Vozes, vivências e significados. Mulheres africanas e perspectivas de gênero | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2021
A ideia que esteve na origem do dossiê que aqui apresentamos foi gestada a partir de uma mesa coordenada por uma das coorganizadoras deste volume, Andréa Lobo, do título “Mulheres africanas vistas por mulheres brasileiras”, tendo integrado algumas das contribuidoras4 . A proposta da mesa foi a de reunir e confrontar experiências empíricas de estudiosas brasileiras e africanas, no continente africano, tendo como foco principal destacar os processos de produção e reprodução social efetivado por mulheres no cotidiano de suas sociedades, bem como refletir sobre a produção de conhecimento de mulheres (e homens) africanos/as sobre suas próprias dinâmicas sociais. Nesse sentido, o nosso objetivo foi o de debater sobre o “feminino”5 a partir das perspectivas das mulheres, tanto no ambiente doméstico quanto no espaço público e comunitário. Foi possível vislumbrar, a partir das discussões, a forma como se configuram as relações sociais e de poder a partir de dinâmicas de gênero em contextos específicos africanos, ressaltando dimensões importantes como a da emancipação, a da autoconsciência e a da capacidade de agenciamento das mulheres africanas.
Cabe salientar que as percepções e abordagens trazidas por essa mesa permitiram aprofundar a compreensão não apenas da complexidade que caracteriza o campo dos estudos africanos e de gênero, que envolvem vidas, cotidianos e o imaginário de mulheres e homens africanas/os, pelo olhar delxs própri@s e/ou de outr@s. A partir de uma perspectiva comparada, foi-nos possível estabelecer algumas conexões interessantes bem como vislumbrar possibilidades de agendas comuns e experiências partilhadas: questões como a construção da autonomia no espaço público, a luta antirracista e a participação histórica das mulheres nas construções dos estados africanos independentes, tendo em conta as narrativas das mulheres e suas experiências e trajetórias, nos demonstraram que existem diálogos possíveis e utopias que poderão se transformar em realidades, ainda que precisemos aprofundar amplamente nossos conhecimentos sobre as tantas histórias das mulheres e suas vivências, a partir de suas próprias vozes.
A colaboração entre nós seguiu em sedes acadêmicas, congressos, seminários de estudos, aulas ou bancas de qualificação e de defesa. Foi assim que fomos afinando nossos diálogos e definindo nossos caminhos até chegarmos à decisão de publicar este dossiê. Gostaríamos de referir que nossas trajetórias de estudo e vivências foram fundamentais para que aceitássemos enfrentar juntas este desafio de escrita(s) e de leituras(s) ou, para melhor dizer, de “escrevivências”, inspirando-nos em Conceição Evaristo. Ainda que provenientes de geografias, meios socioculturais e âmbitos disciplinares diferentes (antropologia, história e relações internacionais), ambas temos “as mulheres” como prioridade em nossos estudos e temos procurado, ao longo dos anos, contribuir, cientes dos limites, para o debate de gênero, a partir de África, mas também dialogando com outras regiões do mundo, nomeadamente a América Latina6 . Portanto, o que esperamos desta experiência entre “irmãs de lá e de cá do Atlântico” é o diálogo e a interação necessários, que nos permita mobilizar as tantas vozes de mulheres africanas que, pelas mais diversas razões, permaneceram por um longo período, subterrâneas. As experiências importam, e torná-las visíveis é também um modo de contribuir para mudar percepções, olhares e paradigmas. A todas as mulheres inscritas nestas páginas e às tantas outras cujas trajetórias e memórias permanecem à margem dos debates, às suas famílias, comunidades e países, dedicamos as páginas deste nosso dossiê.
