O estudo do tempo histórico (temporalidade) vem se modificando recentemente no campo da teoria e filosofia da história, como apontou Ethan Kleinberg em seu artigo Introduction: The New Metaphysics of Time, publicado em 2012. Após a publicação de Kleinberg, outros estudiosos tentaram mapear e demonstrar essas mudanças na temporalidade apontadas por ele, sendo o livro Rethinking Historical Time, New Approaches to Presentism organizado por Marek Tamm e Laurent Olivier uma resultante desta renovada forma de pensar a temporalidade. Publicado em 2019 pela Bloomsbury Academic, o livro é uma grande colaboração entre vários teóricos que desenvolveram seus capítulos e que foram organizados nessa unidade por Marek Tamm e Laurent Olivier.
Marek Tamm é professor de história cultural na Universidade de Tallinn na Estônia. Tamm é especialista em história medieval, possuindo ao todo sete livros publicados e inúmeros artigos. Laurent Olivier é um arqueólogo e professor universitário francês, curador chefe do departamento celta e gaulês do French National Museum of Archeology (MAN), sendo suas pesquisas recentes voltadas para a arqueologia do contemporâneo.
Rethinking Historical Time, New Approaches to Presentism é dividido em três partes, antecedida por uma introdução escrita por Marek Tamm e Laurent Olivier, e finalizada por uma conclusão escrita por Aleida Assmann. A primeira parte do livro, Presentism and the New Temporalities, tem como principal objetivo construir um arcabouço em relação às problemáticas que estão sendo apresentadas na teoria e filosofia da história recente em relação ao presentismo. Para isso, Tamm e Olivier reúnem quatro textos que exploram conceitos essenciais para o entendimento do presentismo.
A segunda parte do livro é chamada de Multiple Temporalities, composta por quatro textos que procuram estabelecer uma introdução em relação a concepção de temporalidades múltiplas que vem aparecendo na teoria e filosofia da história recente. Nestes textos o conceito da temporalidade múltipla é apresentado de diversas formas diferentes, como, por exemplo, na fotografia e, de maneira mais ampla, na política. A terceira e última parte do livro é denominada de Material Temporalities, ela também é composta por quatro textos e, como o título sugere, todos eles trazem a concepção material da temporalidade, isto é, a proposta dos quatro textos é definir e construir um panorama em relação à temporalidade e a como ela transborda para o meio material através do reflorestamento, das heranças materiais e até mesmo da morte.
Na primeira parte do texto, Presentism and New Temporalities, o primeiro texto apresentado por Olivier e Tamm é o Out of Time? Some Critical Reflections on François Hartog’s Presentism. Escrito por Chris Lorenz, introduz uma crítica em relação ao presentismo apresentado por François Hartog. De acordo com Lorenz, Hartog apresenta acidentalmente em seus textos dois tipos inconciliáveis de presentismos, o primeiro refere-se ao presente enquanto tal, contemporâneo, que se encaixa com a tradição moderna de história, sendo um tempo linear e progressivo, e no segundo que não é o contemporâneo, trata-se de um tempo ideal e analítico chamado por Hartog de regime de historicidade. As duas concepções de presentismo reverberam na questão da memória, segundo o autor. No presentismo, o passado e o futuro se tornam extensões do presente, apresentando uma falha nas características que predominam a concepção moderna de história, a questão da abertura e da direção. Desta forma, Lorenz apresenta a sua tese de um Hartog que constrói um presentismo que é a inversão do regime moderno de historicidade.
O segundo texto, denominado Return to Chronology, escrito por Helge Jordheim, propõe uma reconceitualização da dimensão entre o passado, presente e futuro de acordo com as demandas produzidas pelo regime de historicidade moderno. De acordo com Jordheim, a cronologia é a métrica do tempo, de forma que o conceito simboliza um tempo homogêneo, singular e quantificável, sendo utilizado como uma forma de controle na “virada temporal” (2019, p.44). Entretanto, Jordheim argumenta que essa concepção de cronologia não corresponde com a sua ideia. Segundo ele, a cronologia apresenta uma abertura para todas as formas de escala de tempo, diferentes daquelas contidas na concepção de tempo histórico desenvolvida na historiografia modernista e na experiência histórica. Em suma, Jordheim propõe uma retomada da cronologia contrária a concepção construída pela historiografia moderna, de forma que, a partir do conceito de antropoceno (deste presentismo que é resultante da emergência de um tempo em que o cataclisma ambiental começa a assombrar o presente, dado a presença humana como “agente geológico”) se abrem novas perspectivas de temporalidade.
