La reledía se volvió de la derecha | Pablo Stefanoni
Pablo Stefanoni | Foto: Bernardino Ávila
La reledía se volvió de la derecha, de Pablo Stefanoni traz um subtítulo enciclopédico, entregando a matéria ao leitor sem que se tenha a necessidade de abrir o livro: o combate ao progressismo político e ao politicamente correto é rebelde e atrai multidões de jovens. É necessário, então, ler esses arautos das novas direitas (“extrema direita”, da “direita alternativa” ou “populismo de direita”) caso queiramos compreender as razões do seu sucesso ou, em outra chave, as razões do fracasso das esquerdas. A tarefa anunciada é cumprida com um texto breve, distribuído em cinco capítulos (além de epílogo e glossário) que focam o pensamento das novas direitas em escala global (América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia).
Antes de La rebeldia, Stefanoni escreveu livros sobre a ação da esquerda na Bolívia e na Rússia e atuou em parcerias com Clarín e o Le Monde Diplomatique. Professor da Universidade Nacional de San Martín e Doutor em História, o autor situa seu novo livro no domínio da História Intelectual. Stefanoni se ocupa de autores comuns – terroristas, ativistas moderados, intelectuais que militam na internet, escritores – atuantes nas duas últimas décadas, mediante redes de divulgação artigos, posts em redes sociais, vídeos, trechos de livros e memes. Ao abordar indivíduos de “subculturas on line”, Stefanoni investiga o significado dessa nova rebeldia, questionando sobre a ideia de “futuro próximo” compartilhada entre seguidos e respectivos seguidores.
No primeiro capítulo – “¿El fantasma de qué derecha recorre el mundo?” – Stefanoni reitera o caráter difuso das ideias e práticas das novas direitas (“galáxias”, “subgaláxias”, “constelações”, “espectro” e “alas”), fazendo breve inventário dos seus referentes nos EUA, no Brasil e na Europa. Ele não deixa de citar as ideias-força que fizeram de Ronald Reagan, João Paulo II e Margareth Thatcher alguns dos representantes da velha direita (como preferimos designar): liberalismo econômico + tradicionalismo moral + anticomunismo. A atenção, contudo, se volta para as novas direitas que se opõem à “família liberal-conservadora” dos EUA e da Inglaterra: “paleolibertários” e “neorecacionários”, principalmente. Apesar de demonstrar que cada posição no espectro das novas direitas é temporalmente dinâmica, internamente conflituosa e contumaz combinadora de princípios contraditórios ou heterodoxos (aos nossos olhos), o autor reúne questões-chave que possibilitam a identificação de “utopias” desses grupos no que diz respeito às funções da democracia representativa, do Estado, da cidadania e da diversidade cultural: estatismo vs. antiestatismo; ocidentalismo vs. antiocidentalismo e simpáticos a V. Putim vs. simpáticos à Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN).
No segundo capítulo – “La incorrección política o el juego de los espejos locos” – o autor enfileira polêmicas veiculadas em jornais impressos, televisão e na Internet para discutir a natureza do discurso dos ativistas das novas direitas sob a tese de que as esquerdas perderam a capacidade de se rebelar ou, pelo menos, de que as direitas passaram a exercer o direito de lutar contra os sistemas político e econômico e os valores sociais dominantes. Ele costura posições de especialistas e críticos militantes para informar (lembrando e invertendo, aqui, a famosa dicotomia de Marilena Chauí) que há muito de conformismo e vitimização no discurso da esquerda e muito de resistência e ódio no discurso da direita.
A arena da transgressão direitista é, sobretudo, o ciberespaço, cuja natureza autônoma e libertária, inicialmente defendida por segmentos de esquerda, foi agora tomada de assalto pelos grupos das novas direitas para difundir ideias e fazer linchamentos, protegidos pelo anonimato dos seus avatares. Usando como exemplo as eleições que levaram Donald Trump à Casa Branca, Stefanoni exemplifica movimento em sentido inverso (quando comparados aos grupos de esquerda). Agora, os líderes de foros, críticos das práticas políticas convencionais, adotam as estratégias da esquerda, apoiando candidaturas que militariam por suas causas antifeministas, por exemplo.
Para o autor, não se trata apenas de inversão/apropriação de estratégias. Discursos de direita são plenos de incoerências quando atacam, por exemplo, o politicamente correto pregado pelas esquerdas, rotulado como “marxismo cultural” (uma suposta vitória esquerdista no campo moral, embora perfeitamente explicável pela dinâmica intrínseca ao Capitalismo). Discursos satíricos de direita também impossibilitam o discernimento entre o que é apenas ironia ou que se configura verdadeiro ódio ao outro (ou vontade de eliminar o outro).
