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The Yorùbá: A New History | Akinwum Ogundiran

O autor deste erudito e estimulante livro sobre os iorubás declarou, durante uma recente discussão promovida pela ASWAD – Association for the Study of the Worldwide African Diaspora (Associação para o Estudo da Diáspora Africana Mundial), que seu projeto nasceu de sua crescente percepção de que os dados históricos, arqueológicos, antropológicos e culturais relativos ao tema não se alinhavam com as representações do passado desse povo em grande parte da literatura acadêmica.1 Enquanto suas próprias pesquisas apontam para origens antigas e complexos processos de mudança através de longo horizonte temporal, um corpo crescente de literatura histórica, na sua opinião, “achata […] a história iorubá” e “trata a cultura [iorubá] como fossilizada num passado atemporal” (p. 3). De fato, tem havido uma tendência nos últimos setenta e cinco anos de representar o século XIX, o período do encontro missionário cristão e colonial europeu, como o “lócus e centro gravitacional da mudança cultural [iorubá]” (p.3). O desejo de Ogundiran de corrigir esse legado colonial e descolonizar a historiografia africana inspirou-o a escrever um grande e importante livro, pelo qual os leitores podem ficar agradecidos.

Arqueólogo, antropólogo e historiador cultural por formação, os objetivos do autor eram escrever, em um volume, um livro que fornecesse um “tempo profundo”, um “domínio do gênero” e uma história multidisciplinar dos iorubás, que integrasse, desde sua origem até meados do século XIX, a análise dos processos de mudança econômica, ambiental, social, política, religiosa e cultural na região da África Ocidental onde habitaram. O projeto exigiu que o autor investigasse e interpretasse a interação dos iorubás com outros povos: vizinhos próximos, como Benin, Ìbàrìbá e Nupe; impérios sudaneses ao norte; e atores atlânticos que vieram do outro lado do mar no século XVI. O escopo e a abrangência do livro são impressionantes, bem como a profundidade da análise dos períodos críticos de mudança. Tabelas úteis, mapas excelentes e gráficos claros ajudam o autor a compilar a riqueza de informações e a apresentá-las de forma compreensível. Poucos serão os leitores que vão se debruçar sobre o livro sem aprender com ele, sejam estudantes à procura de uma introdução ao conhecimento do povo iorubá e seu passado, ou especialistas interessados em um ou outro período ou assunto. O texto traz muitas contribuições novas para o conhecimento dos iorubás, da história africana e da história do Atlântico. Tampouco os leitores deixarão de apreciar o texto, prevê essa resenhista, graças à prosa lúcida e à narrativa convincente do autor.

A história de tempo profundo de Ogundiran começa no passado Pré-Arcaico (2500-2300 a.C.) – na confluência dos rios Níger e Benué, na África Ocidental – do que o autor chama o grupo linguístico e cultural “proto-ioruboide [proto-Yoruboid]”. Em seguida, descreve, analisa e interpreta a expansão e transformação dessa população durante os quatro mil anos seguintes. Para dominar esse longo passado, colocá-lo sob o seu controle e torná-lo compreensível para seus leitores, o autor periodiza-o. Ele divide os quatro milênios em oito períodos de diferentes durações, que são definidos por características que lhes dão coerência interna e os distinguem uns dos outros. Embora a metodologia seja central para as disciplinas de arqueologia e história, a busca de Ogundiran por uma periodização nativa, não eurocêntrica, de um passado tão longo, é nova e define o seu projeto. O autor introduz e resume de forma útil o seu esquema temporal numa tabela na página 7. A análise das características-chave e dos principais desenvolvimentos em cada um desses períodos estrutura o livro.

