Women´s political activism in Palestine: peacebuilding, resistance and survival | Sophie Richter-Devroe

O livro em foco é intitulado Women’s political activism in Palestine: peacebuilding, resistance and survival, em tradução livre, Ativismo político de mulheres na Palestina: construção de paz, resistência e sobrevivência, publicado em 2018 pela University of Illinois Press, nos Estados Unidos. O livro foi escrito por Sophie Richter-Devroe, publicação oriunda de sua pesquisa de doutorado, finalizada no ano de 2010 na Universidade de Exeter, na Inglaterra, na área de Política do Oriente Médio. Richter-Devroe atualmente é professora associada do Programa Mulher, Sociedade e Desenvolvimento, do Instituto de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade Hamad Bin Khalifa, no Qatar. Dentre suas áreas de interesse estão recortes que envolvem debates sobre as mulheres, os gêneros e a política no Oriente Médio, além de questões acerca da migração, do refúgio e da história oral.

Durante as últimas décadas, a população palestina tem lidado com as dificuldades da ocupação israelense. E, diante de um singular e complexo conflito travado desde a criação do Estado de Israel, em 1948, as mulheres têm feito política de maneiras diversas para sobreviver e resistir aos problemas diários e estruturais enfrentados na Palestina. Sophie Richter-Devroe investiga as maneiras informais de se produzir ativismo político, ou seja, as ações que se dão no cotidiano e não se encontram necessariamente institucionalizadas. Ao problematizar a capacidade da agenda liberal internacional de lidar com o duradouro problema palestino, Richter-Devroe direciona seu olhar para as pessoas que vivem em diferentes espaços do território palestino, analisando como as mulheres trabalham e atuam com organizações e ações internas, localizadas e mais pessoalizadas.

Para analisar essas dinâmicas, a autora toma uma abordagem etnográfica, a partir do trabalho de campo feito durante onze meses, e com realização de diversas entrevistas realizadas, majoritariamente, entre os anos de 2007 a 2009. Richter-Devroe desenvolve a pesquisa em localidades como Ramallah, Jerusalém Oriental, Hebron e Belém. Nesse período, a autora realizou mais de oitenta entrevistas, individuais e em grupos de mulheres coordenados por ela, além de participar de eventos públicos na região. A sua metodologia procurou captar entrevistas que representassem um cenário heterogêneo, com variação de idade, religião e condição socioeconômica entre as entrevistadas, tendo em vista o potencial analítico dessa diversidade. Também, a pesquisadora entrevistou líderes mulheres – e alguns homens – que estiveram ativas durante a Primeira Intifada e que atualmente participam de Organizações Não-Governamentais (ONG), além de grupos de mulheres, associados a partidos políticos ou não. Aliando o trabalho de campo ao diálogo com uma ampla bibliografia, Richter-Devroe reflete sobre as lutas das mulheres para promover mudanças sociais e políticas na região.

Além dos capítulos introdutório e conclusivo, o livro está dividido em três capítulos, com subtítulos em cada um deles, e está disponível nos formatos físico e digital. O livro conta com uma nota de abertura sobre a transliteração de termos em árabe para o inglês. Além disso, há também um apêndice com informações sobre grupos e organizações na Palestina, divididos pela autora segundo uma tipologia que leva em conta as funções e modos de ação das organizações, sendo os tipos, traduzidos de maneira livre, denominados de “organizações de resolução de conflitos e resistência não-violenta”, “organizações de mulheres” e “organizações acadêmicas e think tanks”.

Na introdução, intitulada From revolutionary Activism to Informal Politics – Do ativismo revolucionário para as políticas informais, Sophie Richter-Devroe inicia com aquilo que é central para o desenvolvimento do seu trabalho: as falas de mulheres que dissertam sobre seus papéis e a ocupação israelense, com o objetivo de visualizar as percepções dessas mulheres sobre as suas ações. Das múltiplas experiências dessas palestinas surgem diversas questões, uma vez que elas, às margens, produzem política, o que indica que há mais complexidade no campo conceitual que as envolve do que uma definição engessada, inclusive dominada por um mundo masculino (2018, Pos. 146). As transformações nas maneiras de se fazer política são historicizadas e visualizadas sob uma ótica social, à medida que Richter-Devroe tenta compreender as políticas empregadas na Palestina ao longo do século XX, junto à observação de grupos ainda pouco estudados da sociedade palestina. Nesse aspecto, a autora critica a ausência de investigações acadêmicas acerca das temáticas sobre política informal e relações de gênero.

Os períodos de análise são os dos Acordos de Oslo, de 1993, assinados entre o então primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, e o representante da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat; e das Primeira e Segunda Intifadas, que aconteceram, respectivamente, em 1987 e nos anos 2000. Para a autora, a Primeira Intifada marca o auge da participação de mulheres, sendo que no cenário pós-Oslo, quando se passou a discutir a formação do estado palestino, as mulheres foram excluídas desse processo. Desde Oslo, a fragmentação de grupos levou à criação de novas formas de política pelas mulheres, “[…] táticas muitas vezes individuais, ad hoc, e predominantemente um alvo temporário, com ganhos de curto-prazo” (2018, Pos. 190. Tradução livre do original).

