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Antiguidade Oriental no Brasil pesquisas e perspectivas/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2021

Assim como a universidade em solo pátrio, nascida somente nas primeiras décadas do século XX, a História enquanto disciplina é algo relativamente recente, bem como a História Antiga também o é. Provavelmente os primórdios dessa última no país remontam a 1934, quando a disciplina História da Civilização Antiga e Medieval existia no curso unificado de Geografia e História em funcionamento na Universidade de São Paulo (USP) (CAPELATO, GLEZER, FERLINI, 1994). Anos mais tarde, na década de 1950, o docente Eurípedes Simões de Paula fundava a cátedra de História Antiga na referida universidade. O docente em tela, inclusive, também é requerido como o precursor da área de História Medieval no Brasil (MACEDO, 2012).

Por longos anos a USP seguiu como possibilidade única para se cursar o doutorado em História. Da década de 1950 até 1993 foram defendidas vinte teses na área de História Antiga na instituição referida. Entretanto, o interesse principal recaia sobre os chamados “estudos clássicos”, os quais contavam com o respaldo de disciplinas como Literatura Grega e Literatura Latina desde o princípio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (SILVA, 2010, p.101).

Poucos anos após os primeiros passos da História Antiga na academia nacional, o país foi tomado de golpe pela ditadura. Nesse período a área regrediu consideravelmente aproximando-se de um enfoque notadamente positivista e elitista (CARVALHO & FUNARI, 2007), mácula que acompanhou a História Antiga por longos anos. Para piorar o cenário, durante os anos de chumbo, o regime militar contou com docentes aliados e, devido ao contexto, o interesse por História Antiga foi identificado como uma postura reacionária, dado que o engajamento político dos discentes exigia um compromisso nítido com as questões contemporâneas daquele período.

A História Antiga Oriental, em si, pôde vislumbrar alguns avanços apenas no final da década de 1960 com o retorno ao país do Prof. Emanuel Bouzon que passou a atuar na PUC do Rio de Janeiro. No final da década de 1970 a área contou com um reforço importante devido à vinda do Prof. Ciro F. Cardoso para atuar junto a UFF. No final da década de 1980, por sua vez, organizava-se no sul do país um grupo de jovens pesquisadores que esteve envolvido na realização do I Simpósio de História Antiga na UFRGS em 1987 e, finalmente, em 1990 organizaram o I Ciclo Internacional de História Antiga Oriental, o qual se configurou como o primeiro evento acadêmico de caráter internacional, dedicado a História Antiga Oriental, realizado no país.2

Até o início do século XXI, a dispersão dos docentes de história antiga pelo solo nacional era bastante tímida. Atualmente, porém, o cenário é mais próspero de modo que os especialistas na área estão presentes em praticamente todos os estados da federação.3 Do mesmo modo, os avanços da História Antiga Oriental no Brasil são absolutamente perceptíveis. Se há algumas décadas os pesquisadores desse campo eram escassos, atualmente não é tarefa fácil contabilizá-los. Para além do incremento de profissionais, houve igualmente o incremento de temáticas. Contemporaneamente, os especialistas brasileiros que atuam no país ou no estrangeiro dedicam-se a temáticas pertinentes a África Antiga, ao Oriente Próximo e ao Extremo Oriente.

Apesar do referido avanço em termos de profissionais e temáticas, a estrutura curricular das graduações em História presentes no Brasil, em muitos casos, ainda compreende a história antiga como um domínio do passado Greco-romano. Nesse sentido, iniciativas como o presente dossiê da Revista Mythos revestem-se de importância por possibilitar um ambiente de divulgação dos trabalhos que as pesquisadoras e os pesquisadores brasileiros têm desenvolvido sobre a história antiga oriental.

Feitas as devidas considerações o volume em tela traz artigos tanto de pesquisadores com reconhecida carreira acadêmica, verdadeiros precursores em suas áreas de pesquisa, bem como de jovens pesquisadores que já firmaram seus passos nos trilhos da Antiguidade Oriental. Assim, o artigo que inaugura o presente dossiê, redigido por André Bueno, busca tratar da trajetória das aproximações a Confúcio no país desde o Brasil imperial até o século XXI, enfatizando como o princípio dessa aproximação se deu por um viés religioso, o que acabou afetando as abordagens posteriores sobre Confúcio e o Confucionismo nos cenários intelectual, filosófico e acadêmico. De igual modo, o artigo de Bueno é de leitura obrigatória para conhecer os primórdios da Sinologia em terras brasileiras.