O texto é multidisciplinar e representa, em vários sentidos, uma virada no gênero narrativo. O autor empenha-se numa análise integral e integrada dos muitos diferentes tipos de comportamento humano – econômico, social, político, linguístico, religioso, intelectual, artístico e outros – que constituíram a cultura iorubá. Procura a compreensão de como e por que eles se moldaram mutuamente em diferentes períodos da história iorubá. Ogundiran não faz uma análise abstrata, mas investiga práticas específicas – tecnológicas, agrícolas, artesanais, comerciais, domésticas, espirituais, governamentais, mitológicas, militares, estéticas – e suas transformações. Tradicionalmente, esses vários tipos de atividade humana têm sido estudados por diferentes disciplinas acadêmicas, com abordagens empíricas e teóricas próprias. O autor recorre ao melhor dessas abordagens e se baseia na pesquisa interdisciplinar existente, e as combina para compreender a complexidade e a interconectividade da história cultural iorubá ao longo de um tempo profundo. A tarefa exige que o autor avalie e sintetize muitos e complexos conjuntos de literatura secundária e que apresente a investigação primária de uma vasta gama de fontes muito diferentes. O conjunto de ferramentas do autor é vasto e finamente aperfeiçoado. Poucos estudiosos poderiam ter realizado a tarefa a que ele se propôs.

Como seria de esperar de um arqueólogo, Ogundiran vê as práticas materiais como fundamentais em muitos dos seus oito períodos. Ele enfatiza não só a produção e o comércio agrícolas e de artigos artesanais, mas também o consumo de bens do cotidiano e de luxo. No que diz respeito ao consumo, o autor tem muito interesse em falar sobre a estética, bem como sobre o valor de uso dos objetos materiais. O seu enfoque no consumo enriquece a literatura sobre a história econômica da África Ocidental.

Num Período Formativo (250-750 d.C.), porém, foram os avanços na organização sociopolítica, e não as práticas materiais, que na opinião de Ogundiran impulsionaram o desenvolvimento iorubá. Durante os seiscentos anos anteriores, uma seca severa havia ameaçado os proto-iorubóides em sua terra natal, forçando a migração para sul. Depois de 250 d.C., as chuvas voltaram à estabilidade e a população cresceu. Nessa altura, grupos de famílias multigeracionais adotaram um tipo de ilé que provia eficazmente seus membros, e elegeram lideranças para gerir a administração dos recursos e dos conflitos sociais. O ingresso no ilé era aberto a forasteiros – clientes, cativos, migrantes e outros. Havia esferas complementares e equilibradas de atividade e autoridade masculina e feminina. Os líderes eram escolhidos com base em capacidade e senioridade. Histórias de origem e práticas rituais partilhadas surgiram e proporcionaram novas formas de conceber o que significava ser uma pessoa e membro de uma comunidade. A reverência aos antepassados, alguns dos quais se tornaram divindades (orixás), ligava os vivos aos mortos e aos nascituros. O ilé tem sido, na opinião de Ogundiran, a unidade primária da organização social iorubá ao longo da maior parte da sua história. Quem está familiarizado com a bibliografia sobre a formação posterior das cidades, reinos e impérios iorubás, ou sobre a relação entre a organização doméstica e a hierarquia dentro dela reconhecerão muitas heranças da ilé mais antiga de Ogundiran.

O autor a considera o “sistema do ilé” como um dos quatro pilares que vieram definir uma “comunidade de prática” iorubá. Ele tomou este conceito emprestado da antropologia do aprendizado e o usa para evitar a sugestão de ser um grupo biológico, linguístico ou político delimitado.2 Ao contrário, o autor vê uma população fluida, permeável, enredada e multilíngue que veio a comungar saberes, mitos, símbolos, crenças e ideias através da interação e do aprendizado num tempo profundo. Uma elaboração mais completa do conceito teria dado mais força ao livro. A dualidade de gênero se tornaria um segundo pilar da “comunidade de prática”.