O primeiro capítulo, Women’s Peacebuilding: UNSCR 1325 and the Post-Oslo Peace Supermarket – Construção de Paz de mulheres: UNSCR 1325 e o supermercado da Paz Pós-Oslo, trata da relação da Palestina com as ONG, especialmente a partir dos Acordos de Oslo. Nesse capítulo, o foco da autora reside nas entrevistas com ativistas mulheres que trabalham inseridas em ONG, para analisar as formas como estas negociam as agendas internacional e local, que eram, por vezes, conflitantes, revelando críticas existentes que estavam associadas às pautas de interesse de uma “elite global”, termo colocado por Sari Hanafi e Linda Tabar (2005), no livro The Emergence of a Palestinian Globalised Elite: Donors, International Organizations and Local NGOs, e citado por Richter-Devore.

Para a pesquisadora, o aumento significativo de ONG na Palestina auxiliou no processo de fragmentação da população e na despolitização da realidade palestina. Esses fatores provocaram demandas políticas voltadas para um mercado de soluções rápidas para paz, consideradas dentro de uma prática liberal da “indústria dos direitos humanos”, ao invés de uma mobilização estrutural frente à ocupação (2018, Pos. 676). Nesse sentido, para a autora, a fragmentação advém de processos relacionais: a desintegração de movimentos sociais amplos que envolvem a sociedade como um todo, danificando redes de contato; e a fragmentação como um resultado do aumento da violência e repressão israelense, junto à falta de lideranças palestinas para administrar, treinar e mobilizar grupos, e principalmente, fornecer meios de proteção e segurança. Essas condições, somadas ao aumento das ONG, promoveram uma despolitização da população, que se engaja cada vez menos como um grupo coeso, dando espaços a ações específicas de grupos de interesse, que, por sua vez, não são capazes de mobilizar uma política estruturante para a sociedade.

Nessa seara, Richter-Devroe disserta sobre os alcances e as limitações da resolução da ONU de 2000, a UNSCR 1325, que versa sobre o papel da mulher para a resolução de conflito, negociações de paz e resposta humanitária a partir da Women, Peace and Security Agenda (WPS). Para a autora, a UNSCR 1325 não desencadeou um impacto real na vida dos palestinos, não traduzindo, portanto, o objetivo da formação de políticas para amparar as populações palestinas frente à ocupação e, mais especificamente, à violência contra as meninas e jovens mulheres.

A autora ainda afirma que a UNSCR 1325 carrega uma visão colonial em relação às intervenções em locais de conflito e, na opinião de algumas entrevistadas, conduz um programa elitista e irrelevante. Para fundamentar essas questões, Sophie-Richter apoia-se na discussão de Gayatri Spivak (1988), no texto Can the Subaltern Speak?, acerca do papel do homem branco (e da mulher branca) no salvamento de populações não brancas. Outro aspecto debatido pela autora é o uso do conceito de “discurso ideal” de Jürgen Habermas (1984; 1987), fundamentado nos dois volumes de The Theory of Communicative, que tem sido associado a uma ideia dialógica de comunicação pública para agenda de paz e, entretanto, não considera as relações de poder e assimetrias políticas. A partir dessas e de outras questões, a autora se direciona para o fato de que as mulheres têm feito política fora da agenda principal – mainstream – liberal.

O segundo capítulo, Women’s Popular Resistance: Embodied Protest and Political Claim Making – Resistência popular feminina: protesto incorporado e reivindicação política, está centrado na discussão sobre resistência popular, tratada no texto como formas políticas coletivas de agir com o objetivo de construir desenvolver estratégias que divergem e se opõem às políticas liberais, como, por exemplo, o debate acerca do caráter da resistência tensionado pela não violência (lacunf) e a resistência pragmática (muqawama shacbiyya). Para tratar desse cenário, Richter-Devroe mobiliza o conceito da “contra-política do subalterno”, cunhado por Nancy Fraser (1995), no texto Politics, Culture, and the Public Sphere: Toward a Postmodern Conception, para analisar as ações de mulheres palestinas que organizam movimentos populares, especialmente no contexto da fragmentação da resistência palestina no período pós-Oslo.

Como disserta a autora, ainda que não haja unanimidade acerca da abordagem de não violência – ora associada com a agenda liberal, ora compreendida como ineficiente como resistência à ocupação – algumas iniciativas de mulheres tem tomado propostas de não violência, pois observam a formação de identidades coletivas que estão afastadas da hierarquia tradicional (2018, Pos. 1631). Outra temática expressa refere-se à dificuldade de líderes mulheres de alcançarem espaço sociopolítico e, portanto, de agir dentro de grupos mistos e, por isso, reivindica-se a formação de entidades compostas somente por mulheres, algumas delas listadas no livro.

