Micro-Spatial Histories of Global Labour | C. G. De Vito e A. Gerritsen

Anne Gerritsen Imagem The Britsh Academy Global Labour
Anne Gerritsen | Imagem: The Britsh Academy

A obra “Micro-Spatial Histories of Global Labour” foi publicada pela editora londrina Palgrave Macmillan no ano de 2018, sob organização de Christian De Vito (pesquisador associado da Universidade de Leicester, Reino Unido) e Anne Gerritsen (professora vinculada ao Departamento de História da Universidade de Warwick, Reino Unido). Organizados em ordem cronológica, os doze textos – alguns em coautoria – foram escritos por historiadores e historiadoras de diferentes origens, sendo oito italianos, duas inglesas, um austríaco, um iraniano e uma autora grega. Tal publicação é essencial para pensarmos as relações e possibilidades de pesquisa envolvendo a história global e a micro-história sob temática do mundo do trabalho.

De Vito e Gerritsen abrem o prefácio com um episódio envolvendo a apresentação de Hans Medick, em Pequim, sobre uma remota aldeia suábia que tentava manter técnicas tecelãs e agrícolas dentro de sua comunidade. Os questionamentos levantados após o final da exposição acabaram por conectar a localidade na Alemanha com os estudos de padrão de desenvolvimento no delta de Yangtze, na região de Xangai. Ainda que inicialmente não houvesse a intenção de conectar Yangtze com a Alemanha, a metodologia micro-histórica empregada por Medick possibilitou integrações em uma perspectiva global. Dessa maneira, os autores mencionam que a partir de 2010, estudos que combinavam as abordagens micro e global começaram a ser empreendidos por uma série de pesquisadores dentro da história do trabalho, como aqueles produzidos por Francesca Trivellato, John-Paul Ghobrial e Lara Putnam.

A popularidade temática e metodológica motivou a organização de diferentes eventos que discutem tal junção – à exemplo daqueles propostos pelo Centro de História e Cultura Global da Universidade de Warwick que contaram com uma significativa parcela dos autores da publicação. Ao longo das 357 páginas do livro, há um conjunto de combinações entre as ferramentas de microanálise com uma abordagem espacial em nível global que buscam no excepcional formas de maiores compreensões sobre aquilo que não é perceptível em nível macro de análise.

No primeiro capítulo, Christian De Vito e Anne Gerritsen questionam a possibilidade de unir a micro-história e o global em um engajamento produtivo. Por isso, os autores apresentam algumas vantagens de tal combinação e propõem a utilização do termo “Micro-Spatial Histories” como forma de se referir a esta junção. A perspectiva micro espacial/micro translocal, de forma sincrônica e diacrônica, focaliza uma simultaneidade de espaços interconectados e distintos ao explorar a circulação de objetos, ideias, conhecimentos, informações e indivíduos. Conforme De Vito (2020), esta se caracteriza pela união de quatro características analíticas: 1. desconstrução de conceitos com pretensões universais e reconhecimento da singularidade de cada contexto e localidade; 2. investigação de tais especificidades por meio das conexões e redes que cruzam o local e o constroem; 3. compreensão dos contextos como zonas de contato que se unem de maneira diversa; 4. reflexão sobre a comparação como análise da dialética entre especificidade e conectividade.

Pesquisas como estas enfatizam as experiências de vida de diferentes indivíduos e grupos a partir de circulações transcontinentais ou até mesmo de circulações mais restritas, mas envolvidas por complexas trocas culturais. É possível notar que esta abordagem micro translocal não encara o global como um estudo de fenômenos em escala mundial, por isso o escopo cronológico permite o entrelaçamento de diferentes sistemas regionais que não necessariamente envolvem todo o planeta.

Em relação à história do trabalho, os autores defendem que a expansão temática e geográfica sobre interesses de pesquisa alteraram conceituações dentro desta área e a microhistória tende a ser uma proveitosa perspectiva de pesquisa. Marcel van der Linden (2013), por exemplo, aponta que pesquisas em história global do trabalho permitem abordar diferentes dinâmicas de espaço por meio de uma pluralidade de possibilidades de temas, como os estudos que analisam processos de trabalho conectados em diferentes locais por meio de cadeias globais de commodities (minérios, por exemplo); o transporte de trabalhadores que implicam no deslocamento de longas distâncias, como os marinheiros e estivadores; as experiências e relações entre trabalhadores de diferentes origens em um único país; o impacto de multinacionais e suas corporações ou o consumo de produtos produzidos por trabalhadores e as ações coletivas de caráter transnacional.