O ilé foi tão bem-sucedida que, durante o Período Formativo Final (650-1050 d.C.), cidades incipientes povoadas por grupos de parentesco corporativos de diversas origens desenvolveram-se, criando a necessidade de novos tipos de liderança. Apareceram figuras centralizadoras (ọba-aládé), a que o autor chama “divine kings” em inglês, reis divinos. Eles e os seus associados criaram novas instituições políticas e promoveram novas crenças religiosas, práticas cerimoniais, ideias filosóficas e valores estéticos que se amalgamaram e integraram ao ilé e ao ìlú, unidade de maior escala de organização social e política. O uso de contas vermelhas importadas do Sudão Central tornou-se um símbolo fundamental da autoridade política e do poder espiritual. Nesta parte do livro, o foco desloca-se para política, governo e as crenças, rituais e ideias que os sustentam. Ogundiran explica claramente as ligações entre autoridade política e crenças cosmológicas, complexos rituais e princípios filosóficos. Ilé-Ifẹ̀ é o melhor exemplo conhecido de surgimento da díade ìlú-ọba-aládé, que o autor vê como um terceiro pilar da comunidade de prática iorubá. Ele salienta, no entanto, que havia muitos desses lugares entre 800-1000 d.C. e que um grupo deles em Èkìtì-Ìgbómìnà influenciou muito o que aconteceu em Ilé-Ifẹ̀.

Durante o Período Clássico (1000-1400 d.C.), as inovações no que o autor chama de “capital intelectual” em Ilé-Ifẹ̀ deram ao reino uma posição de vantagem e lhe permitiram estabelecer uma primazia comercial, militar e política entre os rios Níger e Mono. Naquela altura, Ilé-Ifẹ̀ chegou a ser vista como o local de origem e ponto de referência para a realeza divina. Algumas das inovações importantes eram tecnológicas. Mais importante, na opinião do autor, a gente de Ilé-Ifẹ̀ descobriu como fabricar contas – símbolo de poder e autoridade em toda a região e que eram anteriormente importadas – a partir do vidro, utilizando materiais locais. A popularidade dessas contas espalhou-se rapidamente entre as elites regionais, e os comerciantes de Ifẹ̀ começaram a vendê-las em toda parte. Esse comércio ajudou a expandir o comércio de Ifẹ̀ de forma global, enriquecendo a cidade, reforçando o seu exército e aumentando o prestígio dos seus governantes.

As inovações tecnológicas na manufatura em terracota e bronze contribuíram para transformar a representação escultórica de governantes e antepassados, pela qual o reino de Ifẹ̀ é hoje mundialmente famoso. Ogundiran analisa essas mudanças para iluminar o seu quarto pilar da comunidade de prática iorubá: a crença na imortalidade da alma e na reencarnação dos antepassados falecidos. Ele explora como esculturas de distintos antepassados instaladas nos locais de sepultamento das casas governantes veneraram os antepassados em busca de felicidade e paz e para assegurar o bem-estar dos seus descendentes. Cerimônias menos elaboradas, material e ritualmente, em casas mais humildes de toda a comunidade de prática promoveram o bem-estar de muitos outros ilé e ìlú. No geral, o artesanato e as artes floresceram em Ilé-Ifẹ̀ durante o Período Clássico. Migrantes em busca de oportunidade, segurança e um ambiente cosmopolita afluíram à cidade. Os valores e as práticas associados ao ilé ajudaram a incorporá-los.

Outras inovações foram ideológicas. Os governantes, sacerdotes e artistas de Ilé-Ifẹ̀ criaram e difundiram tradições orais que legitimaram a primazia do reino por meio da alegação de que este era a fonte da realeza divina. As tradições ligam comunidades menores a Ilé-Ifẹ̀ , como suas filiais (ẹbí). O desenvolvimento dessa nova consciência, argumenta Ogundiran, mascarou a hierarquia dentro da fraternidade ẹbí e facilitou a integração política regional.

