Reel bad arabs: how Hollywood vilifies a people | Jack G. Shaheen

Questões políticas geralmente influenciam o cinema, logo, desde o início do século XX, embates desta natureza são refletidos por esta indústria. Atualmente, acompanhamos a luta de alguns grupos por representatividade neste meio, assim, homossexuais, mulheres e negros, por exemplo, tem lutado por mais espaço e por uma representação digna em Hollywood. Dentre tais grupos podemos citar os árabes, e é justamente sobre a representação desta etnia que trata o livro intitulado Reel Bad Arabs: how Hollywood vilifies a people, de Jack G. Shaheen.

Nesta obra o autor defende que há quase um século são veiculadas imagens dos árabes como vilões no cinema, e que estas se tornaram tão prevalecentes e frequentes que os espectadores passaram a conceber os “árabes filmados” como os “árabes reais”. Logo, graças a este estereótipo, sentimentos e pensamentos foram manipulados, trazendo uma infinidade de consequências para os integrantes desta etnia na vida real.

Jack G. Shaheen foi um escritor e professor universitário, nascido em Pittsburgh e criado na Pensilvânia. Também foi consultor da CBS News sobre assuntos do Oriente Médio e professor emérito de Comunicação de Massa na Southern Illinois University em Edwardsville, nos Estados Unidos. Era descendente de imigrantes árabes e dedicou seus estudos ao racismo e orientalismo presentes na cultura popular, como fica aparente na sua lista de publicações através de títulos como Guilty: Hollywood’s Veredicton Arabs After 9/11 (2008) e The TV Arab (1984).

Ele deu inicio a pesquisa apresentada neste livro ainda nos anos 1980, coletando, procurando e analisando vídeos que mostrassem personagens árabes ou temas relacionados. Para isto, foram feitas pesquisas na internet; visitas a centros de pesquisa; consultas a guias de filmes, catálogos, textos sobre TV e Cinema, visitas a videolocadoras e lojas de garagem. Porém, Shaheen afirma que foi na TV onde encontrou a maior quantidade de material.

Em Reel Bad Arabs: how Hollywood vilifies a people estão listados mais de mil filmes pré-11 de setembro de 2001, em ordem alfabética, com cenas e diálogos específicos comentados, além de incluir sumários de cenários, listas de elenco e créditos de produção. Quase todas estas produções mostram imagens degradantes dos personagens árabes, utilizando uma fórmula que suprime sua humanidade enquanto eleva a dos personagens ocidentais, algumas vezes denegrindo também a imagem do Islã.

Segundo Shaheen, o árabe tem sido mostrado como o antagonista, o outro cultural, diferente e problemático, projetado por linhas raciais e religiosas que arraigaram este estereótipo no cinema, principalmente o norte-americano. Assim, o que vemos deste povo através dos produtos desta indústria são assassinos brutais, estupradores ou fanáticos religiosos. Sempre barbados, de turbante e óculos escuros, portando limusines, concubinas, poços de petróleo e camelos. Ou então brandindo uma arma, com “ódio nos olhos e Alá nos lábios”.

A origem deste estereótipo é traçada até as caricaturas europeias dos séculos XVIII e XIX. Neste período, artistas e escritores retratavam o Oriente Médio com vastos desertos; palácios; árabes muçulmanos, barbados e perigosos; vendedores trapaceiros e concubinas reféns em mercados de escravos. Estes aspectos se tornaram parte da cultura popular europeia, e com a criação do cinema, cineastas como George Méliès (1861-1938) perpetuaram este conjunto de características, que apesar de ter passado por algumas mudanças se manteve prejudicial para este povo.

Dentro do corpus documental analisado o autor conseguiu identificar cinco tipos básicos de árabe: vilões, donzelas, sheiks, egípcios e palestinos. Estes arquétipos surgem em vários gêneros cinematográficos e recebem especial atenção durante a análise. Segundo Shaheen não há um padrão rígido de representação destes tipos básicos, com alguns sendo mais ou menos ofensivos. No entanto, afirma que nossa atenção deve estar voltada justamente para o tipo de árabe ausente nestas produções, os “normais”, que pouco tem em comum com as imagens radicalizadas geralmente presentes nos filmes.

Considerando isto, o autor chama a atenção para os riscos da estereotipagem de um grupo específico, relembrando os ocorridos com negros e judeus e levando em conta o grande poder pedagógico e de influência da mídia atualmente. O problema não estaria necessariamente na representação do árabe como vilão, mas na frequência com que isto ocorre. Esta repetição de imagens negativas foi sustentada por gerações, o que resultou na taxação de um grupo de pessoas com características degradantes por mais de um século. Aponta como este é um problema peculiarmente presente nos EUA, o atual maior exportador de imagens do mundo, em grande parte graças a Hollywood.

Esta difusão de imagens negativas do povo árabe empreendida por Hollywood é denominada na obra como “Novo anti-semitismo”. O novo aqui não viria do fato da representação ruim do árabe ser novidade, nem pelo antissemitismo ter acabado, mas pelo fato dela ter crescido no último terço do século XX, quando caricaturas de outros grupos estavam sendo eliminadas do cinema. Assim, a encarnação do judeu como representante do mal e da depravação teria ganhado novas formas, com os árabes como novo alvo.

Alguns motivos considerados responsáveis pela manutenção deste estereótipo são apontados. O primeiro é que os cineastas, como a grande maioria das pessoas, formam suas opiniões a partir do que veem, leem e escutam na mídia, que foca na minoria de árabes radicais. Assim, eles acabam reproduzindo esta imagem ruim sem muita reflexão, esquecendo que a mídia foca os eventos extraordinários e relega os ordinários ao segundo plano.