Nesse mesmo sentido, De Vito e Gerritsen propõem a superação da divisão local/global por meio do estudo de uma história espacial com interação microanalítica. Para os autores, a micro-história oferece contribuições para a história global a partir da contextualização e distinções históricas sobre o tempo e espaço, enquanto ela se beneficia de estudos globais por superarem certa tendência à limitação geográfica. Motivados por diferentes abordagens microhistóricas, como a própria micro-história translocal, os próximos capítulos discutem tal relação a partir de diferentes fontes e recortes temporais. Em “Moving Hands: Types and Scales of Labour Mobility in the Late Medieval Eastern Mediterranean (1200-1500 CE)”, Ekaterini Mitsiou e Johannes Preiser-Kapeller propõem a análise de rede para abordar como diferentes pessoas à longa distância estão conectadas. Os autores exploram o Mediterrâneo Oriental num período caracterizado pelas zonas sobrepostas de poder e comércio que aglutinavam diferentes etnias, religiões e idiomas sob foco nas mobilidades laborais do período pré-moderno. Um ponto positivo deste capítulo, é no que se refere ao foco em trajetórias individuais que exploram as possibilidades de interação entre a agência individual e as estruturas num contexto macro de percepção.

No terceiro capítulo, “Catholic Missions and Native Subaltern Workers: Connected Micro-Histories of Labour from India and Brazil, ca. 1545–1560“, Giuseppe Marcocci utiliza a abordagem micro espacial da história do trabalho para apontar conexões transcontinentais envolvendo as missões católicas e suas relações com os trabalhadores nativos de meados do século XVI na Índia e no Brasil. O autor então analisa tais relações dentro do Império Ultramarino Português a partir de quatro regiões: Goa e Chorão (Índia) e Salvador e Piratininga (Brasil), investigando as relações escravistas de indígenas e o papel do padre Manuel da Nóbrega a partir de um estudo de “vida global”, ou seja, uma biografia de um indivíduo cuja trajetória está marcada em diferentes partes do mundo. No quarto capítulo, “Prisoners of War, Captives or Slaves? The Christian Prisoners of Tunis and La Goleta in 1574″, Cecilia Tarruell parte para o estudo das formas de dependência e trabalho forçado na era moderna do Mediterrâneo. No entanto, o foco da autora está em uma abordagem prosopográfica, conhecida dentro dos estudos de micro-história, envolvendo um grupo de prisioneiros de guerra sob dominação otomana, das localidades de Tunis e La Goleta no ano de 1574, como forma de analisar culturas de dependência, tratamento de populações, distinções entre o caso mediterrâneo e outras localidades geográficas, além de propor uma análise sobre os limites do trabalho não livre.

No quinto capítulo, “Making the Place Work: Managing Labour in Early Modern China“, Anne Gerritsen pesquisa a produção de porcelana em Jingdezhen (China) e como a cidade se tornou uma importante localidade de manufaturas, explorando por meio de metodologias micro-históricas e espaciais, a organização do trabalho e as exportações do objeto pela Ásia, África, Oceano Índico e Europa. Em “Woollen Manufacturing in the Early Modern Mediterranean (1550–1630): Changing Labour Relations in a Commodity Chain”, Andrea Caracausi investiga a lã como um importante instrumento de compreensão da cadeia produtiva de tecelagem, combinando a micro-história com a análise de cadeia de mercadorias. O autor focaliza as formações de salários, pagamentos, relações de trabalho e as formas pelas quais os processos de mercantilização do trabalho uniram diferentes formas de trabalho, como o assalariado, forçado, não livre e independente. Christian De Vito, no sétimo capítulo intitulado “Connected Singularities: Convict Labour in Late Colonial Spanish America (1760s–1800)”, disserta sobre as experiências de trabalho de presidiários em Cuba e Malvinas na segunda metade do século XVIII. O pesquisador aprofunda a distinção de trabalho em cada localidade e como conexões foram estabelecidas graças ao transporte destes presidiários. Já no oitavo capítulo, “Keeping in Touch: Migrant Workers’ Trans-Local Ties in Early Modern Italy” Eleonora Canepari aborda os laços multilocais e as dimensões transnacionais de trabalhadores imigrantes, analisando uma série de registros que denotam relações de propriedade, parentesco e trocas econômicas. No nono capítulo, “Spatiality and the Mobility of Labour in PreUnification Italy (Eighteenth and Nineteenth Centuries)” Laura Di Fiore e Nicoletta Rolla procuram apresentar como diferentes atores construíram espaços translocais graças às mobilizações de trabalhadores da região de Turim, além de investigarem a relação destes com instituições estatais.

