Dialogando com o dossiê da edição passada (História e Linguagens: História. Ficção. Literatura), as discussões propostas no dossiê dessa edição foram estruturadas, basicamente, na ligação entre a História e Literatura, levando em conta as inúmeras intersecções entre as duas perspectivas apontadas.
Como já foi exaustivamente apontado e discutido, a História enquanto uma área de pesquisa científica passou por inúmeras modificações e metamorfoses, deixando de ser apenas uma disciplina de caráter factual e memorialística para tornar-se, no alvorecer do século XXI, uma forma de compreensão da ação humana em suas mais variadas formas e matizes, incorporando elementos de outros campos do saber e sempre aberta à novas formas de se pensar tais aspectos, embora sempre mantendo sua essência e características próprias, tendo em vista a dimensão temporal e as relações advindas desse ponto.
Os textos a seguir trabalham exatamente em uma dessas mudanças pela qual a História passou, considerando os textos literatos como fontes de análises para a disciplina. Sendo assim, o dossiê A Literatura como campo e reflexão para a História traz, em seu bojo, artigos que problematizaram tal relação, em variadas épocas e formas de abordagem.
Como abertura do dossiê, O narrador: estética e política na narrativa de Rodrigo S.M e considerações para a escrita da história, de Maicon da Silva Camargo, propõe uma interlocução entre a técnica utilizada por Clarice Lispector na escrita do romance A hora da estrela e a narrativa histórica, em uma perspectiva epistemológica; a seguir, o texto As diferentes faces da violência na Rússia revolucionária de Isaac Bábel: uma leitura de O Exército de Cavalaria, de Glener Cruz Ochiussi, analisou aspectos da obra destacada levando em conta o uso da violência dentro do contexto dos primeiros anos da Revolução Russa, associando os aspectos da escrita com os fatos daquele período.
A narrativa da experiência das mulheres no ensaio de Virgínia Woolf: entre a História e a Literatura, de Julia Helena Dias, buscou refletir, a partir do conto Um Teto Todo Seu, a perspectiva da escrita das mulheres preconizada por Woolf, em uma relação entre o olhar para o passado e a projeção para o futuro; já o artigo A representação das classes populares e os percalços causados pela modernização em Usina, de José Lins do Rego, de Kedma Janaína Freitas Damasceno, Elayne Castro Correia e Gabriela Ramos Souza, problematiza a transição entre o mundo rural e a modernidade advinda dos avanços urbanos a partir do romance destacado em seu título.
Finalizando o dossiê, História, Literatura e Ficção na Idade Média: reflexões sobre os épicos insulares Beowulf e Táin Bó Cualinge, de Hayanne Porto Grangeiro e Luan Morais, buscou trazer elementos da literatura medieval para o diálgoo com a História, tendo como principal perspectiva a discussão sobre a figura do herói; e o artigo derradeiro, Um rabo de burro para Pinochet: a resistência à ditadura chilena na obra A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile, de Tatiana de Aquino Mascarenhas, analisou a resistência à ditadura chilena de Augusto Pinochet a partir da obra em destaque, do escritor colombiano Gabriel García Marquez.
Em relação aos artigos livres, o texto Com quantas imagens se faz um passado? A representação história imagética de Georg Simmel em seu ensaio sobre Rembrandt, de Edmo Videira Neto, aborda as representações imagéticas do sociólogo alemão em relação ao passado, levando em conta seu ensaio sobre o pintor holandês Rembrandt; já Literatura e sociedade: os romances espíritas de Bezerra de Menezes e o Brasil nas últimas décadas do século XIX, de Flávio Luan Freire Lemos e André Victor Cavalcanti Seal da Cunha, analisou como os romances escritos pelo líder espírita Adolpho Bezerra de Menezes podem ser compreendidos para a institucionalização do Espiritismo no Brasil, na passagem do século XIX para o XX.
Em Um estudo sobre as distopias literárias: o caso de Neuromancer de William Gibson, de Letícia Ruoso Wehmuth, temos a análise do livro citado no título a partir de uma dupla temporalidade, a distopia apresentada no futuro da obra e o diálogo com a temporalidade em que ele foi escrita, a década de 1980 nos EUA e os desdobramentos da Guerra Fria; no texto O romance de 30: proposta de interpretação a partir das questões da modernização e do Estado, via literatura, Nivalter Aires dos Santos propôs uma análise da geração de 1930, em especial no Nordeste, a partir das temáticas próprias da literatura e do diálogo com o contexto, com inúmeras mudanças pelas quais o Brasil passava. Por fim, Alimentação e literatura: uma análise do romance O Cortiço (1890), de Clarissa Pesente, apresenta como aspectos ligados à alimentação, na obra citada no título, influenciam na construção da narrativa proposta de Aluísio Azevedo.
Que a leitura do dossiê A Literatura como campo e reflexão para a História, bem como dos outros textos que compõem essa edição, possa contribuir para uma reflexão e conexão ainda maiores entre a História e as mais variadas formas de saber, aumentando as ferramentas à serem utilizadas para uma compreensão cada vez mais ampla do saber histórico.
Organizador
Thiago Fidelis
Referências desta apresentação
FIDELIS, Thiago. Apresentação. Escrita da História, v. 8, n.16, p. 3-4, jul./dez. 2021. Acessar publicação origginal [DR]
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