Em 2006, foi editado no Brasil aquele que é considerado o principal trabalho de Walter Benjamin. O projeto editorial original, levado a cabo pela editora Surkhamp, de Berlim, reúne grande quantidade de anotações, comentários e citações transcritas por Benjamin, tem sido alvo de intensos debates. No entanto, independente de como se veja a obra, como compêndio de materiais preparatórios para um livro que nunca chegou a tomar forma ou como projeto modernista em que fragmentos são convertidos em miniaturas autônomas que, somadas, deveriam compor uma história da Paris do séc. XIX, o fato é que a edição das Passagens no Brasil gerou um crescente interesse por parte daqueles historiadores que buscam estabelecer o diálogo entre teoria da história, estética, literatura e política. Como já havia ocorrido em relação a Foucault e Norbert Elias, cada vez mais historiadores começaram a se indagar sobre a pertinência de um pensamento produzido por um autor que, além de não ser historiador de formação, construiu todo um arcabouço crítico que toma por alvo justamente o cânone teórico da historiografia científica.
Se por um lado Benjamin ataca os pressupostos epistemológicos do historicismo alemão, por outro seus eixos temáticos e os objetos elencados por sua crítica, fazem com que seu trabalho seja assimilável por uma história cultural que já havia aprendido de As Palavras e as Coisas a relevância história dos objetos de linguagem em geral e dos objetos literários em particular. Neste sentido, o presente dossiê reúne textos de pesquisadores de diferentes áreas com o intuito de apresentar diferentes pontos de vistas acerca de conceitos desenvolvidos por Benjamin com vistas a uma teoria da história que, é preciso dizer, nunca assumiu caráter sistemático, estando antes dispersa em textos diversos que articulam disciplinas como a Crítica Literária, a Estética, a Epistemologia, a Teoria da Comunicação e, claro, a História. Por isso, reunimos aqui pesquisadores de áreas diversas. Além de historiadores ocupados com Teoria da História, há também quem tenha vindo da filosofia ou da sociologia.
Em primeiro plano, abrindo o dossiê, há a Profª Maria Filomena Molder, um dos principais nomes da filosofia portuguesa e grande especialista nas obras de Goethe e Benjamin. Autora de dois livros (e vários artigos) sobre o filósofo alemão — Semear na Neve (Relógio d’Água, 1999) e O Químico e o Alquimista: Benjamin leitor de Baudelaire (Relógio d’Água, 2011) — ela concedeu em 22 de fevereiro de 2015 a entrevista que agora a R.T.H. traz a público. Em seu escritório, no Arco do Cego, Lisboa, falou longamente sobre as relações entre a filosofia e a teoria da história de Benjamin. Pela sua formação era possível deduzir que a conversa se daria em torno de temas como a estética e a filosofia da linguagem de Benjamin. O conceito de história, no entanto, surge todo o tempo, reconhecido como um fio que perpassa todas as áreas do pensamento de Benjamin. A Profª Maria Filomena sugere, por exemplo, que as raízes profundas da teoria da história de Benjamin remontam a Goethe e não apenas ao messianismo judaico ou ao marxismo.
Na sessão destinada aos artigos, o texto de abertura traz um pouco mais da recepção de Walter Benjamin em Portugal. A Prof.ª Drª Maria João Cantinho (IADE / Lisboa), cuja obra O Anjo Melancólico — Ensaio Sobre o Conceito de Alegoria em Walter Benjamin acaba de ser reeditada em Lisboa, escreve sobre a interpretação de Benjamin acerca da obra de Kafka, onde é destruída qualquer ideia de uma história teleologicamente organizada ou dotada de um sentido estabelecido por meta-narrativas quaisquer. Em seguida, há textos de diversos colaboradores brasileiros, abordando a obra de Benjamin sob diferentes pontos de vista. O Prof. Dr. Josias Freire se ocupa das reflexões metodológicas sobre a história conforme desenvolvidas pelo filósofo à altura em que o livro das Passagens era planejado como um projeto sobre Baudelaire. A ênfase é no caráter construtivo da teoria da história benjaminiana.
Em seguida, a Profª Adriana Zeppini aborda a obra do contista russo Varlam Chalámov a luz do conceito benjaminiano de memória. A obra de Chalámov é tomada aqui também à luz do conceito de testemunho, já que seus escritos trazem relatos das experiências no Gulag. Ainda articulando história e literatura, o Prof. Ms. Sergiano Silva estabelece e comenta as relações entre o conceito de interrupção, elaborado por Bertold Brecht de um ponto de vista formal, com vistas à teoria do drama, e a concepção benjaminiana de tempo histórico. As relações entre estética e teoria da história foram examinadas pelo Prof. Ms. Augusto Leite num texto em que apronta a importância do conceito de apresentação na obra de Benjamin. Derivado da linguagem dramática e incorporado por Benjamin primeiro à teoria do conhecimento em geral e, depois, à teoria da história em particular, o conceito de apresentação é tomado pelo autor como fator decisivo nas estratégias benjaminianas de construção e exposição do conhecimento histórico. Por fim, reforçando a característica deste dossiê, que procurou articular história, filosofia e literatura, há os textos do Prof. Ms. João Erastostenes e do Prof. Dr. Marcelo Brice. O primeiro consiste numa leitura da obra de Pedro Nava, onde a Belo Horizonte do memorialista é vista à luz do conceito benjaminiano de memória. Já o texto com o qual fechamos esse dossiê traz uma releitura do conceito benjaminiano de experiência à luz da sociologia da literatura, que encontra no célebre O Narrador, os contornos de uma sociologia da modernidade. Também publicamos, fora do dossiê, uma entrevista (via email, entre os dia 10 de Maio e 20 de Junho de 2015) com o professor Dr. Luís Reis Torgal (CEIS20 e Universidade de Coimbra), um dos maiores especialistas em História da História em Portugal. Nesta perscrutamos sobre os meandros da História da História em Portugal, buscando apreender as relações e distancias com aquela produzida no Brasil.
Com este trabalho esperamos promover um debate interdisciplinar, que possibilite a comparação de resultados obtidos por pesquisadores de áreas distintas, enriquecendo assim não apenas nossa compreensão do que seja a teoria da história de Benjamin, mas, de igual modo, nossa compreensão da importância da história para sua filosofia da linguagem, sua teoria literária e sua visão geral da modernidade.
Atenciosamente,
Manoel Gustavo Souza Neto
SOUZA NETO, Manoel Gustavo. Apresentação. Revista de Teoria da História, Goiânia, v.15, n.1, abril, 2016. Acessar publicação original [DR]
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