Este trabalho traduziu-se em um importante desafio para nós, seja em termos do esforço interdisciplinar, seja em termos de possibilidades comparativas que emergiram das leituras dos diferentes artigos (detalhados mais adiante nesta reflexão introdutória), bem como dos limites que esse exercício reflexivo comporta, em termos globais, considerando a temática central, isto é, as mulheres africanas. Em primeiro lugar, as análises bem realizadas a partir dos próprios âmbitos disciplinares, em diálogo com outras disciplinas – história, antropologia, estudos migratórios, ciência política. Esse exercício é evidente, por exemplo, nos artigos de Jacimara Souza Santana e de Patrícia Godinho Gomes, em que as autoras, partindo de uma concepção histórica da participação das mulheres nos respectivos processos de construção nacional e da sua centralidade em diferentes dimensões da vida, nomeadamente a da cura (no caso das curandeiras Nyanga do sul de Moçambique) e da política (no caso das guerrilheiras da Guiné-Bissau), procuram descrever o campo observado com foco nos dados empíricos. Em um e outro casos, as narrativas das mulheres constituíram dados fundamentais para a construção das pesquisas, demonstrando não somente a relevância das fontes orais no processo de produção de conhecimento, bem como os desafios metodológicos que o (des)conhecimento das línguas locais impõem, tanto em termos da tradução de conceitos quanto da sua transcrição.
Por outro lado, como nos têm alertado alguns estudos clássicos7 , a inscrição das mulheres em trabalhos de cunho científico, no âmbito das ciências sociais, não apenas interroga o que foi considerado “historicamente importante”, como também impõe a própria revisão dos critérios básicos das pesquisas, chamando a atenção de acadêmic@s para a necessidade de um conhecimento detalhado dos meios sociais, evitando, deste modo, interpretações apressadas e distorcidas das realidades sociais. É nesta mesma linha argumentativa que Oyeronké Oyèwùmí8 afirma que a “mudança epistemológica” nos estudos africanos de gênero só poderá ter lugar por meio de um “esforço arqueológico” capaz de problematizar os pressupostos teóricos e conceituais que fundamentam o gênero como categoria analítica e o seu alcance nas sociedades africanas. É a esse movimento de descentramento das categorias analíticas que nos remete o artigo de Luena Pereira quando, por meio de uma fina etnografia com mulhere Bakongo em Luanda, a autora nos convida a desafiar as categorias de público e privado.
Um segundo aspecto diz respeito ao esforço de escavar em profundidade e interrogar as realidades, uma característica transversal ao conjunto dos textos que compõem este volume, de par e passo com um empenho notável do uso de línguas locais como ferramentas analíticas e interpretativas. Alguns dos títulos dos artigos reportam frases e/ou refletem pensamentos e compreensões intrínsecos às comunidades, regiões e países estudados. Paralelamente, os conteúdos do dossiê proporcionam um olhar comparativo, seja dentro dos próprios contextos nacionais considerados, seja entre regiões geográficas e estados, ainda que individualmente nem todos incluam essa visão de forma explícita. De forma interessante, alguns artigos buscam essa dimensão comparativa, mostrando as complexidades dos processos, dos fluxos e das construções identitárias: o artigo de Denise Pimenta e Laura Moutinho, escrito a duas mãos, analisa comparativamente a Serra Leoa e a África do Sul; o de Andrea Lobo e Maria Anilda da Veiga, igualmente escrito a duas mãos, confronta duas realidades caboverdianas distintas (ainda que dentro do mesmo país), as de Santiago e Boavista; e o artigo de Elisabeth Defreyne discute as relações de gênero e migrações em uma dimensão transnacional, considerando a ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, a Bélgica e Luxemburgo, na Europa.
Dentro dessa ótica, poderemos considerar, por exemplo, a localização geográfica e as experiências históricas dos diferentes países que constituíram o lócus das reflexões das/os autor@s: Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Serra Leoa, África do Sul, Bélgica e Luxemburgo. As análises apresentam as múltiplas faces do colonialismo europeu e o impacto diferenciado nos contextos locais, tendo em conta momentos históricos, as realidades étnico-sociais e etnolinguísticas, o grau de complexidade e de estratificação social, bem como as relações hierárquicas e de gênero estabelecidas nos contextos colonial e pós-colonial. Essas constatações permitem, de modo geral, fazer uma leitura mais complexificada e mais holística da história africana, ainda que considerando a existência de uma unidade cultural africana (mas não uma uniformidade), como defendeu Cheikh Anta Diop, em uma perspectiva de descolonização do ser e do saber9.