Houve ainda inovações religiosas e intelectuais. Por exemplo, os líderes de Ifẹ̀ inseriram as crenças locais numa ampla cosmologia regional, mas ligeiramente diferente, e reembalaram a combinação como universal. O autor ilustra esse fenômeno por meio de uma discussão sobre os orixás Orumilá (Ifá) e Obatalá para mostrar como as origens e genealogias das divindades de Ifẹ̀ se tornaram um modelo para a comunidade iorubá. Os orixás relacionados a Ifẹ̀ e as tradições orais a eles associadas espalharam-se por meio de redes econômicas, políticas e sociais. Surgiu uma nova visão de mundo que reforçou a visão de Ifẹ̀ sobre a integração econômica e política regional e ajudou a transformar a primazia do reino em hegemonia. Ogundiran argumenta, entusiasticamente, que a epistemologia iorubá deve ser tratada como uma fonte vital para o estudo do passado desses povos. Ele emprega as evidências epistemológicas de forma mais completa e convincente na sua análise do Período Clássico.

O domínio de Ilé-Ifẹ̀ não durou muito. Fatores internos e externos enfraqueceram-no. A superprodução de contas de vidro saturou os mercados e reduziu os preços, de modo que seu valor como bens de consumo de elite declinou. A guerra civil no interior da capital e a rebelião fora dela drenaram os recursos econômicos e militares do império. Para agravar a situação, uma terrível crise ecológica – longa e grave seca, acompanhada de fome, epidemias e migrações –, entre cerca de 1400 e 1570 d.C., levou ao colapso da economia regional e ao declínio de Ilé-Ifẹ̀ e de muitos outros reinos iorubás. O império Ifẹ̀ chegou ao fim. Entretanto, os Nupe e outros grupos armados varriam o sul do Níger e pilhavam e saqueavam até altura de Èkìtì. A análise de Ogundiran sobre o declínio do Ifẹ̀ é a mais abrangente e esclarecedora da historiografia iorubá; sua discussão sobre o impacto da crise ecológica acrescenta muita novidade. A narrativa do autor mostra os séculos XV e XVI como uma época terrível para muitos iorubás. Foi nesse período que os iorubás que se aproximavam do litoral encontraram pela primeira vez uma Europa em expansão.

Ogundiran marca o seu Período Final (1630-1840 d.C.) na era atlântica, assinalando a importância que atribui à penetração do capital mercantil europeu e americano durante esses anos. Essa parte do livro trata de assuntos semelhantes aos que estão no coração do recente livro de Toby Green, A Fistful of Shells, e, enquanto um estudo de caso detalhado de uma única cultura, faz dele um companheiro valioso. Ambos os textos enriquecem a história global do capitalismo.3

O período começou bem, com a recuperação e a regeneração dos reinos iorubás. Velhos reinos foram reconstruídos e novos foram fundados. Nos primeiros anos do encontro atlântico, a importação de búzios, usados como moeda, monetizou a economia, incrementou a especialização econômica (particularmente na produção têxtil) e expandiu a atividade mercantil, embora a longo prazo. Ọ̀yọ́ , o reino mais setentrional da comunidade iorubá, desenvolveu uma cavalaria, expulsou os salteadores do norte do Níger, que tinham aterrorizado a sua população, e se tornou o poder econômico e político dominante. Contudo, outros reinos guerreiros surgiram e também tiveram capitais com populações grandes, diversas e altamente qualificadas. Cidades mercantis desenvolveram-se nas suas fronteiras, onde os povos de toda a região, e de além dela, comercializavam, promovendo aquilo que o autor chama integração econômica subcontinental “em rede”. Ogundiran mostra como as artes – escultura, arquitetura, música e outras tradições performáticas – floresceram em Ọ̀yọ́ -Ilé e outras capitais. Em suma, a expansão do comércio atlântico inicialmente aumentou o volume da produção e do comércio interno, embora poucas pessoas fora das elites políticas, comerciais e militares tivessem os recursos para consumir os tecidos, o tabaco, a aguardente e outros bens introduzidos do estrangeiro.

No mesmo período, reis guerreiros de sucesso em Ọ̀yọ́ -Ilé, Iléṣà e Ìjẹ̀ bú redesenhavam o mapa político travando guerras de expansão e, no caso de Ọ̀yọ́, estabelecendo um novo império. Como havia acontecido anteriormente em Ilé-Ifẹ̀, introduziram um novo símbolo de autoridade política e poder militar, o cavalo, e reformularam o panteão de Orixás, elevando Ogum, deus do ferro e da guerra, à supremacia. Essas inovações estéticas, religiosas e ideológicas alteraram a visão de mundo iorubá e naturalizaram as conquistas dos reis guerreiros.