Em seguida, o artigo de Ana Paula Scarpa aborda as práticas mágico-religiosas presentes nos Papiros Mágicos Greco-Egípcios, observando tanto o contexto local de submissão egípcia ao poder romano como também os contextos de helenização e cristianização observáveis no Leste mediterrânico. Na sequência, o texto de Bruno Alves Coelho e Matheus da Silva Carmo nos fornece um claro panorama do debate historiográfico sobre a pertinência histórica da chamada Monarquia Unida, abordando aspectos que explicam a presença tão marcante dessa temática na Bíblia Hebraica.

Por sua parte, o artigo de Élcio Valmiro Sales de Mendonça apresenta uma análise sobre os óstracos de Samaria e o consequente desenvolvimento da atividade escrita em Israel, com implicações no debate acerca da cronologia da narrativa bíblica. Flávia Lima Corpas, por seu turno, aborda aspectos relativos à Egiptomania, recorrendo a um estudo de caso do cenário burlesco nacional.

Em continuidade, Janaina Zdebskyi nos brinda com uma abordagem sobre o ritual de animação de estátuas na antiga Mesopotâmia, convidando o leitor para uma reflexão mais profunda sobre a história dessa região. Logo após, Juliana Cavalcanti traz em seu artigo uma importante análise da significativa diversidade religiosa de Dura-Europos. Katia Pozzer, Priscila Scoville e Wellington Rafael Balém, por sua vez, tratam do desenvolvimento e dos desafios da História Antiga Oriental no país bem como apresentam reflexões absolutamente pertinentes sobre o ensino de História tanto na educação básica quanto no ensino superior.

Já o artigo de Rafael Felipe Almeida Nascimento e Alexandre Galvão Carvalho demonstra uma vasta apresentação da historiografia sobre a economia mesopotâmica buscando enfatizar em especial a Acádia. Ugarit e seu panteão de divindades são o foco da análise de Rogério Lima de Moura que igualmente nos permite refletir sobre aspectos da diversidade religiosa do Levante como um todo. Por fim, o texto de Thiago Henrique Pereira Ribeiro apresenta reflexões sobre os conceitos de monoteísmo e politeísmo e analisa como o antigo Egito foi usado na tentativa de se identificar uma suposta primeira experiência monoteísta.

Em suma, o presente dossiê da Revista Mythos é mais uma contribuição para sanar as lacunas de produção acadêmica atualizada sobre a Antiguidade Oriental permitindo que os historiadores e historiadoras do Brasil possam ter contato com uma área de pesquisa ainda em sua fase de crescimento em solo nacional. Acima de tudo, pela qualidade e esforço de pesquisa dos artigos aqui apresentados, o dossiê em tela é especialmente uma oportunidade de enriquecimento intelectual.


Notas

2 Anais do IV Simpósio de História Antiga e I Ciclo Internacional de História Antiga Oriental. Porto Alegre, 1990.

3 De acordo com o mapa do GTHA os pesquisadores e pesquisadoras de História Antiga encontram-se presentes em vinte estados da federação e também no Distrito Federal. Veja-se: https://www.gtantiga.com/historia-antiga-em-seu-estado-1, acesso em 20/08/2021.


Referências

Anais do IV Simpósio de História Antiga e I Ciclo Internacional de História Antiga Oriental. Porto Alegre, 1990.

CAPELATO, M. H. R.; GLEZER, R.; FERLINI, V. L. A. Escola uspiana de História. Estudos Avançados – 60 anos de USP: ciências básicas e humanidades; origens e linhas de pesquisa, perfis de mestres, São Paulo: IEA/USP, v. 8, no. 22, set./dez. 1994.

CARVALHO, Margarida Maria de & FUNARI, Pedro Paulo A. “Os avanços da História Antiga no Brasil: algumas ponderações”. História [online]. 2007, vol. 26. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/2210/221014794002.pdf, acesso em 19/10/2013.

MACEDO, José Rivair. Os Estudos medievais no Brasil: tentativa de síntese. Disponível em: http://www.portal25.com/ufrgs/docs/estmedbrasil.doc. Visto em 15/04/2013.

SILVA, Glaydson José da. Os avanços da História Antiga no Brasil. In: Renata Lopes Biazotto Venturini. (Org.). História Antiga I: Fontes e Métodos. 1 ed. Maringá: Eduem, 2010.


Organizador

Josué Berlesi – Docente de História Antiga na Unifesspa – Marabá.


Referências desta apresentação

BERLESI, Josué. A História Antiga Oriental no Brasil: ontem e hoje. Mythos – Revista de História Antiga e Medieval, ano 5, n. 3, p. 6-11, set. 2021. Acessar publicação original [DR/JF]

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Itamar Freitas

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