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Wilhelm Ostwald: The Autobiography | Robert Smail Jack, Fritz Scholz

A despeito de um prestígio reduzido entre os químicos de hoje, Wilhelm Ostwald (1853-1932) foi um dos mais importantes nomes da Química entre o final do século XIX e o início do século XX. Sua relevância deve-se não apenas aos seus trabalhos sobre equilíbrio químico, catálise e cinética química, mas principalmente à sua atuação para o estabelecimento e popularização da Físico-Química e configuração moderna do ensino da Química, que em certa medida, permanece até os dias de hoje. Contudo, Ostwald é mais conhecido por ter sido adepto do Energeticismo e como consequência disso, por sua forte rejeição à teoria atômica, divulgada em inúmeros livros e artigos.

Seja por quaisquer dessas razões, Ostwald certamente é um personagem recorrente na História da Ciência, de modo que todos aqueles interessados nesta área têm o que comemorar: foi recentemente lançado o livro Wilhelm Ostwald: The Autobiography. Esta obra é uma tradução comentada em língua inglesa do Lebenslinien, a autobiografia de Wilhelm Ostwald publicada em três volumes entre 1926 e 1927.

O trabalho de tradução desta obra foi realizado por Robert S. Jack e Fritz Scholz, ambos da Universidade de Greifswald, Alemanha. No processo de edição, Jack e Scholz resumiram a obra, reduzindo os originais três volumes de aproximadamente 1300 páginas ao todo em um único livro de 682 páginas. Os editores ainda acrescentaram informações adicionais e notas de rodapé que auxiliam na compreensão sobre a vida e obra de Ostwald. Assim, apesar de ser um resumo da obra original, o livro traz uma riqueza de informações necessárias ao leitor que deseja imergir no contexto da vida e da obra de Ostwald.

Apesar da síntese, os editores mantiveram a divisão original da obra: a primeira parte do livro refere-se à infância e juventude de Ostwald, suas atividades de pesquisa em Dorpat e Riga, até sua ida para Leipzig (Capítulos 1 a 13). A segunda parte da obra refere-se ao período em que Ostwald atuou como professor de Físico-Química na Universidade de Leipzig (Capítulos 14 a 30), enquanto a terceira parte retrata o abandono das atividades docentes por Ostwald e mudança para Großbothen até o ano de 1927, quando o último volume de sua biografia é publicado (Capítulos 31 a 44).

A complexa vida de Ostwald parece ter sido captada de maneiras distintas por Robert Jack e Fritz Scholz. Na nota do tradutor, percebe-se quais foram as principais características de Ostwald captadas por Jack: brilhante, arrogante, tolo, auto-satisfeito, desapontado, uma espécie de Dom Quixote da ciência. Scholz, por outro lado, parece ter sido mais impactado pelas variedade de áreas nas quais Ostwald dedicou sua vida e nas suas abordagens não-convencionais. Certamente, cada leitor irá ao longo do texto construir uma imagem própria deste personagem que tentou romper os limites impostos pela ciência de sua época e que sabia que seu legado transcenderia a sua existência.

Na primeira parte do livro, conseguimos compreender por quais razões Ostwald se tornou um “pioneiro” do então novo campo da Físico-Química. Filho de alemães, Ostwald nasceu no estado Hanseático de Riga (atual Letônia), em 1853. Cidade de fundação e cultura germânica, Riga era então parte do Império Russo. A relação complicada entre a elite germânica e a administração russa acabou marcando a vida do jovem Ostwald, sendo possível perceber em suas memórias um sentimento antieslavo semeado ainda em sua infância (p. 13-14). Contudo, Ostwald reconhecia a importância desse distanciamento da cultura germânica para a sua formação científica. Como estudante de Química da Universidade de Dorpat, Ostwald obteve uma formação bem diferente do então mainstream da química alemã, que priorizava a Química Orgânica, uma importante área estabelecida no início do século XIX e cujos principais trabalhos haviam sido desenvolvidos por químicos alemães como Liebig, Kekulé, Wöhler, Hofmann e outros.

Longe das tradicionais instituições alemãs, Ostwald entrou em contato com uma tradição de ciência mais próxima da química mineralógica, fisioquímica e desenvolvimento de técnicas analíticas, que haviam sido deixadas em segundo plano em relação à Química Orgânica (p.53-54). Além disso, Dorpat favoreceu o seu contato com a Física, tanto por meio do convívio próximo entre físicos e químicos quanto pelo contato com o físico Arthur von Oettingen, que posteriormente o contratou como assistente de laboratório. Deste modo, as contribuições de Ostwald para a Química acabaram se tornando uma síntese desse estreito contato entre a Física e a Química proporcionado pela Universidade de Dorpat.

Os reflexos dessa relação são encontrados nas primeiras pesquisas de Ostwald, onde variações nas propriedades físicas das substâncias são utilizadas como meio de quantificar as afinidades químicas das mesmas. Dado o fato de que Ostwald encontrava-se na periferia dos grandes centros científicos europeus, pode-se considerar que seus trabalhos ganharam significativa repercussão e, especialmente, o apoio dos que estavam se dedicando a problemas fora da agenda dos orgânicos, como M. M. Pattison Muir.

