José Dirceu de Oliveira e Silva, nascido em 16 de março de 1946, na cidade mineira de Passa Quatro, graduado em Direito pela PUC-SP, ex-ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, é o autor da obra aqui resenhada, intitulada: Zé Dirceu memórias Volume I, que fora escrita ao longo de 2018, enquanto estivera preso no Complexo Médico-Penal, de Pinhais, em Região Metropolitana de Curitiba. Com efeito, por si só, seu nome atrai olhares curiosos e atenções midiáticas, sejam de simpatizantes à sua trajetória de vida, sejam de críticos.
José Dirceu, como um político e personagem social recente da vida política brasileira, atinge sua significância ao relatar em sua obra momentos marcantes de atuação, de particular relevância para compreensão de seu trajeto em momentos chave da história do Brasil, como por exemplo, sua luta no movimento estudantil no enfrentamento à ditadura civil-militar (1964 – 1985), seu exílio em Cuba (1969-1974) com direito a relatos dos encontros com Fidel Castro, a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980, a elaboração da Constituição entre os anos 1987 e 1988, o movimento “Fora Collor” em 1991, e a queda por impeachment do ex-presidente em 1992, a chegada do PT ao poder com Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) na presidência (2002-2010), o escândalo do mensalão em 2005 e a recepção do mesmo pela mídia.
Logo, na introdução da obra, José Dirceu advoga: “[…] não escrevo para me defender, mas para testemunhar sobre uma época e contar as aventuras de várias gerações que, nos últimos cinquenta anos, decidiram escalar os céus” (DIRCEU, 2018, p. 19). Tecida em longos 35 capítulos, num total de 496 páginas, a escrita das memórias, com tom narrativo dos personagens e acontecimentos, volta-se a recordar com detalhes profundos sua vivência política, em experiência de vida que se mescla à própria história do Brasil recente (LEMOS, 2019). Dirceu faz questão de expor a todo momento seu engajamento militante, sua luta pela democracia e pelos direitos sócio-políticos, mas também consegue ser crítico aos aliados políticos, especialmente aos do PT e à esquerda, ainda que algumas das queixas expostas, muitas vezes, tomem caráter de melancolia e ressentimento. A questão que fica, é que José Dirceu, surge na obra, como “filho” do Brasil e personagem público da história política brasileira recente.
Faz-se mister sintetizar que, José Dirceu, apresenta uma visão única e subjetiva dos acontecimento histórico-políticos, particulares à própria produção de uma autobiografia também, e mais ainda, de um livro de memórias, em que o autor desenha os fatos à sua condição narrativa. Contudo, quando transposto ao pensar historiográfico, os relatos narrados adquirem força de experiência, nesse sentido, ele postula em pontos particulares visões histórias do Brasil, a título de exemplo, quando afirma: “A república Velha, apesar das revoltas e revoluções fracassadas, foi um simulacro de democracia. Quando não vivíamos sob Estado de Sítio, vivíamos sob uma ditadura. Foi assim de 1937 a 1945 e novamente, de 1964 a 1985” (DIRCEU, 2018, p. 35).
“Percorrendo” as lembranças de Zé Dirceu, no oitavo capítulo – Exílio em Cuba, ele narra com detalhes o combate dos militares no Brasil ao movimento estudantil, e, concomitantemente, as pretensas razões de sua escolha por Cuba, e por sua permanência no país entre 1969-1974. Na verdade, pois, torna-se este, assim, um dos pontos mais dinâmicos da leitura ao longo do livro, em que narra, por exemplo, os encontros com o intelectual Alfredo Guevara (1925-2013) e com o político e revolucionário Fidel Castro (1926-2016). Não obstante, ele vai recordar, dizendo: “Cuba era a revolução da nossa geração, o primeiro território livre da América, exemplo de tomada de poder por meio da guerrilha. […] era um símbolo e as figuras de Fidel, Che Guevara e Camilo Cienfuegos dominavam nossa imaginação” (DIRCEU, 2018, p. 101).