Um aspecto subjacente à globalidade dos textos diz respeito à necessidade peremptória de incluir nos currículos escolares e universitários discussões sobre a história das mulheres e temáticas relacionadas ao gênero, com foco em realidades africanas e a partir de preocupações locais e não extravertidas10. Esta exigência é explicitada nos artigos de Graça Sanches e colegas e de Miriam Steffen Vieira: no primeiro caso, discutindo a inclusão de uma agenda de gênero nos orçamentos de estado e de políticas públicas em nível de países de expressão portuguesa; e, no segundo caso, as possibilidades e vantagens de políticas de cooperação universitária “horizontais” entre países africanos e latino-americanos, a exemplo do Brasil e de Cabo Verde.
De igual modo, os demais artigos procuram enfatizar a importância da inclusão das experiências das mulheres africanas, pelas suas próprias vozes e trajetórias, sem qualquer tipo de mediação, na construção das identidades e na compreensão de fenômenos centrais na vida humana, como o das migrações e suas conexões com os debates de gênero. Cabe destacar, de modo particular, as reflexões críticas e bem articuladas dos artigos (a duas mãos) de Andrea Lobo e Maria Anilda da Veiga e o de Elisabeth Defreyne a esse respeito. Enfim, e sem a pretensão de exaurir as possibilidades de futuros desdobramentos e temáticas de pesquisa, emerge da leitura global do dossiê o aspecto fundamental do conhecimento e uso das línguas locais para a elaboração de estudos relevantes em contextos africanos. Essa questão assume centralidade em termos metodológicos (sendo um aspecto transversal a todos os artigos), uma vez que descortina os limites e as possibilidades da pesquisa científica em meios sociais onde, em muitos casos, as categorias tradicionalmente usadas (como, por exemplo, gênero, família, feminino, masculino, entre outros), a partir de um olhar eurocentrado, levantam sérios problemas epistemológicos, não permitindo, em diversos casos, a apreensão e leitura corretas do que se estuda. A dimensão linguística também coloca desafios importantes em termos das traduções e das transcrições de uma língua para outra, para nativos e não nativos, em que perguntas “para quê”, “aonde”, “como” e “com quem” tornam-se fundamentais para qualquer estudios@, dentro e fora do continente africano.
O nosso principal objetivo foi reunir pesquisadoras/es com investigações e experiências em contextos africanos para refletir criticamente sobre as temáticas do “feminino”, do “masculino” e do “gênero” em diferentes cenários do continente africano, considerando os atuais debates sobre os limites de algumas categorias e a necessidade de pensá-las de forma transcultural, procurando contemporaneamente ir além da ideia da “excepcionalidade do continente africano”11. O foco no universo “feminino” se dá por duas vias que se complementam e se entrelaçam, uma vez que estamos interessadas tanto nos processos de produção e reprodução social efetivados por mulheres no cotidiano de suas sociedades, quanto nas dinâmicas de produção de conhecimento, dentro e fora do continente africano, mas tendo como referencial as mulheres e seus próprios cenários e contextos sociais.
Os artigos aqui reunidos propõem reflexões diferenciadas sobre a produção de conhecimento por mulheres e por homens e sobre relações de gênero em África, ao abordar temáticas como a sexualidade, a violência, o sofrimento, a emancipação, a raça, parentalidades, instituições e relações com o estado (colonial e pós-colonial), identidades, entre outros; bem como refletir a partir de percursos de vida, biografias, trajetórias e memórias. Como veremos, o foco nos ciclos e processos de desenvolvimento de mulheres nos permite ir além da questão do gênero e pensar em dinâmicas diversas, ou seja, nos processos de constituição de “feminilidades”, temática fortemente tratada na literatura em ciências sociais para o universo masculino africano, mas pouco abordada no caso feminino.
