A construção do dossiê traz, nesse momento de inquietude histórica, um repertório de reflexões em que ganhou espaço questões tangenciadas por uma trama de mudanças e permanências na confrontação de valores, expressas no campo de forças da dinâmica social. Os artigos que compõem esse número não só reafirmam como determinadas problemáticas (significadas na experiência social) são pautadas na historiografia, mas indicam como os trabalhadores se colocaram, foram vistos nas relações em que se envolveram e avaliados na cena historiográfica.
As disputas recentes pela manutenção da reflexão histórica como um espaço legítimo de discussão das relações de poder se fizeram (e ainda se fazem) práticas necessárias, pois é nesse terreno de debate que nossas investigações ganham publicidade e tematizam os usos da história. Nele, podemos tratar aspectos das tensões e da visibilidade que a pulsão de determinados embates dinamiza socialmente.
Por tudo isso, consideramos que esse dossiê não aponta apenas um conjunto de pesquisas acadêmicas que tiveram em comum um elo temático ou teórico. As produções apontaram peculiaridades, preocupações e visões do universo social, que deixaremos o(a) leitor(a) analisar, para perceber a intensidade e a direção que a singularidade de cada produção cingiu.
Maciel Silva retoma em sua investigação a presença de trabalhadores domésticos nas cidades de Salvador- BA e Recife-PE, observando as tensões vivenciadas na passagem do séc. XIX para o XX, particularmente ligadas a alterações de costumes e relações de trabalho. O autor, para tratar tais questões, evidencia a sociedade escravocrata brasileira, apontando regulamentos e práticas do trabalho doméstico dessa historicidade. No artigo de Santos, ao analisar a movimentação social de trabalhadores, ele discute as intenções e ponderações manifestas nas alternativas e relações produzidas pelos sujeitos indicados na pesquisa. O autor retoma debates sobre a construção de procedimentos da pesquisa histórica, inclusive na produção e uso da fonte oral, ao destacar a presença de trabalhadores no Oeste do Paraná e os caminhos traçados por eles frente a pressões e limites de classe.
Por sua vez, Silva Junior traz a cidade como foco de análise, elegendo o debate sobre a habitação popular no país, destacando a questão da moradia a partir de Uberlândia-MG. Ele investiga entre 1960 e início da década de 1990 para compreender certas confrontações que perpassam a luta pelo onde e como morar nas cidades brasileiras nessa temporalidade. O autor retoma ações da Administração Municipal, a visibilidade dessas proposições na imprensa, bem como as práticas de um conjunto de trabalhadores para discutir como valoraram e disputaram a cidade ao colocarem em questão a sua condição de moradia e seu modo de viver.
Speranza traz em seu artigo um debate sobre a tentativa de classificação racial de trabalhadores no Rio Grande do Sul no período do Estado Novo. A autora analisa formulários de identificação profissional e, ao mesmo tempo, sugere leituras das relações de poder, estabelecidas a partir dos usos desse suposto de distinção social e a criação da carteira profissional no país. Seu diálogo com os formulários permitem ao(a) leitor(a) avaliar as intenções e registros que demarcavam as relações de trabalho naquela historicidade.
Na produção de Fiorotti, encontramos a discussão sobre relações de trabalho, envolvendo práticas de transporte de mercadoria não regulamentada entre Brasil e Paraguai nas décadas de 1960 e 1970. A autora utiliza narrativas orais, legislação e autos criminais do acervo referente à Comarca de Toledo-PR para analisar a ocorrência e a relação desses atos com os trabalhadores envolvidos.
Maurício Santos retoma Teresina de 1950 para destacar a visão que a imprensa piauiense produzia sobre a “movimentação dos flagelados”. O autor faz um intenso debate sobre a leitura da fome e da pobreza no Piauí e traz para o(a) leitor(a) os incômodos e as narrativas sobre a presença desses sujeitos na capital, permitindo que os interesses e tensões sociais sejam avaliadas e redimensionadas a partir da confrontação experimentada na cidade.
Peres encerra o conjunto de produções trazendo à tona uma discussão sobre as disputas que envolvem a escrita da história. Para tanto, usa como repertório os sentidos de história que pautam a cidade de Araguari-MG, onde indica enredos variados, formulados em memórias distintas, delineando possibilidades analíticas que se vinculam a um universo tenso de visões de mundo e projetos de cidade.
Essas produções não encerram os debates, ao contrário, convidam os(as) leitores(as) a provocar o encontro analítico entre experiência social e escrita da história.
Organizadores
Heloisa Helena Pacheco Cardoso – Professora Titular dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós -Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Sheille Soares de Freitas – Professora Adjunto C dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
Referências desta apresentação
CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco; FREITAS, Sheille Soares de. Introdução. Tempos Históricos, v. 21, n.1, p. 13-15, 2017. Acessar publicação original [DR/JF]
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