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Trabalho rural e movimentos sociais no campo/Tempos Históricos/2018

A organização do dossiê Trabalho rural e movimentos sociais no campo para a revista Tempos Históricos ocorreu nesse tempo singular da recente história do Brasil. Um momento pululam notícias sobre os impactos da reforma trabalhistas para os trabalhadores rurais, com precarização das já precárias condições de trabalho no campo e, agora, o projeto de reforma da previdência, que pode tornar mais difícil ou, segundo alguns advogados especializados em direito previdenciário, impossível a aposentadoria para muitos trabalhadores rurais.

O período final do ano de 2018 e o início do ano de 2019 também têm-se apresentado como catastrófico para o conjunto dos movimentos sociais e sindicais e, em particular, para os movimentos sociais no campo, tal como interpretou Edward Palmer Thompson, sobre a experiência de exploração no processo de transformações vividas pelo trabalhadores rurais e urbanos na Inglaterra do final do século XVIII e início do século XIX3.

Os povos indígenas são atacados e ameaçados de perder suas terras demarcadas, aumento da repressão aos movimentos de retomadas indígenas e mutilação e mortes de indígenas são noticiados pela impressa desde meados do ano de 2018. O presidente atual transferiu o cuidado das terras sagradas dos povos indígenas para o Ministério da Agricultura, que tem história de extinguir os indígenas da terra justamente para priorizar o crescimento do lucro da produção agrícola.

Os quilombos e os movimentos quilombolas foram desqualificados publicamente pelo então candidato e agora presidente da República, com a reprodução do racismo secular. Apenas com a disseminação desses preconceitos que podemos entender a estarrecedora a notícia de 18 assassinatos de lideranças quilombolas em 2017, um salto de 350% do número (4) registrado em 2016.4

O momento histórico que estamos vivendo é de exceção, muito próximo a ditadura civil e militar instaurada com o golpe militar de 1964. E analogia não é anacrônica! O golpe de 2016 iniciou sua obra com a reforma trabalhista. As lutas e resistências dos trabalhadores impediram a reforma da previdência no governo Temer. A eleição do governo Bolsonaro foi possível diante de seus compromissos em realizar a reforma da previdência, amplificar a criminalização dos movimentos sociais, tratando-os como “terroristas”, e carimbar as propostas da Bancada Ruralista.

Em meio a essa conjuntura de ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores no Brasil, a revista Tempos Históricos recebeu 33 artigos para compor o dossiê Trabalho rural e movimentos sociais no campo. E demandou um tempo significativo para os pareceres e a definição dos artigos selecionados. A satisfação à chamada para a publicação no dossiê e a leitura da diversidade das temáticas e abordagens teórica-metodológicas dos artigos alertaram os organizadores no enfrentamento dessa quadra histórica, que há de passar.

O dossiê inicia com o artigo Direitos quilombolas: mobilizações e narrativas, da antropóloga Barbara de Oliveira Souza, que trata da luta das comunidades quilombolas pela terra e o direito ao território quilombola no processo Constituinte de 1988 e na regulamentação constitucional do Artigo 68, pelo Decreto 4887/2003, que regimentou “os procedimentos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras das comunidades quilombolas”.

O artigo O cotidiano das águas na tradição quilombola da comunidade do Rio Baixo Itacuruça-Abaetetuba, PA, de autoria das pedagogas Eliana Campos Pojo e Lina Gláucia Dantas Elias, caracteriza os modos de viver e de trabalhar de ribeirinhos e quilombolas na Amazônia paraense.

No artigo Indígenas operários: novas dinâmicas e simbologias nos processos de luta pela terra no Sul do Brasil, do sociólogo João Carlos Tedesco e do historiador Henrique Kujawa, os autores problematizam as precárias condições de trabalho de indígenas empregados pelos frigoríficos no Norte do Rio Grande do Sul e no Meio-Oeste de Santa Catarina, como formas de reprodução social enquanto mantém os acampamentos e os movimentos de retomada da terra indígena.

O cinturão verde e os marcos de memória da terra: entre ir e ficar, de autoria das historiadoras Maria Celma Borges e Mariana Esteves de Oliveira, como resultados de um projeto de extensão universitária, demandado pelos sujeitos da pesquisa diante das ameaças do poder público de desalojados, evidencia que o cinturão verde, localizado em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, é produtivo, cumpri com a função social da terra e respeita a Área de Proteção Ambiental.

No artigo Sob jura de sangue: os massacres de Corumbiara e a luta pela terra em Rondônia, a doutora em Geografia e mestre em História Xênia de Castro Barbosa e o mestre em Geografia Tiago Lins de Lima, historiam e problematizam o massacre de indígenas da etnia Corumbiara em 1985 e o massacre de camponeses sem terra em 1995 em Corumbiara, Rondônia, desnudando a violência que tem marcado a luta pela terra na Amazônia.