Logo o encontro atlântico começou a manifestar seus lados mais obscuros. As elites locais encorajaram a monetização dos búzios, masa dependência de uma moeda que só podia ser adquirida por meio do comércio transatlântico – as conchas vinham das ilhas Maldivas – colocou-as numa posição de fraqueza. Ogundiran argumenta que nesse período os governantes tinham pouco controle sobre a política fiscal e recursos limitados quando o valor dos búzios diminuía em relação ao das importações. Além disso, como os búzios não eram uma moeda internacionalmente reconhecida, a única forma de os governantes e comerciantes iorubás os converterem em moeda atlântica era apreendendo ou comprando cativos e comercializando-os. Simultaneamente, a cultura iorubá estava se tornando cada vez mais orientada para mercadorias de exportação e a valorização de bens materiais. O consumo de bens importados – têxteis, tabaco, aguardente e búzios – espalhou-se e adquiriu um novo significado nos marcadores de distinção social, bem como na sociabilidade centrada nos objetos. Ogundiran documenta tais mudanças no vestuário e no adorno pessoal, práticas cerimoniais e rituais e ideias sobre pessoa e autorrealização. Sua discussão sobre a transformação dos usos e do significado dos búzios, fundamentada numa análise da filosofia iorubá, das tradições orais e das artes visuais e verbais, é especialmente rica. A comunidade iorubá, o autor argumenta, passava a ser definida pelo consumo de bens que só podiam ser adquiridos por meio da participação no comércio de escravos do Atlântico. Sua análise mostra como um tipo particular de comércio exterior – que constituía uma parte muito menor, no conjunto da economia, do que a produção e troca internas – poderia, no entanto, ter efeitos profundamente negativos.

Além disso, a desigualdade aprofundou-se e se tornou perene durante a era atlântica no império de Ọ̀yọ́ e em outros estados hegemônicos, tais como Iléṣà e Ìjẹ̀ bú. Em Ọ̀yọ́ , o processo se deu em múltiplos contextos: entre o reino e os tributários que conquistara e colonizara, onde os agentes imperiais impuseram pesados tributos e apresaram homens, mulheres e crianças para o trabalho, para o casamento ou concubinato e para a venda ao comércio atlântico; dentro do próprio reino, entre a capital e as cidades e aldeias provinciais de onde os administradores extraíram impostos, mão de obra e serviços; e, através dos três domínios (reinos tributários, províncias e metrópole), extraíam recursos das elites governantes, militares e comerciais e a maioria dos outros habitantes.

Por um lado, houve um grande aumento da posse de escravos nos estratos superior e médio da sociedade, e o maior número de escravizados eram mulheres. O emprego generalizado de mão de obra escravizada pelos ricos e poderosos aumentou suas vantagens na produção, comércio e reprodução e foi essencial para a administração imperial e organização militar de Ọ̀yọ́ . Por outro lado, as pessoas próximas do topo da ordem social também desfrutaram de vantagens no recrutamento de esposas nascidas livres, fossem para si mesmos, para seus filhos ou seus outros dependentes, o que levaria a uma expansão da poliginia. Essas duas mudanças aconteceram numa altura em que as mulheres, livres e escravizadas, carregavam o fardo do aumento da produção de muitos tipos de mercadorias, sendo a mais importante os têxteis, e também dominavam o comércio local e de longa distância. A expansão da poliginia, argumenta o autor, prejudicou o estatuto das esposas nascidas livres e reduziu a influência das esferas de autoridade matricêntricas, ao mesmo tempo em que aumentou a das esferas patricêntricas. Em suma, perturbaram a dualidade iorubá de gênero e levaram ao declínio do estatuto da maioria das mulheres. Essas mudanças interconectadas, defende Ogundiran, acentuaram a desigualdade entre os sexos e minaram a mobilidade social ascendente no seio dos grupos residenciais, através das gerações e em todo o império de Ọ̀yọ́. Produziram, enfim, uma subclasse permanente de súditos e se tornaram uma fonte de profunda insatisfação.

