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Work in hand: script, print, and writing, 1690-1840 | Aileen Douglas

Jackie Lynam (esquerda), Emma Donoghue e Aillen Dougas (direita) em Dublin, 2016 | Foto: Trinity College Dublin

Situado na confluência dos estudos de História Cultural, Literatura, Educação e Comunicação, Work in hand é uma série temática de estudos de caso assinada por Aileen Douglas, professora da Universidade de Dublin, na Irlanda, especializada em literatura inglesa do século XVIII. Neste livro, Douglas examina diversas instâncias da sobrevivência das práticas manuscritas ao longo do período de 1690 a 1840 no Império Britânico – uma época em que historicamente já prevaleciam a tipografia e o livro impresso. Este recorte tão específico do objeto pode dar a impressão de que se trata de uma obra de interesse único para historiadores ou especialistas em literatura inglesa daquele período, porém a autora constrói ao longo de sete capítulos um amplo painel da transformação de práticas literárias e comunicacionais que não só delineia o fundamento de muitos procedimentos ainda em voga mas também ajuda a compreender os alicerces de alguns postulados educacionais, informacionais e textuais que ocasionalmente ressurgem até mesmo no meio acadêmico.

O livro começa por uma historiografia das abordagens eruditas da caligrafia, desde um ensaio seminal de Daniel Defoe de 1726 até a moda, no século XVIII, da Grafologia, hoje considerada uma pseudociência, que a partir das teorias de autores de então como Johan Kaspar Lavater defendia que é possível descrever a personalidade de uma pessoa a partir de sua maneira de desenhar as letras no papel. Aileen Douglas vê nos conceitos desta época, por exemplo, a origem de práticas contemporâneas como o fetiche por autógrafos e a aura de autoridade, ainda hoje oficial, conferida às assinaturas de documentos. A propósito, é especialmente interessante, inclusive para historiadores da Comunicação, o levantamento da autora para a multiplicação de fac-símiles, entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Trata-se da reprodução, em meio impresso, da apresentação gráfica de documentos manuscritos, como cartas e rascunhos de escritores. Criados em um período no qual não haviam ainda surgido as tecnologias de reprodução fotográfica ou heliográfica, os fac-símiles envolviam o trabalho minucioso de uma categoria profissional hoje praticamente extinta, a dos gravadores, e inclusive eram motivo de tensão entre os especialistas em caligrafia, os “writing masters”, e os gravadores, ou “engravers” (DOUGLAS, 2017, p. 36).

A autora também historiografa o surgimento e consolidação da “round hand” inglesa, a última de uma série de tipologias caligráficas europeias, ainda hoje ensinada nas escolas e quase universalmente identificada como a letra cursiva por excelência. Douglas detalha, por exemplo, como este estilo manuscrito em particular permaneceu durante anos, e até recentemente, como requisito oficial para averbações em documentos. Importante para historiadores sociais é a reconstituição documental das discussões, na Inglaterra vitoriana, sobre a conveniência ou não de ensinar caligrafia às crianças de classes menos abastadas. Uma das opiniões, na época, era que as classes trabalhadoras deviam aprender apenas letra cursiva para aplicação comercial, evitando tipos floreados, vistos como pertencentes a um segmento mais nobre. É na análise destes incidentes históricos que Douglas mobiliza, também, referências a Michel Foucault e, mesmo, Antonio Gramsci.

Work in hand também investiga casos específicos de autores cuja produção foi marcada, em uma instância ou outra, pelo diálogo com as práticas caligráficas e manuscritas. É o caso de William Blake (DOUGLAS, 2017, p. 123), o poeta que desenvolveu uma técnica própria para desenhar diretamente nas chapas de gravação, e cuja obra é tanto visual quanto verbal. O livro também traz um estudo de caso sobre Samuel Johnson (DOUGLAS, 2017, p. 103), celebrado autor e ensaísta inglês cujo legado foi, curiosamente, reexaminado após a divulgação póstuma de fac-símiles e informações biográficas nas quais se pôde observar que o estilo altamente academicista e formal do escritor contrastava dramaticamente com um processo criativo marcado por numerosos conflitos e revisões. Outro dos estudos de caso é sobre a romancista britânica do século XIX Maria Edgeworth, em cujos trabalhos Douglas analisa uma preocupação com a mobilidade social que se expressa, muitas vezes, em termos de práticas textuais e caligráficas dos personagens, os quais incluem vilões escriturários, aspirantes a escritores e damas de sociedade vitimadas pela divulgação de cartas confidenciais. A partir de uma análise da correspondência pessoal de Edgeworth, inclusive, o ensaio aponta que esta autora tinha receio de que a divulgação de seu intercâmbio postal com familiares e amigos terminasse sendo divulgado impropriamente e causando embaraços – uma preocupação vitoriana que preconiza discussões muito presentes na sociedade de informação do século 21.