Apesar de, em distintos contextos e de diferentes formas, as mulheres africanas seguirem vinculadas ao poder “patriarcal”12 (pais, irmãos, maridos), é crescente o debate, nas últimas décadas, sobre a presença de mulheres nos espaços de atuação e a aquisição de uma progressiva autonomia, sobretudo em termos políticos e econômicos. Nosso olhar repousa também sobre tais processos de emancipação que estão na agenda das agências de desenvolvimento, ONGs, instituições de estado, universidades e associações comunitárias.
Com tais objetivos e perspectivas, este dossiê reúne uma diversidade interessante de vozes, tempos, espaços e perspectivas teórico-metodológicas, bem como empíricas, tendo como eixo as mulheres. Cada um/a à sua maneira, as/os autoras/es que compõem este projeto partilham das perspectivas reflexivas e críticas que norteiam esta introdução, respondendo, de formas múltiplas e criativas, sobre os desafios de pensar limites e possibilidades que habitam as agências “femininas” nos mais diversos cenários africanos.
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Do ponto de vista historiográfico, é inegável o fato de que a estrutura teórica do mundo ocidental tenha sido importante na formação da primeira geração de historiadores africanos empenhados na elaboração da História de África escrita pelos africanos, sobretudo a partir dos anos 1950. O desafio era, fundamentalmente, procurar “filtrar” as concepções de viés eurocêntrico. Para tanto, impunha-se um importante esforço teórico-metodológico para qualificar o saber e proporcionar bases para uma História científica do continente. A partir da década de 1970, o esforço foi no sentido de refletir sobre o passado africano de forma holística, partindo de uma perspectiva endógena. Assistiu-se a uma multiplicação de estudiosos, de temas, fontes e métodos, fazendo da História africana enquanto disciplina uma área internacionalmente reconhecida. Os debates acadêmicos sobre o tema, embora relativamente recentes (se confrontados com outros âmbitos disciplinares, nomeadamente a antropologia), apontam para a necessidade de uma revisão e questionamento das concepções etnocêntricas que por muito tempo dominaram a ciência13.
É dentro desta linha reflexiva que se insere o debate sobre mulher e gênero no continente africano. Pensar o gênero em contextos africanos é importante por várias razões. A primeira delas tem a ver com a necessidade sempre mais evidente de historicizar as mulheres, bem como (re)pensar outras categorias que permitem compreender o meio social em que atuamos e agimos. Os debates africanos sobre esta matéria já têm algumas décadas de existência, ainda que a sua disseminação de uma forma sistemática venha acontecendo de forma relativamente limitada e desigual, dentro e fora de África14. Basta pensar na importante literatura surgida em países como Nigéria, Gana, Serra Leoa, África do Sul, Kénia, Tanzânia, Uganda, assim como na faixa mediterrânica do continente africano, onde as lutas das mulheres, seja do ponto de vista intelectual, seja do ativismo político e social, têm uma história, ainda que pouco conhecida, senão mesmo desconhecida por africanos de outras regiões e pelos diaspóricos.
Como demonstrado por alguns dos estudos presentes neste dossiê, a mobilização política das mulheres representou um importante desafio para o mundo africano contemporâneo, sobretudo se considerarmos os contextos coloniais e de luta contra o apartheid. Diversas experiências africanas demonstraram o potencial emancipador das mulheres nas lutas de independência, de norte ao sul do continente. Foi o caso das mulheres na luta de libertação da Argélia, nos anos 1950, das mulheres eritreias na luta pela independência na década de 1960, ou, em época mais recente, as lutas empreendidas pelas mulheres nos países historicamente conhecidos como de “segunda descolonização”15. Neste sentido, uma especificidade deste volume é o de ter reunido trabalhos que abordam alguns dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – PALOP, sob diferentes lentes e em diferentes dimensões, não perdendo de vista a importância e o valor da matrifocalidade das sociedades africanas.