O terceiro texto, Coming to Terms With The Present, Exploring The Chrononormativity of Historical Time, escrito por Victoria Fareld, procura construir um panorama em relação a posição dos historiadores em face ao presentismo, de forma que a função principal não é mais a reconstrução ou a aproximação mais precisa do que fora o passado, mas lidar com a presença desse passado no presente, sendo essa eterna presença responsável por construir uma consciência crítica do tempo, segundo a autora. De acordo com Fareld, o presentismo se comporta como a negação da alteridade, pois com a concepção de um passado presente, a tendência é que não seja mais possível historicizar o passado enquanto tal. Para exemplificar este confronto, a autora utiliza do debate gerado em torno da estátua de Cecil Rhodes, um escravagista patrono da Universidade da Cidade do Cabo. Nesta situação, ela discute as questões temporais que envolvem o movimento Rhodes Must Fall, apontando para as inter-relações construídas entre o que representa a estátua e o seu tempo através do conceito de crononormatividade.
No quarto e último texto da primeira parte do livro, Zoltán Boldizsár Simon procura demonstrar as mudanças eventuais e processuais que a temporalidade histórica tem passado. Em The Transformation of Historical Time, Processual and Eventual Temporalities, o autor resgata as origens da filosofia da história, sendo a prática uma forma processual da história que trabalha com a constante possibilidade de mudança nas relações humanas. Simon procura demonstrar que as sociedades ocidentais não detêm uma preocupação presentista para com o futuro, estabelecendo uma relação de forma contrária, em que a própria expectativa da sociedade para um futuro é baseada em um hoje com mudanças drásticas na condição humana, gerada por questões tecnológicas e, principalmente, ambientais (antropoceno), modificando assim as relações humanas com o passado, presente e futuro. Desta forma, Simon determina que a transformação do tempo histórico é resultante das mudanças em fator do tempo nas sociedades ocidentais, somada a temporalidade eventual que não fomenta a mudança, que gera uma quebra de expectativa no âmbito processual, sendo ambas as temporalidades (processual e eventual) históricas, pois carregam a efetividade da organização do tempo, mesmo em um mundo sem perspectiva de mudança terrena ou divina.
O primeiro texto apresentado por Tamm e Olivier na segunda parte do livro é Revolutionary Presence, Historicism and the Temporal Politics of the Moment, escrito por Hans Ruin. Nesse texto, o autor procura estabelecer como o tempo é representado em relação à história, de forma que o caráter objetivo seguido pela concepção cronológica dos eventos representa equivocadamente a condição temporal, assim como a condição humana enquanto indivíduos históricos, ou seja, é uma concepção equivocada da história. Para isso, o autor utiliza do conceito de Augenblick em face a dois horizontes epistemológicos diametralmente opostos, Heidegger e Walter Benjamin.
O segundo texto, escrito por Liisi Keedus, se chama Time Outside History, Politics and Ontology in Franz Rosenzweig’s and Mircea Eliade’s Reimagined Temporalities. Keedus, e vai até Rosenzweig e Eliade para analisar e observar a concepção de temporalidade que é construída fora da disciplina histórica. Segundo a autora, tanto Rosenzweig quanto Eliade criticam a visão que a existência humana é primordialmente histórica e determinada historicamente, procurando demonstrar através das suas experiências fora da reflexão da disciplina, construindo relações entre a ciência antropológica, estudo das religiões e a História como uma base para o desenvolvimento de uma temporalidade alternativa que comporta uma concepção ontológica diferente.
Johannes Grave escreve o terceiro texto da segunda parte. Pictoral temporality and Time of History, On Seeing Images and Experiencing Time, e procura compreender como se constrói a relação do tempo com o mundo material, essencialmente com as imagens. De acordo com o autor, tanto imagens quanto documentos dividem as mesmas características, o problema central é que os dois suportes representam a coisa que já não mais se encontra no espaço presente. Para Grave, os suportes são convidativos para que sejam repensados os tempos históricos, sendo eles exemplos de uma coisa que foi concebida no passado, mas que está ausente no presente ao mesmo tempo. Como exemplo, Grave utiliza de três teóricos, Frank Ankersmit, Walter Benjamin e Georges DidiHuberman.
O quarto texto dessa segunda parte é escrito por Anne Fuchs e leva o nome de Time as History in Twentieth-Century Photography. No texto anterior foi tratado das imagens em sentido amplo e, neste texto, Anne Fuchs direciona seu foco para as fotografias, especificamente para aquelas realizadas no século XX. A autora começa relatando como acontece a relação entre o tempo e a fotografia trazendo as perspectivas de Roland Barthes e Susan Sontag, que estabelecem a imagem fotográfica como um recipiente. Para contradizer esse prisma, a autora apresenta André Bazin que identifica a fotografia como uma forma de se embalsamar o tempo. Entretanto, a relação do tempo com a fotografia, em discussões mais recentes, segundo a autora, é definida a partir da noção de que a fotografia representa um complexo processo social que envolve agentes sincrônicos e diacrônicos que produzem sentidos e conexões que se interagem através do tempo.
