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Historiografia musicada – Resenha de Johnny Gomes (DEED-AL/UFS) sobre “Teoria da História IV – Acordes Historiográficos: Uma nova proposta para a teoria da história”, de José D’ Assunção Barros

José D’Assunção Barros | Imagem: A contrapelo

 

Resumo: Teoria da História Vol. IV, de José D’ Assunção Barros, como indicado no título, faz parte de uma coletânea que se propõe a discutir a Teoria da Ciência da História. Construído em sete capítulos (além da conclusão), o livro é publicado pela Editora Vozes e está em sua terceira edição. A meta de Barros é oferecer instrumento de análise teórica, partindo metaforicamente da estrutura e função dos acordes musicais para situar autores como Leopold von Ranke, Johann Gustav Droysen, Max Weber, Paul Ricoeur, Reinhart Koselleck e Kal Marx como grandes referências de orientação na história da formação historiadora.

Palavras-chave: Acorde musical, Teoria da História, Paradigmas historiográficos.

Musicized Historiography – Johnny Gomes’s review of Theory of History IV – Historiographic Chords: A new proposal for the theory of history”, by José D’Assunção Barros.

Abstract: “Theory of History Vol. IV, by José D’Assunção Barros, as indicated in the title, is part of a collection that aims to discuss the Theory of the Science of History. Built in seven chapters (in addition to the conclusion), the book is published by Editora Vozes and is in its third edition. Barros’ goal is to offer a theoretical analysis tool, metaphorically starting from the structure and function of musical chords to situate authors such as Leopold von Ranke, Johann Gustav Droysen, Max Weber, Paul Ricoeur, Reinhart Koselleck, and Karl Marx as great references for guidance in the history of the formation of historians.

Keywords: Musical chord, Theory of History, Historiographic paradigms.”


José D’Assunção Barros é professor do departamento de história da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A série “Teoria da História” faz parte de seus mais importantes trabalhos, entre os quais estão artigos e ensaios nas áreas de História da Arte, História da Música, Literatura e Cinema. Por ser também um musicólogo brasileiro, os pressupostos e conceitos musicais vão permear a sua obra, especialmente nesse Volume IV.

No capítulo primeiro – “Uma metáfora musical para a historiografia” –, o autor declara que “Teoria dos Acordes” também traduz “paradigmas/escolas”, ou seja, é um “modelo” de entendimento. Ele afirma que as ideias de paradigmas e escolas, quando aplicadas à historiografia, servem para aproximar e/ou contrastar o trabalho dos historiadores. O conceito de paradigma é útil, porém as obras dos historiadores são únicas. Seu objetivo fundamental é discutir o uso dos “paradigmas” a fim de analisar as obras para que estas não percam suas respectivas complexidades.

Os elementos importantes para a compreensão do seu texto são as definições conceituais de Identidade Teórica (ITE) e Identidade Histórica (IH) e a definição de Historiografia: “modalidade da história que toma como “fontes históricas” as próprias produções dos historiadores. O autor deixa claro que entende os humanos como seres complexos, mutáveis, ambíguos e incoerentes.

A utilização dos “Acordes” para entender determinado autor tende a apresentar um caminho para (1) evitar uma classificação simples, (2) conceber um pensamento historiográfico como movimento e (3) assimilar contradições, incoerências e discrepâncias. Com essa tarefa, os “acordes musicais” ganham o nome de “Acordes historiográficos”, uma ferramenta “para evidenciar o fato de que nenhum paradigma é intelectualmente habitado por pensadores inteiramente homogêneos entre si” (p.29.). Além disso, ele afirma que dentro do historicismo do século XIX não existe um pensamento homogêneo.

No segundo capítulo – “Ranke: possibilidades de um realismo historicista” –, o autor analisa a obra de Leopold Von Ranke, fundador da Escola Alemã e famoso historicista do século XIX. A nota mais grave (a que mais se destaca) de Ranke é a metodologia, que foi base para outros historicistas. Este acorde historiográfico reforçou o caráter científico dos trabalhos de historiadores que lhe seguiram. Seu movimento permitiu criar bases sólidas para o tratamento das fontes históricas com rigor necessário, fazendo surgir o que chamamos de “crítica documental”, sistematizada sob perguntas que envolvem: autoria, sinceridade autoral, exatidão, coerência, circunstâncias de produção da fonte, restituição, proveniência, transmissão e escrita voluntária e/ou involuntária do depoimento.

A partir desta sistemática, o autor discorre sobre as consequências historiográficas da crítica, afirmando que “Ranke enxerga a realidade histórica de maneira plural: não mais uma História única, universal, que relata a caminhada da razão em direção a liberdade, mas sim uma História múltipla relativa às diversas nações.” (p.53). A partir de então, é reforçada a tendência de escrever histórias nacionais.

No terceiro capítulo – “Droysen: os desdobramentos relativistas do Historicismo” –, o autor destaca um contemporâneo de Ranke, o Johann Gustav Droysen. Droysen escreveu Historik e está associado à “virada relativista do Historicismo” (p. 59). O autor destaca que mesmo na utilização dos “acordes historiográficos” a situação social em que os trabalhos são escritos pode se apresentar como uma força para manter o “padrão de narratividade histórica”.