A partir das nossas leituras, percebemos nos diferentes textos uma perspectiva matricêntrica das sociedades africanas estudadas. Essa perspectiva é por nós entendida no mesmo sentido dado por Cheikh Anta Diop16 e por Ifi Amadiume17, isto é, uma estrutura social que se justapõe a outras estruturas e não um sistema social totalitário. Questionar algumas “verdades” tradicionalmente assumidas e construídas a partir de olhares eurocentrados sobre o parentesco e suas ideologias é, também, parte importante das discussões veiculadas pelas/os/xs várias/os/xs autorxs deste volume. Enfim, e não menos importante, frisamos a importância de categorias êmicas surgidas a partir dos estudos empíricos e como estas resignificam conceitos: mulheres militantes, patriarcado, fuga, espera, perdão, público/privado, dentre outras.
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Antes de avançarmos para a descrição da estrutura deste dossiê, nos parece apropriado identificar um tema não intencional e latente que surgiu conforme fomos editando os artigos que se apresentam ao/à leitor/a nas páginas que se seguem. O fio temático que emergiu espontaneamente nos desafia a pensar sobre protagonismo/moralidade como um duplo que parece reunir e atravessar os diferentes cenários, no tempo e no espaço, que serão abordados pelas autoras e autores aqui reunidos. As leituras dos contextos e cenários analisados aqui nos convidam a pensar sobre como o protagonismo “feminino” vem acompanhado por perspectivas morais (e moralizantes) de diversas ordens, que desafiam as possibilidades de inversões nas relações de poder dadas, esvaziando-as pela via de julgamentos sobre as condutas de mulheres. De alguma forma, um dos temas que emergem deste dossiê tem a ver com a questão fundamental da dominação e dos esforços para que sua superação continue a ser contornada.
Tal como evidenciado mais adiante, na apresentação que articula os artigos aqui reunidos, o tema do protagonismo “feminino” (e seus contrapontos morais), nas suas variadas formas, é um dos fios condutores das discussões que as/os autoras/es levam a termo a partir de suas pesquisas e análises. A relevância de colocar a mulher no centro das reflexões, certamente, tem origens múltiplas: no recorte proposto por nós, organizadoras, nos temas e abordagens das/dos pesquisadoras/res, mas também nos entrelaces das vidas sociais que emergem em forma de textos. Essa linha analítica que aqui anunciamos e que atravessa todo o volume convida o/a leitor/a a situar os artigos no debate sobre posicionalidade, tal como proposto por Abu-Lughod18, quando nos insta a privilegiar a escrita do particular, as histórias contadas por mulheres e sobre mulheres, uma escrita que seja capaz de fugir da cristalização das diferenças e das generalizações. É tendo tais horizontes em mente que organizamos a leitura dos artigos na ordem proposta e que, agora, apresentamos.
As vivências de mulheres em contextos coloniais e pós-coloniais é tema transversal em diversos dos artigos deste dossiê. Jacimara Santana nos apresenta as experiências de ser e exercer o ofício de Nyanga (designação atribuída a curandeiros/as, pessoas que curam, médicos/as tradicionais no sul de Moçambique) em um período de transição entre o domínio colonial e os primeiros anos de independência. Um dos argumentos que transparece das narrativas de suas interlocutoras de pesquisa é o da dupla colonização19 sofrida por mulheres, a dos portugueses e a de “dentro de casa”, dos maridos. Tema que perpassa não só perspectivas analíticas das ciências sociais, bem como obras de diversas escritoras e romancistas africanas20, mostrando as conexões possíveis interdisciplinares entre história, literatura, linguística e antropologia, entre outras. Várias histórias vivenciadas por mulheres nos contextos coloniais e pós-coloniais e seus contextos tradicionais e de modernização constituem pano de fundo das reflexões dos diversos artigos deste dossiê.
Os artigos de Fabio Barqueiro e Patrícia Godinho Gomes abordam as narrativas de mulheres nas lutas de libertação nacional na Angola e na Guiné-Bissau. Para o caso angolano, o autor aborda o viés de gênero na formulação de discursos sobre a nação para construir uma história da independência angolana que considere o gênero como chave analítica e, ao mesmo tempo, como experiência coletiva. Ao desenvolver os processos de adesão da Organização da Mulher Angolana (OMA ao Movimento Popular de Libertação da Angola (MPLA), Baqueiro demonstra como a inclusão das mulheres foi marcada pela reprodução dos papéis associados ao masculino e ao feminino e pela tensão de um discurso moralizador que guardava para elas o lugar do cuidado, da ajuda e do encorajamento dos homens. Ainda assim, muitas foram protagonistas de seus destinos e dos processos coletivos de construção da nação, construindo novas dinâmicas de gênero.