Outro motivo seria que estereotipar facilita a vida de todos. Ao utilizar o estereótipo os integrantes da indústria cinematográfica não precisam pensar muito para criar piadas e vilões ou atingir grande audiência e retorno financeiro. Além disto, permite que as pessoas criem um senso de superioridade em relação a outro grupo, sem muita reflexão ou aprofundamento mental ou emocional.

Motivos políticos também são apontados. A imagem ruim do árabe em Hollywood ganhou um viés mais evidentemente político desde a fundação de Israel no território palestino. Daí em diante, com as guerras árabe-israelenses, sequestros de aviões e o embargo do petróleo em 1973, além da ascensão de Muammar Kadafi (1942-2011) na Líbia e do aiatolá Khomeini (1902-1989) no Irã, a imagem do árabe como “inimigo de Deus” ganhou força. Entre a década de 1980 e o inicio do século XXI esta imagem foi a que prevaleceu, especialmente durante a Primeira Intifada (1987-1993) e a invasão israelense no Líbano (1982), além do agravamento da crise com o Irã, que piorou o sentimento antiárabe, mesmo que os iranianos possuam, na verdade, ascendência persa.

Nos anos 1990 houve uma piora nesta situação graças à invasão iraquiana no Kuwait, que resultou na Guerra do Golfo (1990-1991), e aos ataques da Al-Qaeda dentro e fora dos EUA. Assim, o estereótipo do inimigo árabe foi sendo repetido, produzindo malentendidos e levando americanos a acreditarem que todos os árabes são terroristas, clones de Sadam Hussein (1937-2006) ou Osama Bin Laden (1957-2011).

Apesar de muitos cineastas tentarem ser profissionais e imparciais, alguns buscam promover agendas políticas relacionadas a estes embates. O conflito árabe-israelense, por exemplo, é apontado pelo autor como uma das razões para a falta de contestação do estereótipo árabe no cinema. Neste caso, chama a atenção especialmente para as conhecidas intervenções do Departamento de Defesa dos EUA em Hollywood, buscando defender seus interesses.

Shaheen também cita como a ausência de uma crítica mais incisiva por parte da indústria cinematográfica e de críticos profissionais contra tais estereótipos e o silêncio de elementos importantes na formação da opinião pública, como intelectuais e oficiais do governo, ajudam na perpetuação destas representações degradantes. Além disto, há a falta de posicionamento dos árabes como grupo e sua ausência na indústria cinematográfica, seja como atores ou gigantes da comunicação, somadas ao agravante dos poucos integrantes desta etnia presentes neste mercado ajudarem a perpetuar o estereótipo.

Porém, apesar de todo o cenário obscuro mostrado no decorrer do livro o autor demonstra otimismo. Afirma que dentre os filmes analisados, cerca de 5% mostram árabes comuns, além de apontar alguns cineastas ao redor do mundo, de ascendência árabe em sua maioria, que vem lutando contra esta estereotipagem. Assim, aponta algumas possíveis soluções e afirma estar esperançoso sobre a desconstrução destas imagens ruins no cinema.

Para quem pretende iniciar os estudos sobre a representação do árabe na indústria cinematográfica, esta obra é uma ótima indicação, graças à vasta quantidade de filmes listados e comentados rapidamente. Além disto, cumpre bem seu objetivo, que é analisar como os árabes são representados no cinema desde o nascimento deste, apontando tipos recorrentes de personagens e representações que levam a conclusão de que este povo tem sido mostrado através de imagens depreciativas.

Porém, com tantas fontes apontadas, obviamente não era de se esperar que o livro demonstrasse análises profundas de cada filme. Logo, o trabalho aqui resenhado se mostra como um ótimo catálogo, além de um bom estudo em série, útil para os interessados no assunto, porém, como um estudo deste tipo costuma ser, deixa a desejar quanto à profundidade analítica.

Concluindo, esta é uma obra indicada para interessados na área, iniciantes ou não, levando em conta os comentários feitos anteriormente. Um possível obstáculo para os leitores brasileiros pode ser o fato deste título não ter sido traduzido para português, porém, para quem já tem algum domínio da língua inglesa, a obra possui uma linguagem acessível, o que facilita a leitura. Ao fim, é um esforço e investimento válido para quem realmente se interessa pelo assunto.

Ainda assim, para aqueles cujo contato com o conteúdo deste trabalho ainda pareça impossível, é interessante saber que ele foi adaptado para um documentário em 2006, com o mesmo título. Este pode ser acessado no Youtube2, com legendas em português, intitulado Filmes Ruins, Árabes Malvados: como Hollywood vilificou um povo. Com isto, esperamos ter atraído interesse sobre esta obra, que busca denunciar a estereotipagem de um povo na ficção, com consequências ruins na vida real.


Nota

2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Im5qQ9s-ohA&t=1s. Último acesso em 15 de dezembro de 2017, às 00:01.


Referência

SHAHEEN, Jack G. Reel bad arabs: how Hollywood vilifies a people. Massachusetts: Olive Branch Press, 2015.


Resenhista

Andrey Augusto Ribeiro Santos – Mestrando pelo Programa de pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ). Email: andrey_long@hotmail.com


Referências desta Resenha

SHAHEEN, Jack G. Reel bad arabs: how Hollywood vilifies a people. Massachusetts: Olive Branch Press, 2015. Resenha de: SANTOS, Andrey Augusto Ribeiro. Tempos Históricos, v. 22, n.1, p. 515-519, 2018. Acessar publicação original [DR/JF]

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