Encantarias e encantados no Brasil: pluralidade conceitual e diversidade regional/Escritas/2022
O dossiê “Encantarias e encantados no Brasil: pluralidade conceitual e diversidade regional” teve como objetivo reunir pesquisas realizadas em todo o Brasil que tivessem como temática o universo religioso afro-indígena denominado como Encantaria e/ou seus habitantes, os Encantados. Diversas religiões afro-brasileiras e outras manifestações religiosas trazem em seus rituais e panteões entidades e localidades com a nomenclatura aqui apresentada. Os textos aqui reunidos contribuem com as pesquisas mais recentes que têm apontado a existência de uma pluralidade na concepção do que vem a ser um encantado, do que é e onde se localiza a encantaria, de como trabalhar com essa categoria de entidades etc.
A diversidade aqui apresentada encontra respaldo na grandeza do país, de seus povos e regiões, seja em caráter cultural, ambiental, geográfico, social, histórico e político. Assim, esse dossiê pretende contribuir para o conhecimento dessas diferentes formas de compreensão de uma realidade e especificidade religiosa que parece ter ganhado cada vez mais território físico e espiritual.
Para iniciar essa jornada caminharemos com Arianne Rayis Lovo através do artigo “O sonho é o lugar do futuro”: notas etnográficas sobre a “ciência pankararu” a partir das mulheres rezadeiras” para compreender como essas mulheres confrontam a lógica do capital hegemônico com a ciência de seu povo. A categoria encantado é trazida pela autora a partir da perspectiva indígena Pankararu e a partir das relações de cura, homenagem e obrigação das pessoas para com eles.
Ainda partindo da relação que os encantados têm com pessoas que se dedicam a cuidar de outras, o artigo “Mãe Ana: os fundamentos da ciência dos encantados [Salgado paraense]” de autoria de Jerônimo da Silva e Silva tematiza a trajetória de uma rezadeira centenária na região. O texto caminha por perspectivas afro-indígenas focalizando os conhecimentos de encantaria da sacerdotisa e as relações desses saberes voltados à cura com os encantados.
Nessa linha biográfica, em que o sagrado está presente no cotidiano dos dirigentes afro-religiosos, Ilka Pereira narra em seu artigo “Mãe Nilza e Waldemar Librina: vidas encarnadas em uma só” a história da mãe de santo Nilza de Odé, do Terreiro Ilê Axé de Oxóssi e Oxum, e de seu encantado Waldemar Librina. O texto examina a agência do encantado e o lugar que passa a ocupar na vida concreta dela.
Seja no cotidiano ou em festas específicas, a presença dos encantados é marcante nos trabalhos aqui apresentados. “Nasce uma tradição de boi de encantaria: Lourenço Légua e o Boi das Três Estrelas (Marituba, PA)” de autoria de Diogo Jorge de Melo, Marcos Henrique de Oliveira Zanotti Rosi e Gisele Nascimento Barroso, faz uma descrição etnográfica da festividade realizada na Casa de Mina Jêje Nagô Ogum Toy Lissa e Oya, em Marituba. Esta festa é a recuperação de uma tradição de Tambor de Mina Jejê-Nagô, em que o sacerdote Jorge Babalaô realizava a festividade de bumba-meu-boi para o seu encantado Légua Boji Buá.
Mudando o caráter festivo e trazendo um problema antigo mas que até hoje é muito presente em nossa sociedade, a perseguição que sofrem as religiões afro-brasileiras e afro-indígena, o artigo “‘Te ajeita, Pajé!’: A imprensa jornalística e os significados da pajelança na cidade de Manaus-AM (1904-1918)”, de autoria de Adan Silva e Adriano Magalhães Tenório apresenta o contexto histórico do Brasil e de Manaus no início do século XX para descrever como aconteciam as perseguições contra práticas religiosas consideradas “populares”. São apresentados os significados da pajelança na capital amazonense atribuídos por periódicos entre 1904 e 1918.
Podemos ver que as pesquisas apresentam diferentes vivências e aspectos dos encantados e da encantaria a partir das religiões afro-brasileiras e das religiosidades indígenas e afro-indígenas. Vale ressaltar a relevância das pesquisas e da temática nos periódicos de produção científica para melhor compreensão e divulgação de um tema que historicamente foi silenciado e perseguido.
Boa leitura.
Axé.
Organizadores
Sariza Caetano – Doutora em Antropologia pela UNICAMP Professora da UFNT e do PPPGCULT/UFNT. E-mail: sarizacaetano@uft.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9035-9903
Lorran Lima – Mestre em Antropologia pela UFRN. E-mail: lorran.lima@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2360-3974
David Silva – Doutor em Geografia pela UFG Professor da UNIFAP e do PROFHISTÓRIA/UNIFAP. E-mail: davi_rosendo@live.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2336-4870
Referências desta apresentação
CAETANO, Sariza; LIMA, Lorran; SILVA, David. Apresentação. Escritas. Araguaína, v. 14, n. 2, p. 05-07, 2022. Acessar publicar original [DR/JF]