Da introdução ao segundo capítulo, a narrativa é um pouco dispersa, algo que necessariamente não pode ser justificado como efeitos colaterais da contextualização do assunto. Nos três segmentos finais, contudo, a narrativa é mais densa e especializada. Em “¿Qué quieren los libertários y por qué giraron a la extrema derecha?”, por exemplo, Stefanoni comenta rapidamente a militância do economista argentino Javier Milei (libertário e antiestado de bem-estar social) e do influencer Agustín Lage (paleolibertário e anti “ideologia de gênero”). Nesse terceiro capítulo, seu interesse maior é descrever postulados de economistas e filósofos que servem de inspiração aos neodireitistas, inclusive, do seu país. Não vou repetir a genealogia que faz o autor a respeito dos libertários, anarcocapitalistas e paleolibertários, mas destaco passagem sobre imagem bolsonarista na Argentina.
Stefanoni afirma que jovens argentinos, leitores do filósofo estadunidense Murray Rothbard, “admiran a Donald Trump y a Jair Bolsonaro, defienden la libertad de portación de armas (aunque la mayoría de ellos seguramente apenas sabría apretar el gatillo) y se oponen a la legalización del aborto; muchos de ellos participan del movimiento celeste.” (p.77)
Todavia, é importante registrar (para o futuro leitor dessa obra) que as semelhanças entre esquerda e direita e entre grupos de direitas, as rupturas entre direitas e as transições entre uma e outra posição de direita são enredo comum no ambiente desses ideólogos-chave, cujo berço é a “Escola Econômica Austríaca” de Milton Friedman, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Murray Rothbard (além do próprio John Locke). Decorrente desse ponto, também destaco a demonstração indireta de que as já citadas rupturas e transições sobre definições e funções de entes como o Estado, Sociedade, Democracia, Mercado, Família, Empresa e Religião (constituintes das propostas de futuro oferecidas aos respectivos seguidores) são, em grande parte, resultantes de demandas, agendas e propostas de soluções sobre problemas econômicos, culturais e eleitorais enfrentados por segmentos específicos da sociedade estadunidense, ou seja, provém de contextos bastante singulares.
São, por exemplo, demandas pessoais, que levam o economista Rothbard a abandonar uma visão de mundo ateia e individualista (libertária), substituí-la por uma visão pautada em um livre mercado radical (anarcocapitalista) para, adiante, ampliar o potencial de votos do seu grupamento, fundir esse libertarianismo com elementos conservadores da família e da religião, dando origem a uma nova visão de mundo (paleolibertária) na qual se fundamenta, hoje, o citado influencer A. Lage: antiestatismo (substituído pela empresa, igrejas e família) + anti-igualitarismo (substituído pelo livre mercado).
Enquanto nos EUA o postulado do livre mercado é associado ao respeito à família e à religião, na Europa e na Ásia, a conjunção heterodoxa se dá entre o direito à identidade sexual (homosexual, lésbica) e a defesa da identidade nacional. Essa vertente das novas direitas tem um nome: “homonacionalismo”. Aqui, mais uma vez, temos um caso em que, segundo o autor, a rebeldia sai do campo das esquerdas e se instala no campo das direitas, embora de modo mais complexo. Não é que os partidos de direita, na Alemanha, França e Holanda, por exemplo, tenham modificado radicalmente seus discursos em relação ao componente pecaminoso ou antinatural das relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Em cada um desses lugares, novamente, demandas específicas – como a tentativa de ampliação do eleitorado de um partido, as supostas ameaças de não europeus homofóbicos, o emprego das pautas LGBTQIA + para repaginar a imagem de empresas, os lucros empresariais e políticos com o turismo de gays em Israel e o próprio desejo e potencial consumista de gays e lésbicas – resultam em construções ideológicas aparentemente absurdas, como a existência de grupamentos e lideranças gays dentro da AFD e da Frente Nacional.
Além dessas variáveis, o autor também comenta a força que ganha a ideia, nada nova, de que a civilização ocidental estaria em perigo de extinção (substituição) ante a chegada de imigrantes árabes. Essa “paranoia” acrescenta um ingrediente novo na história de movimentos emancipatórios como os gays: a subalternização de negros e árabes pelos outrora subalternos gays e lésbicas. Faz, então, muito sentido o discurso de segmentos de nova direita que combinem identidade sexual, identidade nacional xenófoba e anti-igualitarismo étnico-racial.
