Os anos 1920 foram contexto do refluxo de governos parlamentares e liberais (em suas diversas acepções). O encerramento da Primeira Guerra Mundial e convulsões políticas, sociais e econômicas associadas direta ou indiretamente ao fim do conflito, foram combustível para a ascensão da onda autoritária que assolou a Europa e influenciou experiências extremistas em diversas partes do globo. Passado um século, em termos geopolíticos, sintoma semelhante de esgotamento das democracias liberais se instala, apesar de não ter ocorrido fenômeno impactante e traumático de proporções globais tal como foram as Grandes Guerras.
Eric Hobsbawm nomeia o desgaste nos valores e instituições da civilização liberal, decorrentes das concepções iluministas, e difundidas através da Revolução Francesa, como “A Era da Catástrofe” (HOBSBAWM, 1995, P. 113). Estes valores, que mantinham a fé inexorável da humanidade através da razão e da ciência na promoção do “mundo civilizado” encontraram limites diante do colapso das organizações institucionais até então estabelecidas, e afetaram de forma mais dramáticas monarquias tais como a alemã, e os impérios Austro-Húngaro e o Turco-Otomano. O imenso corpo dos impérios demonstrou-se incompatível à pele curta e apertada da nação (ANDERSON, 2008, p. 131). A suspensão dessas estruturas políticas que já encontravam-se decadentes por representarem reverberações do Antigo Regime, por outro lado, acomodava visões de mundo e identidades e, que por isso, foram colocadas em crise.
Por estarem em declínio, em seu interior acomodavam alternativas autoritárias, paralelas ao poder centralizado monárquico. Em regimes liberais, tais projetos políticos ocupavam posições marginais ao sistema, condensados em partidos e movimentos de baixo impacto e risco ao arranjo parlamentar. No entanto, as consequências da I Guerra Mundial (entre estas, a Revolução Russa de 1917, concretizando a experiência socialista) alteraram o cenário e a estabilidade institucional, projetando concepções de extrema-direita como antídoto para sanear convulsões das quais o liberalismo se demonstrava incompetente.
O fascismo foi a experiência mais impactante destas sugestões, porém não a única em seu contexto, de modo a gerar debates, análises e considerações de suas bases, origem, desenvolvimento em diferentes correntes das ciências humanas, de forma plural, por elucidar assim a complexidade dos mecanismos de ascensão e manifestação fascistas. Stanley Payne (1979) sublinhava a dificuldade de se abordar as doutrinas do fascismo, em vista deste não possuir uma ideologia coerente e unificada. Este aspecto é confirmado por outros estudiosos, tal como Emílio Gentile (2002), ao expor que por ser fenômeno supranacional, não possuía matriz única, unidade ideológica ou força propulsora comum.
Integrado a tais debates e ciente dos caminhos tortuosos e distantes do consenso que são oferecidos, a Revista Faces da História apresenta o dossiê “As Extremas-direitas e o poder: leitura a partir da História”. Neste número, pesquisas sobre os debates do fascismo histórico dividem preocupações com as atualizações possíveis na contemporaneidade.
Sergio Schargel faz análise dos documentos fundadores do fascismo italiano. Através de recursos metodológicos tais como a “nuvem de palavras”, aplicado ao Discurso de Nápoles, tem o intuito de examinar as propostas centrais no fascismo italiano durante seu surgimento em “O que defendia o Fascismo dias antes da Marcha sobre Roma?”.
Com o intuito de dedicar-se ao viés filosófico do objeto, Álvaro Ribeiro Regiani apresenta “Uma sociedade muito parecida com a das formigas e das abelhas”. Neste, dedica-se `as percepções de Hannah Arendt, sob influência de Walter Benjamin, acerca dos temas do totalitarismo, a fragmentação das tradições políticas e o imperialismo. Lançando mão das fronteiras entre literatura e história, a obra de George Orwell será trabalhada como fonte para considerações acerca do conceito de fascismo, por Paulo Victor Arouche Costa Leite, em “Fascismos e consciência histórica: crise de sentido e violência política”.
Um aspecto a ser salientado é a diversidade de experiências autoritárias surgidas majoritariamente no período entreguerras. Estas transcendem os limites dos modelos italiano e alemão, porém, sem deixar de buscar influências. Assim, Gabriela Santi Pacheco e Alice Lazzarini Bento apresentam as relações existentes entre a Ação Imperial Patrianovista e a Ação Integralistas Brasileira, tais como seus pontos de contato e divergências teóricas no artigo: “Fascismo, catolicismo e corporativismo: conexões entre patrianovismo e integralismo”.
É interessante perceber, igualmente, como o imperialismo é compreendido a contrapelo em suas diferentes formas. Nesta premissa, em “La imagen de los Estados Unidos a través la prensa del falangismo en la España franquista (1939-1959)” José Antonio Abreu Colombri investiga as representações das ações estadounidenses pela imprensa franquista, na Espanha.
Por fim, mas não menos importante, é fundamental estabelecer considerações sobre a ameaça exercida por tais concepções ideológicas de extrema-direita na contemporaneidade e seus exercícios de atualização. Deste modo, Luiz Fellipe Alves se propõem a tais observações através da investigação apresentada no artigo: “A Cultura política fascista no tempo presente”.
Desejamos a todos uma leitura proveitosa e um contexto político global livre de ameaças de extrema-direita.
Organizadores
Daniel Trevisan Samways – Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). E-mail: prof.danieltrevisan@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0003-0771-1238
Felipe Cazetta – Unimontes. E-mail: felipecazetta@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0002-2110-7531
Makchwell Coimbra Narcizo – PUC Goiás. E-mail: makch01@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-3665-3786
Referências desta apresentação
SAMWAYS, Daniel Trevisan; CAZETTA, Felipe; NARCIZO, Makchwell Coimbra. Apresentação. Faces da História. Assis, v. 9, n. 2, p. 19 -22, jul./dez. 2022 [DR/JF]
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