A história do declínio e queda do império de Ọ̀yọ́ é o episódio mais conhecido na história de tempo profundo dos iorubás na versão de Ogundiran, e isso se deve à monumental History of the Yorubas, de Samuel Johnson e aos muitos textos subsequentes que lhe serviram de inspiração.4 Mesmo nesta parte do livro, o autor acrescenta novas contribuições. Às causas geralmente aceitas para o calamitoso colapso do império de Ọ̀yh, ele acrescenta uma rebelião das classes baixas cujas queixas foram agravadas por uma nova seca e consequentes fome e doença. Ele vê a revolta de 1817 como uma rebelião de classe e não como uma revolução islâmica. A avaliação de Ogundiran sobre as consequências da queda de Ọ̀yọ́ é consistente com a literatura anterior. As guerras que a acompanharam e seguiram levaram à destruição de milhares de cidades e aldeias e ao deslocamento permanente de milhões de pessoas. Um grande número delas foi vendido para a escravidão atlântica. A história dos novos Estados e da cultura política que emergiu em meados do século XIX está além do âmbito do livro. Ela pertence à história do encontro missionário cristão e imperial europeu, situado num horizonte de tempo que requer um quadro conceitual diferente.

The Yorùbá: A New History termina com uma breve, mas sugestiva discussão sobre a diáspora iorubá, um assunto que pode ser de particular interesse para os leitores da Afro-Ásia. O autor, seguindo David Eltis, estima que cerca de seiscentos mil iorubás chegaram ao Novo Mundo entre 1790 e 1867 e cerca de quatrocentos mil antes dessa data, perfazendo um total em torno de um milhão de pessoas. Ao longo da história do comércio transatlântico, pequenos números deles desembarcaram numa vasta área geográfica, mas cerca de dois terços do total foram levados para apenas três locais – São Domingo/ Haiti, Bahia e Cuba –, a maioria no século XIX. Apenas na Bahia do século XIX, no entanto, os iorubás se constituíram como o maior grupo de africanos na população escravizada. Ogundiran concorda com Eltis que o impacto dos iorubás nas Américas foi forte e desproporcional em relação ao seu número, e apresenta uma percepção provocadora da razão pela qual isso pode ter acontecido.5 Ogundiran afirma que a preservação e adaptação de valores e comportamentos associados ao ilé no Novo Mundo – abertura a estrangeiros, formas de inserção e ênfase na proteção e apoio mútuos – promoveram a coesão social. Esses valores e comportamentos ajudaram as pessoas escravizadas de diferentes origens, mas com interesses partilhados, a forjar comunidades fortes enraizadas na família e na religião. Assim como o ilé no continente tinha mobilizado diversos povos para se desenvolver, também na diáspora os iorubás recorreram a essa instituição para forjar grupos familiares, unidades domésticas, casas de culto, irmandades católicas, grupos de trabalho e outras associações para o bem individual e coletivo. Os ilé foram, na opinião de Ogundiran, “os centros nervosos de experimentação e adaptação que permitiram a reconstituição da cultura iorubá […] no Novo Mundo” (p. 388). Tornaram-se espaços poderosos de ajuda mútua, realização e resistência coletivas. O uso do iorubá como língua litúrgica no culto aos orixás teria garantido a preservação da língua e da epistemologia iorubás nas Américas.

Os pesquisadores vão querer testar essa hipótese provocadora em outros lugares e períodos. As evidências do autor vêm principalmente de Cuba do século XIX, não da Bahia ou de colônias para onde os iorubás escravizados foram levados anteriormente. Estudos de caso de uma irmandade e de um terreiro na Bahia que, em certos aspectos, se encaixam no modelo do autor, envolveram um número significativo de falantes de gbe, alguns com ligações à África Centro-Ocidental.6 Além disso, Ogundiran omite da sua argumentação a discussão sobre o Islã, uma religião poderosa e unificadora entre os iorubás e outros africanos no Brasil do século XIX.