A partir dos estudos de Droysen, é possível perceber que a historiografia oitocentista, caracterizada pela História Política, carece de novas interpretações, figurando-se como um marcador de “velha história”.  Droysen se preocupa com uma história problematizadora e reflete sobre a prática historiográfica. Prega uma  história aberta, que não se resuma à narrativa definitiva dos acontecimentos, pondo o historiador distante da figura de “um cultuador da história factual”, embora não “avesso à necessidade de construir uma história problematizadora”.(p.63) Sua nota mais óbvia é o acorde historiográfico de que o modelo historicista assegura três itens paradoxais: (1) a singularidade do objeto histórico, (2) a especificidade da história no seio das ciências humanas e do pensamento científico e (3) a historicidade do próprio historiador.

No quarto capítulo – “Max Weber: a harmonização de paradigmas conflitantes” –, o autor analisa a produção de Weber, sociólogo que trabalhou com as temáticas históricas. Inicialmente, o autor situa Weber em posição intermediária entre o “cientificismo de cunho tendente ao Positivismo” e o “historicismo com uma posição relativista”. O “acorde-Weber” pode ser pensado como uma superposição de duas notas: a positivista e a historicista. Sua “nota de topo”, a que mais se destaca, é a influência da filosofia neokantiana com a apropriação da diferença entre “fatos” e valores (p. 85). Ele também é caracterizado pela proximidade com ideia de “neutralidade ética”, transformada em “dever elementar de autocontrole científico.” (p. 86).

O autor compreende ITE de Weber como a “nota historicista” mais intensa e a “nota positivista” mais discreta. (p.86). O autor também discorre sobre as soluções apontadas para os problemas de objetividade e subjetividade, no que diz respeito à produção do conhecimento nas ciências humanas, deixando em aberto a análise da eficácia dos métodos weberianos.

No quinto capítulo – “Paul Ricoeur: a ‘consonância dissonante’: Encontros entre Historicismo, Hermenêutica e Fenomenologia” –, o autor afirma que Ricoeur produziu seus textos entre as últimas décadas do século XX e os primeiros anos do século XXI. Para fins de análise do “acorde teórico”, o autor também utilizou os pressupostos de Reinhart Koselleck (1923-2006), que investigou o “tempo histórico”.

O repertório de Ricoeur traz as categorias de “tempo”, “narrativa” e “memória”. Ele elabora um repertório de Filosofia que tem como temática central a História. Sua ITE é construída a partir de diálogos com diversos autores, diferente dos anteriores por causa da sua multiplicidade: “não estamos diante de um autor monódico como Ranke ou um pensador de trajetória cumulativa como Max Weber.” (p.108). Ricoeur foi criativo e incorporou perspectivas variadas em suas reflexões.

Paul Ricoeur | Imagem: Tresando

As influências existencialistas fazem parte do acorde teórico de Ricoeur, que lida com essa questão a partir de diversos autores. O filósofo francês se situa entre a defesa da objetividade e subjetividade na interpretação histórica dos textos, trazendo reflexões que impactam inclusive nos apontamentos historiográficos construídos pela Escola dos Annales. A nota fundamental do seu “acorde teórico” é a Hermenêutica. Ricoeur trabalha com a ideia de mimese, classificada em três tipos:  (1) prefiguração do campo prático, (2) configuração textual e (3) refiguração na recepção da obra. Esse esquema permite que a Hermenêutica não se interesse pelo texto isolado, incorporando uma “nota fenomenológica”, se ocupando especificamente pelos fenômenos que “aparecem à consciência humana”.

No sexto capítulo – “Koselleck: o Historicismo e o enigma das temporalidades” –, o alemão Koselleck é classificado como historicista e defensor da ideia de que toda História é História do tempo presente. Seu acorde teórico é definido como História Conceitual, onde Koselleck figura como um dos fundadores. Barros indica que as palavras, especialmente os conceitos, têm uma história. Os historiadores lidam com os conceitos de forma simultânea: os da época passada e os da sua própria atividade historiográfica.

Outra nota no acorde teórico de Koselleck é o estudo de “Tempo” e “temporalidade”. Nesse ponto, ele busca reconstruir o passado a partir das problematizações geradas na atualidade, entendendo e reproduzindo a proposta dos Annales, mas também ressignificando o Passado (tido como campo da experiência) e o Futuro (tido como campo das expectativas). Do mesmo modo que outros historiadores mais recentes, Koselleck compreende o tempo como construção humana (coletiva e individual) e o tempo histórico como elemento estabelecido pela tensão entre expectativa e experiência.

No sétimo capítulo – “Karl Marx: a análise histórica a serviço de uma causa” –, Marx e Friedrich Engels são tomados como inauguradores d materialismo histórico, onde a história é analisada pelo viés da luta de classes e ganha a forma de um Historicismo radical. O seu mega acorde teórico é o próprio materialismo histórico. A sua nota, o socialismo, não é uma meta, mas um destino da humanidade. O proletariado teria a missão de conduzir a história ao advento do socialismo, sendo essa a teleologia do seu acorde.