Curiosamente, esses trabalhos foram, em um primeiro momento, mais bem recebidos pela comunidade científica do que os realizados pelos seus companheiros Svante Arrhenius e J. H. van’t Hoff, que inicialmente enfrentaram uma significativa resistência ao propor novas teorias químicas fundamentadas em princípios então considerados estritamente físicos. Tal fato fica mais evidente ao compararmos os trabalhos de Ostwald e Arrhenius: ambos haviam proposto ser possível relacionar as variações nas propriedades físicas das substâncias à sua reatividade (através da variação do volume e da condutividade, respectivamente). Contudo, enquanto essas pesquisas fizeram com que Ostwald alcançasse considerável reconhecimento internacional, os trabalhos de Arrhenius foram inicialmente recebidos com grande desconfiança.

Outra significativa diferença entre os membros deste grupo residia nas personalidades dos seus componentes: enquanto Ostwald se mostrou um articulador nato e um defensor ferrenho das novas abordagens propostas por ele, Arrhenius e van’t Hoff, este último, apesar da boa reputação científica, não possuía o mesmo perfil comunicativo e combativo o seu companheiro alemão. Assim, pode-se considerar que Ostwald assumiu com certa naturalidade o papel de porta-voz da nova disciplina, dada a sua personalidade comunicativa e gregária e por gozar de relativo prestígio na comunidade científica.

De fato, Ostwald se tornou o porta-voz perfeito para a disciplina. Ostwald iniciou um grande movimento de popularização das novas teorias e institucionalização da Físico-Química, através da criação do periódico Zeitschrift für Physikalische Chemie (1887) e publicação de livros-texto, como os dois volumes do Lehrbuch der Allgemeine Chemie (1886 e 1887) e o Grundriss der Allgemeine Chemie (1889), apresentados nos Capítulos 10 e 15, e mais detalhadamente no Capítulo 17. Além disso, sua postura combativa mostrou-se fundamental para a aceitação da nova disciplina, especialmente na Alemanha, onde os adeptos da Físico-Química enfrentavam a resistência dos químicos orgânicos, que por sua vez, consideravam que Ostwald e seus apoiadores não faziam química de verdade ou eram uma espécie de “antiquímicos”, como Ostwald relata em tom de brincadeira no Capítulo 16 (p. 171).

No entanto, o mais interessante desta obra talvez seja a oportunidade de entender, através do relato do próprio Ostwald, a sua relação com o Energeticismo. Ostwald faz diversas menções a esta teoria ao longo de toda a obra, mas discute-a mais profundamente no Capítulo 21, onde explica seu valor e as consequências da adoção ao Energeticismo em sua vida acadêmica e pessoal.

Ostwald reconheceu que as razões que o levaram ao Energeticismo não foram completamente racionais (p. 230-233). Aliado à descrença na abordagem cinético-molecular de sua época, à sua admiração pela Termodinâmica fenomenológica e ao sentimento de que a ciência necessitava de uma grande mudança, Ostwald incorporou ao Energeticismo uma visão holística dos fenômenos e um realismo ingênuo que desagradou ocasionais aliados como Ernst Mach e Georg Helm.

Mesmo com a fria recepção inicial de suas ideias sobre o Energeticismo, Ostwald buscou adequar seu trabalho ao novo paradigma. A grande energia despendida por Ostwald nesse propósito, aliada à cada vez mais difícil recepção das suas ideias resultou em grande esgotamento físico e psicológico para Ostwald. Tal crise tornou-se evidente após o Encontro da Naturforscherversammlung em 1895 na cidade de Lübeck. Os desdobramentos desse encontro só agravaram a situação de Ostwald, que enfrentou um período de depressão. Devido a tais problemas, Ostwald se afasta por alguns meses das suas atividades acadêmicas, mas o próprio admite que tal colapso o fez perder parte do seu interesse e disposição para as atividades experimentais e ensino (p. 263-264; 267).

Apesar de tais problemas, Ostwald incorporou o Energeticismo à sua visão de mundo de tal modo que, mesmo com as inúmeras críticas e contra-argumentos, essa perspectiva nunca foi abandonada por este químico. Na Filosofia, Ostwald tentou desenvolver uma linha de pensamento que mesclava o Energeticismo com elementos do Positivismo de Ernst Mach e Auguste Comte que ficou conhecida como Imperativo Energético. O Imperativo Energético era representado através da máxima “Não gaste energia, use-a!”. Além disso, as descobertas científicas posteriores que iam contra a sua teoria energeticista acabaram sendo interpretadas por Ostwald como indícios da validade da mesma, a exemplo da sua visão de que o quantum de energia representava, de certo modo, “uma fusão de Energeticismo e atomismo” (p.246).

Assim, a despeito da recepção negativa às ideias energeticistas e os problemas decorrentes da defesa dessa teoria por Ostwald, o Energeticismo nunca deixou de fazer parte da visão de mundo deste químico. Seria então o caso de aceitarmos que o Energeticismo esteve presente, mesmo de maneira implícita, nos seus êxitos na própria Físico- -Química? Esta é uma pergunta sobre a qual os leitores desta autobiografia devem refletir.