Em um estudo que revela uma outra face da história da construção nacional da Guiné-Bissau, Patrícia Godinho Gomes reconstrói as narrativas que têm apresentado as mulheres guineenses como detentoras de importante participação na luta de libertação e, em alguma medida, sendo protagonistas de seus processos de emancipação. Dando lugar à complexidade de tais processos, o argumento da autora segue por duas vias complementares: (1) se a maioria dos registros aponta para a efetividade da emancipação das mulheres na Guiné-Bissau e de suas participações terem se dado em um contexto de “harmonia” com os homens, tais fatos não têm equivalência na historiografia, onde elas não surgem nem como protagonistas de suas ideias e ações nem como narradoras de suas próprias histórias; (2) a outra questão é geracional, uma vez que a autora sinaliza para uma tensão discursiva das mulheres com relação às antigas combatentes, sinalizando uma tendência para a exclusão dessas mulheres que ainda não compõem o universo das que “representam” a memória da luta armada.
Com tais objetivos, a autora nos apresenta uma competente revisão historiográfica e pesquisa empírica das quais emerge um universo feminino que disputa hoje o seu lugar na construção da memória sobre a libertação da Guiné Bissau. Um dos dados interessantes que extraímos de sua análise tem relação com as disputas em torno das noções de emancipação, uma ideia inicialmente construída e projetada pelo movimento de libertação, “mas que não levou em consideração as perspectivas das mulheres guineenses enquanto grupo social, tendo em conta suas origens étnicas e contextos sociopolíticos e religiosos, bem como os próprios sistemas de organização social”.
Esse mesmo movimento é realizado por Inaida Pires em sua etnografia sobre os sistemas de parentesco entre os Pepel na Guiné-Bissau. Em uma inversão que nos remete à virada feminista dos estudos do parentesco nos anos 1990, a autora narra o sistema de casamento tradicional Pepel, resgatando o protagonismo da perspectiva da mulher no sistema de parentesco. Nesse artigo, o/a/leitor/a é convidado/a a se perguntar: e se reconstruímos as relações de parentesco deste grupo social pela perspectiva da esposa, o que veremos? É pelo estudo do Kumar, ritual feminino de passagem para a vida adulta, que a autora vai reconstruir os elementos que compõem um sistema de parentesco no qual a força reguladora do casamento é a “barriga da mulher”, sendo a partir dela que se constroem todas as relações. Porém, como bem observa a autora, “a barriga pesa”, ou seja, apesar do fato de que a pu (barriga / linhagem) e a mur (linha / casamento) constituem o centro das relações de parentesco, elas não se constituem como caminhos que elas escolheram para suas vidas, sendo antes (e ainda) amarras e fardos para essas mulheres.
O artigo de Graça Sanches e colegas analisa a experiência do Programa para a Promoção das Finanças Públicas em Implementação nos PALOP na viabilização da efetiva implementação de um orçamento sensível às questões de gênero. Partindo da concepção básica, porém não óbvia, de que o orçamento público não é neutro, os autores analisam os esforços e processos (não lineares) de integração da perspectiva de gênero em diferentes países africanos de língua portuguesa que, ainda que de forma diferenciada, experimentaram a elaboração de propostas para a inclusão de marcadores de gênero em seus orçamentos, obtendo resultados interessantes, em especial nos casos de Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. O caso de Cabo Verde, em especial, é analisado no artigo, pois o estado caboverdiano tem apresentado dados concretos na construção do perfil de financiamento para a igualdade de género no país. Tal dado dialoga com o artigo de Carmelita Silva quando a autora argumenta que um mosaico de políticas públicas conduzidas pelo estado caboverdiano marcaram a passagem de um campo discursivo em torno da questão do gênero para a sua transversalização nos ordenamentos jurídicos internos, bem como nos sucessivos Orçamentos do Estado (OE).