Touraj Atabaki em “Oil and Labour: The Pivotal Position of Persian Oil in the First World War and the Question of Transnational Labour Dependency” aborda o recrutamento de trabalhadores para áreas petrolíferas no Oriente Médio, após a Primeira Guerra Mundial. Ele pontua a contribuição da micro-história translocal como fundamental para identificar a dependência do trabalho nas fronteiras nacionais iranianas, como também para além delas. Nicola Pizzolato, em “On the Unwary and the Weak’: Fighting Peonage in Wartime United States: Connections, Categories, Scales“, explora o problema da representação política e cultural dentro de narrativas de modernização, assim como projetos políticos globais por meio de eventos locais, partindo do caso do trabalho não livre, em Oglethorpe, sul dos Estados Unidos no século XX. Por fim, no décimo segundo e último capítulo “From Traces to Carpets: Unravelling Labour Practices in the Mines of Sierra Leone”, Lorenzo D’Angelo se ampara na micro-história e na história transnacional para examinar práticas e acordos de trabalho entre mineradores de diamantes de Serra Leoa, levando em consideração uma pluralidade de atores sociais e historicizando tal conjunto de práticas.

O livro detém grande potencial dentro dos estudos globais do trabalho. O objetivo de De Vito em “espacializar” a micro-história, uma abordagem usualmente ligada às circulações de curta distância, contribui significativamente em pesquisas de empreendimento global. Os estudos sobre a circulação transnacional de ideias e informações, bem como os estudos das cadeias de mercadorias, fomentam a possibilidade de integrações e conexões sejam em longas ou curtas distâncias. Todavia, como apontado por De Vito, embora esses estudos insistam no estabelecimento de redes e trocas “parecem focar-se pouco nas diferenças existente entre os vários tipos de conexões, as distinções entre lugares ligados e os desequilíbrios de poder que caracterizam estes espaços e atores sociais que entram em relação entre si” (DE VITO, 2020, p. 109). Para superação deste problema, a translocalidade – ou micro espacialidade – se apresenta como uma útil ferramenta no sentido de unir as especificidades de cada lugar junto às estratégias e redes sociais dos indivíduos e grupos. A própria pesquisa do historiador sobre psiquiatria italiana do século XX, por exemplo, demonstra a potencialidade de tal abordagem, uma vez que ao invés deste se atentar somente para as características de ordem político-institucionais limitados às fronteiras, aborda a circulação de ideias nos variados espaços e práticas reformadoras tanto na Itália quanto fora dela, como Brasil, Holanda e Moçambique que acabaram por influenciar diretamente a conjuntura italiana (DE VITO, 2011). A variedade temporal, espacial e de fontes sobre a história do trabalho à luz de abordagens da micro-história nesta obra constroem definitivamente um empreendimento global sobre a temática.


Referências

DE VITO, Christian. G. I luoghi della psichiatria. Fireze: Polistampa, 2011.

DE VITO, Christian. G.; GERRITSEN, Anne. (orgs.), Micro-Spatial Histories of Global Labour. Cham: Palgrave Macmillan, 2018.

DE VITO, Christian G. “Por uma micro-história translocal (micro-spatial history).”, In KARSBURG, Alexandre & VENDRAME, Maira (org.). Micro-História. Um método em transformação. São Paulo: Letra e Voz, 2020: 101-120.

LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas: Editora da UNICAMP, 2013.


Resenhista

Nathan Henrique da Silva Lermen – Mestrando em História Global pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: lermen.nathan@gmail.com  https://orcid.org/0000-0002-2027-3298

Referências desta Resenha

DE VITO, C.G.; GERRITSEN, A. (Orgs.). Micro-Spatial Histories of Global Labour. Cham: Palgrave Macmillan, 2018. Resenha de: LERMEN, Nathan Henrique da Silva. Engajamentos entre a História Global do Trabalho e a micro-história translocal. Fronteiras- Revista Catarinense de História, n.39, p. 337-342, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

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