O livro de Ogundiran é um feito notável e uma importante contribuição à literatura sobre a história e a cultura dos iorubás. Ter um único texto que narre de forma tão abrangente e perspicaz um período tão longo da história dos iorubás é muito valioso. O trabalho é simultaneamente um recurso e um guia para outros pesquisadores. Os especialistas podem debater interpretações de temas ou períodos específicos, mas no futuro poucos poderão ignorar a periodização de Ogundiran do passado profundo iorubá.

Uma última palavra sobre a linguagem. O autor tempera seu livro com provérbios iorubás e outros aforismos, que ele traduz para o inglês. Introduz frequente e deliciosamente o ditado iorubá mais preciso para expor ou sintetizar o cerne do que está a discutir. Ele também usa um vocabulário bastante contemporâneo. Termos tão familiares como “crise ecológica”, “vantagem tecnológica”, “capital intelectual”, “sistemas econômicos em rede” e “desigualdade perene” são centrais para a sua análise em partes essenciais da obra. Embora o autor não utilize a expressão “perda de fé no governo”, ele a insinua na discussão sobre o império de Ọ̀yọ́. Sua aposta na linguagem contemporânea ajudará os leitores do século XXI a se identificarem com os temas históricos que ele aborda. Torna o seu texto relevante para o mundo de hoje. Ao mesmo tempo, a utilização de terminologia contemporânea para interpretar processos antigos levanta questões sobre a língua e a tradução entre culturas e épocas. Se muito se ganha em usar o linguajar contemporâneo no primeiro plano, há também algo que se pode perder? Poderá a língua dos falantes de iorubá do passado ser traduzida de outra forma, e o que a diferença poderia nos ensinar?


Notas

1 The Association for the Study of the Worldwide African Diaspora (ASWAD), “ASWAD Book Series: The Yoruba: A New History”, Facebook https://www.facebook.com/watch/?v=824012981599386&ref=sharing.

2 Jean Lave e Etienne Wenger, Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation, Cambridge: Cambridge University Press, 1991; Etienne Wenger, Communities of Practice: Learning, Meaning, and Identity, Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

3 Toby Green, A Fistful of Shells: West Africa from the Rise of the Slave Trade to the Age of Revolution, Chicago: The University of Chicago Press, 2019.

4 Samuel Johnson, The History of the Yorubas: From the Earliest Time to the Beginning of the British Protectorate, Londres: Routledge & Kegan Paul, 1921.

5 David Eltis, “The Diaspora of Yoruba Speakers, 1650-1865: Dimensions and Implications” in Toyin Falola e Matt D. Childs (orgs.), The Yoruba Diaspora in the Atlantic World (Bloomington: Indiana University Press, 2004), pp. 30-34.

6 Luís Nicolau Parés, “Milicianos, barbeiros e traficantes numa irmandade católica de africanos minas e jejes (Bahia, 1770-1830)”, Tempo, n. 20 (2014), pp. 1-32 https://www.scielo.br/j/tem/a/BXkcQS7JswBSDQPfZBj8vyH/?format=html ; Lisa Earl Castillo, “O terreiro do Gantois: redes sociais e etnografia histórica no século XIX”, Revista de História, n. 176 (2017), pp. 1-57 https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/118842 ; e Castillo e Parés, “Marcelina da Silva: a NineteenthCentury Candomblé Priestess in Bahia (Brazil), Slavery and Abolition, n. 31 (2010), pp. 1-27 https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01440390903481639 .


Resenhista

Kristin Mann – Emory University.


Referências desta Resenha

OGUNDIRAN, Akinwumi. The Yorùbá: A New History. Bloomington, Indiana: Indiana University Press, 2020. Resenha de: MANN, Kristin. Uma nova história dos iorubás. Trad. da resenha Mariângela Nogueira. Afro-Ásia, n. 65, p. 673-685, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

Itamar Freitas

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