A última demonstração do deslocamento da rebeldia – da esquerda à direita – está na reapropriação das pautas de defesa do meio ambiente por parte de segmentos das novas direitas europeias, sobretudo. Esse é o tema do quinto e último capítulo, cujo título a – “Heil Pachamama: ¿nave Tierra o bote salva-vidas?” descreve ironicamente a posição dos “ecofascistas” (defesa do ambiente + combate ao islã): a entrada em um bote salva-vidas. Aqui, novamente, o autor reitera que os contextos bastante específicos explicam essas combinações aparentemente heterodoxas reivindicadas por diferentes subculturas.
Nas direitas dos EUA e da França, por exemplo, os grupos se distanciam no combate ou na negação (e na compatibilização de soluções) de questões que envolvem aquecimento global, combustivos fósseis e energia nuclear, dando origem, por exemplo, a subculturas anarcoprimitivistas (neoludistas, antitecnológicas e antiglobalistas). Em breve revisão da literatura, combinada com depoimentos de jornalistas do seu tempo, ele relembra que as pautas românticas (e hoje míticas) de ligação do ser humano à natureza, à terra e ao território vigoraram no século XIX, principalmente, entre os povos de língua germânica. No século XX, protonazistas e nazistas somavam nacionalismo xenófobo, combate à democracia liberal e ao multiculturalismo com discursos ou práticas de apoio às energias alternativas, à agricultura orgânica e à proteção dos animais.
Ao final do século XX e início do XXI, há retomada de ideais do gênero, mas com a recuperação da mística da “nação como um ecossistema” (ameaçado por invasores não brancos) e do combate aos prejuízos advindos da indústria petrolífera (não, por acaso, associada aos povos árabes e ao islã). Em uma das mais criativas manifestações conspiratórias, militantes dessas causas admitem que (ao transformarem “la inmigración como una guerra ambiental” e sustentarem “que no hay un verdadeiro nacionalismo sin ambientalismo”, eles trabalham para uma dupla vitória: proteger o meio ambiente e barrar o imperialismo islâmico (p.141-142)
A obra se encerra com um epílogo que, grosso modo, parece desviar-se do objetivo principal, já que se propõe a dar conselhos aos militantes das esquerdas ou dos que estão a pensar formulações para uma nova esquerda. Ele demarca de modo claro os polos ideológicos atuais: neoliberalismo (livre mercado + livre moral + globalização) e nova direita (nacionalismo + antidemocracia + xenofobia/racismo). Ele também aponta as tentativas de inovação que põe novas esquerdas muito próximo de novas direitas (antiglobalismo + defesa da família e da nação, por exemplo). Por fim, lista os entraves aos sucessos de empreendimentos de esquerda e que excedem ao foco do livro que podem ser sintetizados na palavra “coalisão”: as esquerdas precisam de votos, precisam de maiorias para governar, precisam conciliar pautas progressistas não equivalentes (diversidade, ecologismo, feminismo e justiça social) e envolver novas classes trabalhadores de caráter heterogêneo (social, moral e etnicamente).
O livro começa entre tons realistas e pessimistas – a incapacidade (manifesta por cientistas e políticos) de imaginar futuros e sistemas alternativos –, mas deixa, ao final, uma imagem de otimismo acerca da estupefação provocada com os programas das novas direitas. A tese central, expressa no título, mesmo não sendo original ou nova, tem efeito pedagógico positivo ao reiterar que a acomodação dos militantes de esquerda às “zonas de conforto moral” e “a um capitalismo mais hipster”, somada à ideia ingênua de que possuir o monopólio da “rebeldia” – a “capacidade de indignar-se frente a la realidade y de proponer vías para Transformala” (p.9) – são atenuantes para o sucesso das novas direitas entre os jovens. Fica, entretanto, uma questão implícita e não respondida: a capacidade de rebelar-se seria predicado de determinado grupo ideológico? Ao apontar o equívoco da esquerda, não estaria o autor reforçando a ideia a ser combatida pelo livro? Em outras palavras, o autor não estaria (novamente) naturalizando uma capacidade manifestável em diferentes situações e por sujeitos diversos, independentemente de sua posição no espectro político ideológico?