Nesse interessante artigo, Carmelita Silva explora a diversidade de situações de violências experienciadas por mulheres e homens no país se utilizando da perspectiva interseccional, com o objetivo de deslocar o debate em torno da subordinação feminina para uma abordagem que procura pelas razões da opressão no sistema de valores da sociedade caboverdiana. O caminho metodológico proposto é o de adentrar nos universos de conjugalidade em Cabo Verde e analisar as formas como o poder circula e desencadeia ações entre os envolvidos na relação. Tal deslocamento teórico-metodológico acaba por produzir um argumento que nos permite pensar nas formas particulares de se construírem os discursos sobre as relações de gênero no país de maneira a ir além, na análise, dos diagnósticos de “patriarcado” e cultura machista como fatores que tudo explicam.
Tal como explicitado no artigo de Miriam Vieira, o movimento de colocar a questão de gênero na pauta estatal pode tanto ser inserido quanto ser revelado pela análise dos dados das pesquisas sobre gênero na cooperação acadêmica entre universidades brasileiras e africanas a partir da primeira década do século XXI. Certamente este dossiê pode ser percebido como um resultado possível do processo descrito por Vieira. Focalizando nas relações entre Cabo Verde e Brasil, o que a autora nos oferece é uma reflexão inicial sobre as possibilidades de uma efetiva cooperação, que tenha bases mais horizontalizadas neste espaço geopolítico que tem sido denominado de Sul-Sul. Como subproduto, temos um detalhado apanhado das produções acadêmicas que refletem sobre as relações de gênero em uma perspectiva etnográfica, sendo exemplos desses esforços diversos dos artigos que apresentamos aqui ao/à leitor/a.
Exemplos desses esforços dialógicos podem ser percebidos nos artigos de Lobo e Veiga, cuja parceria nasce nesse processo narrado por Miriam Vieira. As autoras, assim como Defreyne (neste dossiê), se somam à perspectiva de Carmelita Silva ao partilharem um olhar sobre os universos relacionais que “levam a sério” as particularidades e dinâmicas locais. Tal perspectiva dá espaço para pensar sobre as diferentes formas pelas quais os indivíduos reproduzem em suas relações modelos culturais pré-estabelecidos (do patriarcado, por exemplo), porém, por meio de negociações, aprendizagens, mobilidades ou rupturas, constroem múltiplos caminhos para a superação dos ciclos de violência. Tal como nos sinaliza Mahmood21, até mesmo aquilo que é compreendido pela chave da submissão por alguns, pode, na verdade, significar estratégias de resistência ou formas múltiplas de expressão de subjetividades e agências.
Essa é uma chave analítica potente que, de formas variadas, alinhava os artigos de Laura Moutinho e Denise Pimenta, Andréa Lobo e Maria Anilda da Veiga, bem como as reflexões de Elisabeth Defreyne. Nos dois últimos casos, o foco ainda é o contexto caboverdiano, porém, incorporando as dinâmicas migratórias que se entrelaçam com os desafios e as possibilidades da vida conjugal entre homens e mulheres. Tendo como interesse os fluxos de mulheres entre a ilha de Santo Antão (Cabo Verde), Bélgica e Luxemburgo, o artigo de Defreyne22 coloca em questão o discurso sobre o “patriarcado” e sua consequente conexão “natural” entre mulheres-maternidade-lar. Partindo de interessantes histórias de vidas de suas interlocutoras de pesquisa, a autora nos apresenta vozes que são críticas à organização social existente, dando destaque para uma abordagem generificada da partida de mulheres. O que extraímos dessas narrativas é um desejo de não reprodução de um status quo de gênero que vê, na emigração, uma estratégia privilegiada para se alcançar um futuro melhor. Se nas perspectivas masculinas a emigração pode ser lida na chave da aventura23, para essas mulheres partir pode ser fugir – das violências múltiplas, da dominação dos corpos, dos destinos dados pelo gênero. A questão que fica é a dos limites e possibilidades dessa tentativa de romper com padrões que, uma vez pré-estabelecidos, podem compor a bagagem dessas mulheres em suas rotas de fuga.