Apesar do seu subsequente desinteresse pelas atividades experimentais, o mesmo não pode ser dito em relação aos aspectos conceituais da Química. Tais contribuições são muitas vezes esquecidas ou subestimadas por químicos e historiadores, apesar de terem sido fundamentais para a organização da Química. Se Ostwald não se destacou por grandes descobertas, deve-se a esse químico reconhecimento pela sistematização e reformulação de importantes conceitos para a química atual, como a ideia de catálise (Capítulo 24), e por planejar as primeiras rotas de síntese de compostos de grande relevância industrial, como a amônia e o ácido nítrico, através do uso de catalisadores efetivos para essas reações (Capítulo 25).

Felizmente, Ostwald recebeu em vida o reconhecimento por esses trabalhos teóricos, pelo seu papel na institucionalização da Físico-Química e por incentivar a formação de físico-químicos, muitos por sinal oriundos do seu laboratório em Leipzig, o primeiro exclusivamente dirigido para pesquisas nessa área (este laboratório deu origem ao Wilhelm- Ostwald-Institut für Physikalische und Theoretische Chemie da Universidade de Leipzig). Por tais contribuições, Ostwald recebeu diversas homenagens e prêmios, incluindo aqui o Prêmio Nobel de Química em 1909. Essas homenagens são lembradas com ternura por Ostwald no Capítulo 36.

Sua posição central na Físico-Química atraiu diversos estudantes das mais variadas nacionalidades para o seu laboratório em Leipzig. Dentre esses estudantes, destaca-se o número significativo de norte-americanos, que posteriormente tornaram-se os responsáveis pela institucionalização dessa disciplina nas universidades norte-americanas. Tal relação acabou levando Ostwald para os Estados Unidos em 1903, como convidado especial para a inauguração do Laboratório do fisiologista Jacques Loeb em Berkeley, e entre 1905 e 1906, como professor convidado na Universidade de Harvard. Tal relação com as universidades norte-americanas é descrita por Ostwald nos Capítulos 27 e 32. Na América, Ostwald não apenas lecionou tópicos de Físico-Química, como também de Filosofia. Ostwald conta que suas ideias filosóficas foram bem recebidas pelos norte-americanos, especialmente pelo filósofo pragmatista William James.

No entanto, as contribuições de Ostwald não se resumem à Físico-Química, seu ensino e à Filosofia. Dono de uma criatividade inquieta e ousada, é possível encontrar o envolvimento de Ostwald nas mais diversas áreas e atividades de sua época. Ostwald foi adepto do Monismo (Capítulo 37), foi um entusiasta do Esperanto e tentou desenvolver uma linguagem científica internacional (Capítulo 35), envolveu-se com padronizações de medidas, algumas ainda hoje aceitas (Capítulo 39), participou de diversas instituições científicas (destacam-se especialmente os Capítulos 23 e 38) e, entre tantos interesses, manteve desde jovem uma profunda admiração pelas artes, o que acabou levando-o a tentativa de desenvolver uma abordagem científica para a harmonia das cores (Capítulos 42 e 43).

Outra grande oportunidade proporcionada por este livro é ver as contradições que Ostwald e seus contemporâneos viveram em um período marcado por ideais pacifistas e, ao mesmo tempo, por uma crescente tensão entre as nações, que culminariam na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nos Capítulos 36 à 39 e 41, vemos como o desenvolvimento de sociedades internacionais e outros projetos de cooperação científica acabaram sendo inviabilizados em decorrência da guerra. Apesar de pacifista, Ostwald apoiou a entrada da Alemanha na Primeira Grande Guerra, pois realmente acreditava que a mesma estava se defendendo de agressões provocadas por outras nações. Como resultado, Ostwald e outros cientistas alemães foram expulsos de sociedades internacionais e tiveram títulos e prêmios revogados. Até mesmo grandes amizades sucumbiram com o conflito, como a relação entre Ostwald e o físico escocês William Ramsay, de quem Ostwald faz relatos repletos de amabilidade e um toque de melancolia (p. 221-222). Apesar dos conflitos, o velho Ostwald parecia ainda ter um pouco de esperança em um mundo que aplicasse seus princípios energeticistas e compreendesse a guerra como um gasto desnecessário de energia.

Estes são apenas alguns entre os diversos episódios que integram o legado de Wilhelm Ostwald para a nossa ciência. Protagonista e antagonista de tantas histórias diferentes, Ostwald foi a materialização da ponte que tentou construir entre as diversas áreas do saber humano.


Resenhista

Letícia dos Santos Pereira – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Campus de Amargosa (UFRB).


Referências desta Resenha

JACK, Robert Smail; SCHOLZ, Fritz (Eds.). Wilhelm Ostwald: The Autobiography. Heidelberg: Springer, 2017. Resenha de: PEREIRA, Letícia dos Santos. Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 132-135, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR/JF]

Itamar Freitas

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