Do ponto de vista pragmático, propriamente dito, temos outros motivos para ler o livro. Em primeiro lugar, ele apresenta, ainda que tangencialmente, uma categorização do fenômeno bolsonarista, por alguém “de fora”, um argentino: a dificuldade de tipificar a experiência que associa anticomunismo + ideologia de gênero + armamentismo civil (mais próxima do Vox) ou que inicia o governo defendendo o predomínio das leis de mercado e se encaminha para o final adotando medidas típicas do Estado de bem-estar social (p.19, p.31, p.35). Ele também reconhece as dificuldades de caracterização e apresenta alternativas de designação o objeto: o “novo” das “novas direitas” é traduzido por um espectro de possibilidades que inclui (de modo incoerente, inclusive) articulações imprevistas, rompimentos com articulações clássicas, criação de novas heterodoxias, combinações novas e recombinações de velhos princípios ideológicos. A obra, por fim, deflagra a reflexão do leitor sobre o seu próprio comportamento em âmbito ainda privado: estariam no espectro de direita todos os que operam de modo politicamente incorreto em seus grupos restritos de WhatsApp , apesar de apoiadores ou ativistas pró feminismos e pró GLBTQIA+, por exemplo?
Além desses benefícios, o título deve compor a listagem de leituras que o estudioso da política está a consumir em 2022 porque, de modo geral, ele cumpre os objetivos anunciados: descrever o que querem, pensam e fazem os ativistas das novas direitas, demonstrando o deslocamento da rebeldia da esquerda à direita. Para quem se assume como militante de esquerda, contudo, sua leitura é indicada, principalmente (e na contracorrente), pelo diagnóstico muito mais importante que o prognóstico (um programa que ele diz não querer oferecer, mas apresenta ao elogiar a combinação das “demandas materiales de las clases trabalhadoras sin renunciar al proyecto emancipador de los derechos civiles” capturada nos discursos recentes de Bernier Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez e Jeremy Corbyn). (p.155): qualquer alternativa de mudança política no espectro das novas esquerdas deve considerar e compatibilizar os planos eleitoral, governamental e a natureza social, étnica e moral das novas classes trabalhadoras.
Referências
STEFANONI, Pablo. ¿La rebeldia se volvió de derecha? Como el antiprogresismo y la anticorrección política están construyendo um nuevo sentido común (y por qué la izquierda deveria tomarlos em serio. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2021.
MASSAD, Martín. Entrevista a Pablo Stefanoni. Revista IHU. 19 mai. 2021. Disponível em< https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/609367-a-direita-esta-travando-sua-batalha-cultural-antiprogressista-entrevista-com-pablo-stefanoni>Capturado em 22 mar. 2022.
Sumário de La rebeldia se volvió de derecha?
- Introducción. Rebeldías de derecha
- Todo lo sólido…
- Sin garantias
- 1. El fantasma de qué derecha recorre el mundo?
- Extremas derechas 2.0?
- El espectro de la derecha alternativa
- Utopías neorreacionárias
- 2. La incorrección política o el juego de los espejos locos
- Contra el “marxismo cultural”
- “Te agarre”
- La contrarrevolución digital
- La red pill
- Cuatro años con un Joker en la Casa Blanca?
- 3. Qué quieren los libertarios y por qué giraron a la extrema derecha?
- Más allá de “los neoliberales de siempre”
- Contra la “fatal arrogância”
- Libertarios y anarcocapitalistas
- La sínteses paleolibertaria: ir al Pueblo
- Son los hombres blancos, estúpido!
- 4. El discreto encanto del homonacionalismo
- Ansiedades civilizatórias
- Modulaciones del “gran reemplazo”
- Gays y fachos? Por qué no?
- Diversidad contra diversidade
- 5. Heil Pachamama: nave Tierra o bote salva-vidas?
- El suelo, la sangre y la ecología
- “Salvar árboles, no refugiados”
- Un nuevo escenario
- Epílogo. Y entonces?
- Glosario esencial para entender a las nuevas derechas
- Bibliografía
Resenhista
Fábio Alves Santos é Doutor em Educação e professor do Departamento de Educação (DED) e do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre outros trabalhos, publicou Das cadeiras isoladas ao Atheneu Sergipense: elite letrada e ofício docente em Sergipe no século XIX e Aprendizagem Histórica: espaços, suportes e experiências. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7318880050555416; Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8969-3031. E-mail: fabioalves@academico.ufs.br
Para citar esta resenha
STEFANONI, Pablo. ¿La rebeldía se volvió de derecha? Cómo el antiprogresismo y la anticorrección política están construyendo um nuevo sentido común (y por qué la izquiera deveria tomarlos en serio). Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2021. 180p. Resenha de: SANTOS, Fábio Alves. Ler as novas direitas. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, número especial (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3236/>.