No décimo quinto capítulo – O bloco do eu sozinho: O PT rejeita a conciliação por cima, insiste nas Diretas Já e se isola, trata de compor o cenário histórico-político que envolvia o momento, em que diz: “Um poderoso momento social se consolida com a criação da CUT e do MST e depois com a aproximação e filiações da Contag na CUT, da adesão do PCdoB e de facções do PCB” (DIRCEU, 2018, p. 204). Ao mesmo tempo, não deve deixar de ser dito, em que há, contudo, um movimento de institucionalização e burocratização do partido ao fim da década de 1980 (GARCIA, 2008). José Dirceu, entretanto, em sua narrativa, concede força à outro aspecto, ao tratar de consolidar a imagem do PT enquanto partido de maior força em mobilizar a grande “massa” dos trabalhadores, líderes de movimentos sociais, e intelectuais em geral. Sintomático é que, a articulação dentro de um mesmo partido, com indivíduos de origens e classes distintas, como exemplo destaca que pelo PT, vão assinar a Constituição Cidadã de 1988, nomes como: Benedita da Silva (RJ), Eduardo Jorge (SP), Florestan Fernandes (SP), Luiz Inácio Lula da Silva (SP), Olívio Dutra (RS).
Com efeito, um dos pontos de destaque maior na leitura, como não poderia deixar de ser, é quanto ao momento do texto que o político petista elabora uma análise do processo do Escândalo do mensalão, envolvendo altos membros da cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT), inclusive ele próprio, além de integrantes do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Democratas (DEM), Trabalhista Brasileiro (PTB), e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atual MDB (Movimento Democrático Brasileiro), desde 2017. Dirceu, nesse ponto, recorda os momentos antes de sua demissão, e no mesmo espírito, indica melancólica mágoa em sua saída do governo.
Não obstante, já caminhando ao fim da obra, já no trigésimo terceiro capítulo – O papel do jornal, José Dirceu coloca-se a refletir e criticar o papel exercido pelo jornal Folha de S. Paulo, durante e posterior, à crise do mensalão. Para tanto, a fim de valer (e justificar) sua argumentação, ele diz: “[…] os jornalistas […] majoritariamente, atuavam como a voz e a vontade dos donos dos grandes jornais e das redes de rádio e televisão, modelando uma ‘opinião pública’ radicalizada por eles, contra o ‘chefe do Mensalão’ ”(DIRCEU, 2018, p. 436).
Em suma, em uma auto avaliação pessoal de sua atuação político-social, Dirceu reúne e organiza uma escrita direcionada a simpatizantes, acadêmicos e interessados em sua vida pessoal e pública, posto que, sendo ele um personagem político de alta relevância da história do Brasil, participando ativamente de acontecimentos e etapas marcantes, permite que o leitor tenha, através de sua vivência, uma visão da própria história recente brasileira e da América Latina. Contudo, embora dito por ele próprio, na introdução da obra aqui resenhada, que não havia a intenção de fazer uma autodefesa de si, é inegável que ao longo da leitura, surja sua justificação, ainda que indireta, dos seus atos, alianças e caminhos realizados através dos acontecimentos públicos.
Em tempo, ainda, este gênero de escrita, um texto de memórias, de perspectiva literária, bem como as autobiografias e biografias, constituem-se em caráter único de existência, mostrando serem potencialidades a ser instrumentalizadas no olhar historiográfico, ainda que, feitas as ressalvas de sua composição, essencialmente subjetivas, expondo as relações do indivíduo com a própria sociedade. O levantamento das memórias de José Dirceu conduzem os leitores a dialogar e refletir sobre a própria história do Brasil do século 20 e início do 21, com reforço especial dedicado à ditadura civil-militar e ao processo de ascensão e queda do PT ao poder federal.
Referências
DIRCEU, José. Zé Dirceu Memórias. Vol. 1. São Paulo: Geração Editorial, 2018.
GARCIA, Cyro. Partido dos trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença à sustentação da ordem. 2008. 197f. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói – RJ, 2008.
LEMOS, D. DE S. As Memórias de José Dirceu, o Maquiavel petista. In: Revista Espaço Acadêmico. Vol. 18, n. 215, p. 83 – 87, 2019.
Resenhista
Fernando Tadeu Germinatti – Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil. E-mail: germinattifer@outlook.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7711-5875
Referências desta Resenha
DIRCEU, José. Zé Dirceu Memórias. Vol. I. São Paulo: Geração Editorial, 2018. Resenha de: GERMINATTI, Fernando Tadeu. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.22, n.40, p.198-201, jul./dez. 2020. Acessar publicação original [DR]
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