feito. Na medida em que, implicitamente, traduz os modos pelos quais os pensadores relacionam passado, presente e futuro, Rose comporta-se como historiador (teórico e filósofo da história). Ele denuncia os equívocos da interpretação radical-conservadora ahistórica sobre a experiência milenar do cristianismo e diagnostica a canibalização do passado mítico ou a longa distensão do presente até o passado imaginado, por exemplo, de San Francis (para usar, aqui, a metaforização de F. Hartog). Mas as bases da resposta que oferece às ameaças das novas direitas contrastam com tais procedimentos. Sua defesa da transcendência como valor e conceito configuradores da identidade humana extrapolam o limite do domínio. Não é que os historiadores estejam proibidos de anunciar valores perenes e, até, de construírem utopias, mas esse comportamento deve ser comunicado na introdução do livro a fim de que o leitor possa estabelecer, por si próprio, os limites do assentimento das declarações de opinião e os limites do assentimento das declarações de fato.
Esses são os nossos comentários como orientadores de leitura para graduandos. Além das imperfeições, devemos afirmar também que Rose maneja com perícia as técnicas de escrita para o rápido convencimento e a retenção do seu interesse manifesto ao fim de cada capítulo: vocabulário simples, períodos curtos, abuso da paráfrase e inserções de um ou outro episódio anedótico, ordenação cronológica e segmentação em tópicos com títulos significativos. Parte substanciosa da estratégia está no esforço de mapear a proveniência dos argumentos de cada autor, seus usos ou não usos em vida, sua apropriação no ambiente político, as semelhanças e diferenças entre os examinados. Rose, portanto, entrega o que promete quando anuncia tornar “inteligível” as teses pouco agradáveis dos pensadores analisados. Nesse sentido, o livro serve como um manual de síntese para a introdução à vida e às ideias dessas selecionadas referências teóricas das novas direitas.
Referências
MCLEMEE, Scott. Politics, religion and inviting disaster. Inside Higher Ed. 01 abr. 2022. Disponível em < https://www.insidehighered.com/views/2022/04/01/interview-matthew-rose-world-after-liberalism-philosophers-radical-right> Consultado em 05 abr. 2022.
Sumário de A World after Liberalism: Philosophers of the Radical Right
- Acknowledgments
- Introduction: After Liberalism
- 1. The Prophet
- 2. The Fantasist
- 3. The Anti-Semite
- 4. The Pagan
- 5. The Nationalist
- 6. The Christian Question
- Notes
- Bibliography
- Index
Resenhistas
Karl Schurster é Doutor em História Comparada (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Pós-Doutor em História (Universidade Livre de Berlim). É professor da Universidade de Vigo pela beca Maria Zambrano de Talento Internacional e livre-docente pela Universidade de Pernambuco e publicou, entre outros trabalhos, Por que a Guerra? Das batalhas gregas a cyber guerra (Civilização Brasileira), “Dilemmas and transmission of the memory of the Holocaust: a comparative study between the teaching material of the International School for Holocaust Studies and the Holocaust Memorial Museum / USA”, Trajetórias Americanas Vol. 1 e 2 (EDUPE) e Passageiros da Tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente (CEPE). ID: https://orcid.org/0000-0002-1363-119X; Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9572701361201130; E-mail: karl.schursterverissimo@uvigo.es.
Óscar Ferreiro-Vázquez é Doutor e Prêmio Extraordinário de doutoramento pela Universidade de Vigo. Professor de Tradução e Interpretação e integrante do Grupo de Pesquisa TI4 Tradução e Paratradução (T&P) dessa universidade. Diretor do Diploma Próprio Universitário de Especialista em Tradução para a Indústria dos Jogos de Vídeo (ETIV). Professor efetivo do Ensino Médio da Rede Pública Galega, atualmente em licença sem vencimentos. ID: https://orcid.org/0000-0002-8442-8930; E-mail: oferreiro@uvigo.es.
Para citar esta resenha
ROSE, Matthew. A World after Liberalism: Philosophers of the Radical Right. New Haven: Yale University Press, 2021. 196p. O Inventário de um conservador? Resenha de: SCHUSTER, Karl; FERREIRO-VÁZQUEZ, Óscar. Crítica Historiográfia. Natal, v.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em<https://www.criticahistoriografica.com.br/3145/>