O terceiro capítulo, Women’s Everyday Resistance and the Infrapolitics of Ṣumūd: “Yes, we came here to enjoy!” – A resistência cotidiana das mulheres e os infrapolíticos de Ṣumūd: “Sim, nós viemos aqui para apreciar!, trata das estratégias políticas às quais a autora afirma serem as formas de resistências mais contemporâneas na Palestina. O conceito central para o entendimento destas estratégias é a sumud, abordada de duas formas: “[…] uma atitude proativa de sobrevivência resistindo aos efeitos materiais do colonialismo israelense através do contínuo camal – trabalho, ação (…) [e] mantendo amal – esperança, assim resistindo a colonização da mente” (2018, Pos. 2005. Tradução livre do original).

Intercalando os tópicos do capítulo com histórias de mulheres entrevistadas, Richter-Devroe desenvolve uma nova maneira de encarar a ocupação, que se baseia na afirmação da vida e, portanto, nas estratégias para manter uma vida “normal” em meio às situações cotidianas de conflito enfrentadas pelos palestinos. Essa estratégia seria uma forma de resistência ao cerceamento israelense, em que se observa uma movimentação prioritariamente no âmbito individual e não-organizado, o que consequentemente reconfigura o papel das mulheres no âmbito familiar. A sumud pode ser compreendida pela ideia da “nacionalização de si”, conceito elaborado por Iris Jean-Klein (2001), no artigo Nationalism and Resistance: the Two Faces of Everyday Activism in Palestine during the Intifada citado por Richter-Devroe, ao afirmar que a resistência está no cotidiano, seja no boicote aos produtos israelenses, não pagando impostos e não vendendo terras, por exemplo. Essas ações problematizam a ideia de que nem todo ato é político e cumpre uma agenda, mas que o cotidiano tem o potencial de se tornar político, em outros termos, as ações cotidianas são permeadas por políticas marginais.

A conclusão, intitulada Reclaiming Humanity and the Politics of Women’s Everyday Life in Occupied Palestine – Recuperando a Humanidade e a Política da Vida Cotidiana das Mulheres na Palestina Ocupada, retoma argumentos tratados ao longo do livro, os quais são: (1) mulheres têm produzido política de formas diversas ao longo das últimas décadas, por isso, (2) deve-se analisar essas ações historicamente Assim, (3) é necessário repensar os papéis atribuídos às mulheres e propor uma quebra de estereótipos, incluindo a própria percepção sobre a política e o espaço público. Com isso, a autora apresenta (4) uma análise densa sobre as estratégias empregadas pelas mulheres palestinas frente à ocupação, alterando o modo de compreender não só o que as mulheres fazem, mas as motivações e os objetivos de suas ações.

Por meio do fio narrativo acerca daquelas estratégias, Sophie Richter-Devroe consegue abrir espaço para desdobramentos da problemática principal, como a relação retórica da figura da mãe como um espaço predefinido na sociedade, a relação entre islã e gênero e as relações patriarcais dentro da cultura palestina. Nesse sentido, o texto destaca que, a partir de mobilizações de grupos de mulheres feministas, tem-se questionado na Palestina a militarização como forma de resolução de conflito. A autora também ressalta as transformações na organização familiar movidas pela ocupação, ainda que as ações de mulheres permaneçam invisibilizadas aos olhos dos pesquisadores. Além disso, Richter-Devroe discute o impacto da ocupação nas relações de gênero, que se desenvolveram a partir do reforço das estruturas patriarcais como forma de compensação masculina frente à humilhação diária que os homens palestinos sofrem por soldados israelenses. Todas essas questões possuem repercussões sobre a formação do discurso nacional, bem como a identidade palestina contemporânea.

Ao final da leitura deste livro, considera-se que se trata de uma relevante contribuição aos estudos da Palestina, bem como aos estudos temáticos sobre ativismo político. Trazendo novos elementos acerca dos enfrentamentos atuais em locais de conflito, o livro sistematiza o protagonismo das mulheres sob as novas pautas políticas, especialmente desde a Primeira Intifada. A autora reflete sobre a construção de discursos e conceitos de política e paz, que são, de alguma forma, hegemônicos, embora Richter-Devroe problematize os alcances da universalidade desses conceitos partindo do exemplo da Palestina. Para além, Sophie Richter-Devroe também reflete sobre a cultura palestina e as relações de gênero, sendo uma importante leitura para fugir de estereótipos e compreender com mais profundidade as violências cotidianas da sociedade palestina: seja em sua estrutura patriarcal, nas concepções sobre a nação palestina, em aspectos da cultura, no âmbito da ocupação ou da violência. Desse modo, o livro trata como esses elementos afetam a vida das mulheres e, em contrapartida, como mulheres, na centralidade de suas ações e percepções, têm lidado com essas realidades.


Resenhista

Carolina Ferreira de Figueiredo – Doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista CAPES. E-mail: carolina.ferreirafigueiredo@gmail.com


Referências desta Resenha

RICHTER-DEVROE, Sophie. Women´s political activism in Palestine: peacebuilding, resistance and survival. Urbana: University of Illinois Press, 2018. Edição E-book (Kindle). Resenha de: FIGUEIREDO, Carolina Ferreira de. Fazendo política à margem: reflexões sobre a Agência de Mulheres Palestinas frente à ocupação. Ars Historica. Rio de Janeiro, v. 18, p. 159-164, jan./jun. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

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