O diálogo de Marx com Engels figura como uma das principais notas do acorde teórico do primeiro filósofo. Desse momento em diante, ocorre uma interseção entre o mundo do trabalho industrial, a Filosofia e a Economia. É necessário pontuar que há cisões e descontinuidades nas obras de Marx, que foram negadas e/ou aperfeiçoadas em estudos posteriores.

Nas conclusões da obra – “Por que uma “análise acórdica” da historiografia” –, Barros retoma a ideia defendida na introdução, discorrendo sobre a “pós-modernidade”. Considerando que os indivíduos, no seu dia a dia, vivenciam diversas identidades, grupos e valores, ele questiona: como é possível sustentar a ideia de um paradigma fechado, excludente e homogeneizador? Classificar um historiador qualquer, como qualquer coisa é colocar em xeque a eficácia do próprio processo historiográfico. A metáfora dos “acordes teóricos”, Barros sintetiza, é uma tentativa de (1) buscar a complexidade de um autor, (2) perceber as mudanças no decorrer de suas trajetórias, (3) verificar as fronteiras nas concordâncias ou não nas ideias dos autores, (4) verificar as redes interautoriais e (5) ultrapassar os limites dos possíveis paradigmas.

Após esta síntese, podemos apresentar alguns comentários avaliativos que emergiram durante a leitura. Em termos positivos, reconhecemos que, apesar de denso, o texto é coerente e objetivo. É também didático, reflexivo e não apresenta passagens que angustiem o leitor. Assim, Barros contribui para minimizar uma grande dificuldade enfrentada pelos pesquisadores nas áreas das humanidades: a “cobrança” pela definição da Identidade Teórica (ITE) e da Identidade Histórica (IH). Trata-se de um texto importante para a melhoria de entendimento das dinâmicas da produção historiográfica ao longo do tempo. Seu recorte abarca os principais contribuintes para o processo de entendimento da “Teoria da História” e configura uma excelente indicação de bibliografia para nortear trabalhos de historiadores.

Por outro lado, também reconhecemos que o texto faz referências a obras anteriores da mesma coleção, gerando um problema: a ausência de remissivas explícitas sobre como aprofundar determinadas passagens deste livro quatro, empregando os outros volumes da coleção. Também falta no livro uma organização diacrônica dos historiadores citados e, principalmente, definições didáticas sobre os conceitos musicais empregados na abordagem para que o leigo em música possa compreender a profundidade das relações estabelecidas pelo autor entre a matéria musical e a Historiografia.

Declaramos, por fim, que a leitura da obra pode ser bastante proveitosa para estudantes e pesquisadores na área da historiografia e nas humanidades de forma geral. Assim o fazemos, também, porque o autor reconhece a dificuldade de inserir historiadores em um quadro conceitual único, apresentando os “acordes teóricos” como um exercício experimental, uma maneira de refletir sobre as complexidades dos autores e das suas obras.


Sumário Teoria da História IV – Acordes Historiográficos – Uma nova proposta para a teoria da história

  • Uma metáfora musical para a historiografia.
    • Introdução.
    • A título de exemplo: “o Acorde de Walter Benjamin”
    • Plano de Análise: motivações para nossas escolhas.
  • Ranke: possibilidades de um realismo historicista
  • Droysen: os desdobramentos relativistas do Historicismo
  • Max Weber: a harmonização dos paradigmas conflitantes.
  • Paul Ricoeur: a “consonância dissonante” – Encontros entre Historicismo, Hermenêutica e Fenomenologia.
  • Koselleck: o Historicismo e o enigma das temporalidades.
  • Karl Marx: a análise histórica a serviço de uma causa.
  • Conclusão: Por que uma “análise acórdão” da historiografia?
  • Referências.
  • Fontes citadas
  • Bibliografia Citada
  • Índice onomástico
  • Índice remissivo

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Johnny Gomes é professor da Secretaria de Educação – SEDUC/AL e aluno do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Publicou, entre outros trabalhos, Cinema e Didática: proposta de sensibilização a partir da obra “Vida Maria” (2007). ID Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8051279606440569;  ID Orcid. https://orcid.org/0000-0002-6676-894X. Instagram: gomesjohnny; Email: johnnygomes83@gmail.com.


Para citar essa resenha

BARROS, José D’Assunção. Teoria da Hitória – Vol. IV: Acordes historiográficos – Uma nova proposta para a Teoria da História. Petrópolis: Vozes, 2015. 447p. Resenha de: GOMES, Jonny. Historiografia musicada. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.9, jan./fev., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/historiografia-musicada-resenha-de-teoria-da-historia-iv-acordes-historiograficos-uma-nova-proposta-para-a-teoria-da-historia-de-jose-d-assuncao-barro/>. DOI: 10.29327/254374.3.9-2

Itamar Freitas

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Itamar Freitas

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