O último dos estudos biográficos apresentados em Work in hand é uma análise das posições de Joseph Barker, um pastor metodista e reformador que esteve no centro de um debate pela universalização do ensino. Douglas acompanha a discussão sobre as “Sunday schools” (DOUGLAS, 2017, p. 180), as escolas semanais mantidas por instituições religiosas, a respeito das quais havia amplo debate sobre se deveriam ensinar caligrafia e escrita ou não. Defensores de um ensino laico alegavam que não cabia às instituições religiosas alfabetizar jovens; aristocratas preocupados em prevenir greves e agitações sociais defendiam que às classes trabalhadoras não fossem ensinadas práticas que pudessem ensejar a formação de visões de mundo mais críticas. Douglas aponta que muitos destes debates, embora aparentemente datados, são marcados pela simplificação de pontos de vista e também pelo interesse de classe, motivações que se torna importante tomar conhecimento historicamente, uma vez que embasam temáticas e pautas que costumam reemergir em discussões sobre Educação e mesmo políticas públicas.

A análise das políticas de ensino dos séculos XVIII ao XIX à luz das práticas caligráficas permeia todo o livro, embora ganhe relevância no capítulo final. São interessantes alguns detalhes como a reconstituição de um recurso que se multiplicou no século XVIII, os manuais de grafia, que ensinavam alunos através da repetição, inclusive induzindo práticas de postura e gestualidade – o que Douglas analisa à luz de teorias de Foucault. Um ensaio também historiografa o chamado Madras System, método de educação em massa concebido para as colônias britânicas na Índia que empregava a escrita na areia para fins de economia de recursos – fundamento de uma prática de treino para grafia cursiva ainda hoje utilizada por escolas fundamentais no Brasil.

Um único senão em Work in hand é um problema que costuma assolar outras obras acadêmicas. Trata-se de um título que condensa anos de trabalho de sua autora, e constituído pela reunião de ensaios temáticos. Embora exista a coerência que é própria de uma trajetória acadêmica pessoal, nem todos os capítulos, elaborados a partir da compilação de artigos científicos e pesquisas específicas, apresentam um encadeamento muito nítido. Neste sentido, a principal articulação teórica acontece na Introdução e no fechamento do livro. Ainda assim, o todo é suficientemente coeso para justificar a inclusão do volume na coleção de Perspectivas Textuais da Oxford Press, dedicada, justamente, à expansão das discussões sobre texto e suas relações com a materialidade e recepção (DOUGLAS, 2017, p. V).

Mais do que constituir-se em um exercício de erudição ou historiografia específica, Work in hand funciona, assim, como fonte de consulta em múltiplos níveis e para uma variedade de áreas. Em grande parte, é uma obra de interesse para a História Social. Porém, igualmente possui relevância para estudiosos de áreas como Literatura e Educação. Ao discutir a permanência de práticas caligráficas em meio a uma era já caracterizada pela impressão, também é um exercício de compreensão da complexidade – algo essencial quando se leva em conta, por exemplo, a superficialidade das teorias deterministas mais apressadas que costumam reduzir a história cultural a uma mera sucessão evolutiva de dispositivos, práticas ou equipamentos. Temas que perpassam o livro e a própria trajetória acadêmica de sua autora, como o diálogo com as práticas imagéticas, também tornam Work in hand uma referência útil para interessados em Design. Em Comunicação, tanto as áreas de estudos culturais quanto culturas da imagem e produção editorial encontrarão no livro material relevante. Ao leitor diletante de outras áreas, finalmente, o volume pode, até mesmo, encantar como coleção de anacronismos.

Um livro sobre técnica e arte. Na melhor tradição caligráfica.


Resenhista

André Carlos Moraes – Doutor em Comunicação e Informação (UFRGS). E-mail: andrecmoraes@uol.com.br


Referências desta resenha

DOUGLAS, Aileen. Work in hand: script, print, and writing, 1690-1840. Oxford: Oxford Press, 2017. Resenha de: MORAES, André Carlos. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.1, n.1, p. 268-272, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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