As disputas em torno da reforma agrária no I Plano Nacional de Reforma Agrária durante a Constituinte de 1988 é debatido pelo historiador Pedro Cassiano Farias de Oliveira, no artigo A reforma agrária em debate na Abertura Política (1985-1988).

A luta pela terra no início da década de 1960 é discutida pela historiadora Marina Mesquita Camisasca, no artigo O conflito pela posse da terra na região do Pântano, município de Piumhi (MG). No artigo foram evidenciadas as disputas pela terra na área de 20 mil hectares denominada “Pantano”, na região Oeste de Minas Gerais, no município de Piumhi, entre camponeses organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e grileiros.

O historiador Thiago Broni Mesquita, no artigo Trabalho rural, conflitos de terra e impunidade em Conceição do Araguaia (PA): o que os governos militares sabiam? desvela as relações entre a ditatura civil-militar, a partir do golpe de 1964, e a violência e a opressão de grileiros e latifundiários, por meio dos relatos do Serviço Nacional de Informações, nos três volumes do documento “Conflitos Relativos à posse da terra no Pará”, como resultado da “Operação Araguaia”.

As relações de trabalho no campo e os usos dos trabalhadores rurais da Justiça do Trabalho nos anos de 1979 e 1980 é tratado pela historiadora Clarisse Santos Pereira no artigo A súmula 57 e as categorias de trabalho no campo: os trabalhadores rurais na Justiça do Trabalho. Os trabalhadores rurais dos engenhos de cana de açúcar acionaram a Junta de Conciliação e Justiça de Goiana, Zona da Mata de Pernambuco, utilizando-se do expediente jurídico permitido pela Súmula 57 do Tribunal Superior do Trabalho, que qualificava os trabalhadores da agroindústria açucareira de “industriários”, o que permitiria o aumento salarial dos trabalhadores rurais.

O artigo Luta pela terra ao longo do caminho: a construção da estrada Santo Aleixo – Piabetá e as mobilizações dos trabalhadores rurais no município de Magé/RJ, de autoria do historiador Felipe Augusto dos Santos Ribeiro, trata de ocupações e despejos na área em torno da construção da estrada vicinal, do sindicalismo rural e da política agrária do PCB nas décadas de 1950-60.

O dossiê é finalizado com o artigo do historiador Diego Becker, intitulado O PCB e o campesinato: a contribuição inicial de Nestor Vera ao movimento camponês. Becker situa historicamente a militância do líder camponês Nestor Vera no contexto das lutas camponesas durante as décadas de 1940 e 1950, mediadas pela militância comunista no interior do Estado de São Paulo.

Na chamada do dossiê tínhamos o objetivo de “reunir artigos que resultam de pesquisas sobre trabalhadores rurais e/ou camponeses no Brasil nos séculos XX e/ou XXI, em suas experiências no campo e na cidade, tais como as relações de trabalho e de moradia e a luta política dos movimentos e organizações sindicais e sociais, por direitos, terra e a reforma agrária. De interesse especial são investigações que trazem a perspectiva dos trabalhadores e camponeses e vinculam o local com o global, a partir da dinâmica entre resistências e políticas públicas, lutas e a globalização do capital e dos movimentos transnacionais.” Os organizadores avaliam que o objetivo foi amplamente contemplado com os artigos ora reunidos nesse dossiê.

Os onze artigos do dossiê Trabalho rural e movimentos sociais no campo dimensiona historicamente o tempo agora vivido e planta a esperança que coisos passarão.

Esperamos que você faça uma boa leitura e renove as forças para continuar a luta!


Notas

3 Cf. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. A maldição de Adão. Vol. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

4 Sobre o aumento no número de assassinatos de quilombolas no Brasil, Cf. https://www.brasildefato.com.br/2018/09/25/assassinatos-de-quilombolas-crescem-350-em-um-ano-no-brasil/


Organizadores

Clifford Andrew Welch – Possui bacharelado em American Studies pela University of California em Santa Cruz (1979), mestrado em História pela University of Maryland em College Park (1985) e doutorado em História pela Duke University (1990). Desde 2009, atua como professor de História do Brasil Contemporâneo no Departamento de História da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Vagner José Moreira – Professor no Curso de Graduação em História e no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em História, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, vinculado a Linha de Pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais


Referências desta apresentação

WELCH, Clifford Andrew; MOREIRA, Vagner José. Introdução. Tempos Históricos, v. 22, n.2, p. 14-17, 2018. Acessar publicação original [DR/JF]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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