A terceira e última parte do livro é introduzida a partir do texto Heritage and the Untimely, escrito por Torgeir Rinke Bangstad. Bangstad no início do texto deixa claro que a sua intenção é explorar a noção de tempo em relação a reconstrução e a restauração arquitetural no século XXI, sendo o caráter da pontualidade a ideia central para o desenvolvimento da reconstrução arquitetônica, além de ser extremamente importante para questões históricas relacionadas ao material, que contribui diretamente para a construção do tempo histórico, salientando a importância da materialidade que possui as memórias armazenadas em sua construção, levando a eventos passados que, de uma forma ou de outra, encontram seu caminho para o presente intempestivamente. Dessa forma, o autor introduz que a noção intempestiva (técnica da pontualidade na arquitetura) dessa memória armazenada na materialidade (objetos, construções) possui característica multitemporal.
O segundo texto é Death and Archeology in the Present, Tense, por Shannon Lee Dawdy. No texto, a autora procura demonstrar a relação da morte e da arqueologia com o tempo na contemporaneidade. Para isso, primeiramente, apresenta a noção de que a realidade contemporânea dos seres humanos é marcada pelo paradigma temporal descrito como “Anticipatory Bit-Time”, ou seja, uma sociedade arquivística que captura o tempo e o separa em pequenas frações, corroborando para uma vida baseada em um estado determinado a partir de um futuro próximo. A partir desta temporalidade da vida determinada pela “Bit-Time”, a autora apresenta a concepção contrária, a morte. Segundo ela, a morte contemporânea imbuída para a noção temporal “Bit-Time” é uma consequência da própria vida, ou seja, existe uma negação da morte com a prática funerária tradicional, que acaba quebrando as memórias em pequenos pedaços emoldurando-os e padronizando-os para servir ao futuro próximo. Entretanto, para a autora, existem alguns movimentos que apresentam resistência a esse regime temporal, sendo eles o DIY (do it yourself, faça você mesmo) Death e o enterro verde, ambos os exemplos apresentam resistência ao processo presentista e imediatista da morte padronizada e profissional no tempo da “Anticipatory Bit-Time”.
O terceiro e último texto é escrito por Caitlin DeSilvey e possui o título de Rewilding Time in the Vale do Côa. DeSilvey, a partir da prática do reflorestamento na região do Vale do Côa em Portugal, procura compreender como essa prática se estabelece e se forma através da temporalidade, ou seja, qual é a relação entre o reflorestamento e a temporalidade. De acordo com a autora, existem duas concepções temporais que envolvem o reflorestamento, a primeira sendo baseada em uma visão conservativa e até mesmo reacionária que é definida a partir da tentativa de retomada de um sistema ambiental estabelecido antes da ação humana, e a segunda uma visão radical que estaria interessada em reflorestar para possíveis futuros. Para a autora, reflorestar só pode se realizar através dessa concepção futura, não se limitando à restauração enquanto objetivo central, mas entendendo a conservação como uma prática especulativa e, até certo ponto, incerta, que se agarra e se realiza de acordo com a noção futura.
A conclusão do livro fica a conta de Aleida Assmann que apresenta o texto A Creed That Has Lost its Believers? Reconfiguring the Concepts of Time and History, que procura realizar um panorama geral sobre todos os assuntos tratados no livro, a alteridade do passado, a continuidade, escalas de tempo, a experiência histórica do tempo nas artes e as múltiplas temporalidades. Para isso, a autora começa introduzindo de forma direta a crise do regime de tempo vivenciada contemporaneamente. Segundo ela, as dimensões temporais não se comportam mais como antes, o passado não é mais uma dimensão distante do presente, e o presente agora se comporta como um ponto de transição, mudando completamente como elas se conectam, o que vem a ser os temas centrais dos textos apresentados no livro. Rethinking Historical Time, New Approaches to Presentism é uma colaboração imensa para o desenvolvimento da reflexão teórica filosófica que engloba a temporalidade nos dias de hoje. Marek Tamm e Laurent Olivier organizaram um livro introdutório para leigos no assunto e extremamente conceitual para estudiosos da área, isto é, todos os textos possuem um caráter introdutório para as novas mazelas que reconfiguram a reflexão histórica, entretanto, ao mesmo tempo, apresentam reflexões bastante aprofundadas que enriquecem o livro, tornando-o extremamente importante para se compreender as relações temporais que se estabelecem na contemporaneidade.
Referência
TAMM, Marek; OLIVIER, Laurent (Org.). Rethinking historical time: new approaches to presentism. Grã-Bretanha: Bloomsbury, 2019.
Resenhista
Thayran José Ramos – Graduado em História pela Unesp/Assis- SP e mestrando em História também pela Unesp/Assis-SP. Professor da Rede Pública do Estado de São Paulo. E-mail: thayran.ramos@unesp.br https://orcid.org/0000-0003-2011-5254
Referências desta Resenha
TAMM, Marek; OLIVIER, Laurent (Org.). Rethinking historical time: new approaches to presentism. Grã-Bretanha: Bloomsbury, 2019. Resenha de: RAMOS, Thayran José. O Presentismo e Suas Representações na Teoria da História Contemporânea. Faces da História. Assis, v. 9, n. 2, p. 325-330, jul./dez. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]
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