É nesse limiar entre reprodução social e possibilidades de rupturas que o artigo de Lobo e Veiga também navega. Ao juntar dados de pesquisas de diferentes matizes, as autoras abordam a noção de “espera” associada ao universo feminino e aos fluxos migratórios nas ilhas de Santiago e Boa Vista, Cabo Verde. Ao reunir dados sobre mulheres que ficam e mulheres que emigram, as autoras elaboram sobre como as relações afetivo-conjugais entre homens e mulheres são redimensionadas em situações de migração. Ao trabalhar com a oposição entre a noção de “espera”, associada ao universo feminino, e a categoria de “fazer a vida”, conectada ao mundo masculino, o artigo nos remete a reflexões que inserem o esperar em um contexto de relações de poder e dominação. Na tentativa de desnaturalizar a categoria, as autoras elaboram sobre as formas como as “mulheres que esperam” vivem tal experiência, mas, também, sobre as maneiras como suas vidas – algumas mais precárias que outras – são compassadas por uma espera que acaba por constituir suas condições objetivas de existência.
O artigo de Carmelita Silva aborda um tema que cada vez mais assume centralidade nos debates atuais de gênero em Cabo Verde: a problemática da violência com base no gênero. A autora procura analisar as diferentes formas como situações de violências são construídas a partir de dinâmicas conjugais, procurando situar os conceitos localmente, a exemplo do “patriarcado”, e buscando intersecções entre os vários marcadores de desigualdades sociais. Para compreender como as relações de dominação se processam e os significados que os atores envolvidos constroem a partir de suas práticas, Silva propõe um estudo empírico, tendo como base as estruturas da Rede Sol, espaços de busca de resolução de conflitos conjugais. Tanto o poder é visto como algo dinâmico e relacional, podendo ser exercido por homens e por mulheres, como as experiências de violência podem ter como protagonistas homens e mulheres, desconstruindo, a partir de narrativas, a ideia da vitimização do “segundo sexo”.
O imbricamento entre moralidades e as percepções sobre o “feminino” são também objeto de análise de Denise Pimenta e Laura Moutinho. As autoras abordam as cortes especiais de justiça e as Comissões da Verdade e Reconciliação que tiveram lugar na África do Sul (1995) e na Serra Leoa (2002), sob a ótica do lugar das mulheres nesses processos. Na reconstrução de uma gramática moral do sofrimento, que é mobilizada para a compreensão de uma nova ordem social (ressentimento, perdão, verdade, reconciliação), as mulheres aparecem como atores centrais, lócus do perdão como categoria moralmente relacionada ao universo “feminino”.
Em diálogo com vasta literatura, as autoras chamam atenção para o papel das mulheres na produção da memória de seus países e para o papel delas na vocalização das “verdades”, da reprodução de desigualdades e segregações. Tal como sinalizado ao longo do artigo, as trajetórias dessas mulheres explicitam as fraturas e marcas inapagáveis dos processos sociais de reestruturação das nações em questão.
Tais aspectos são, igualmente, abordados por Juliana Braz Dias em seu texto sobre as trajetórias de duas mulheres que, em tempos e contextos distintos, têm como marca a condição de liminaridade, condição que se reproduz nas (e apesar das) mudanças substantivas pelas quais passou a África do Sul. Ao entrelaçar as relações raciais e de gênero em cenários coloniais e pós-coloniais nas trajetórias de Krotoa e Sylvia Vollenhoven, a autora aborda as experiências de mulheres em posições sociais exordiais. Separadas por três séculos, Krotoa e Sylvia têm suas vidas nas fronteiras, no atravessar de diferentes espaços sociais, em larga medida marcados por liminaridades múltiplas: identitárias, raciais, de violência e de relações de poder.
As configurações dos contextos africanos contemporâneos, ou seja, estados pós-coloniais herdeiros das estruturas coloniais, sendo também atravessados pelas instituições africanas précoloniais (estas, por sua vez, também redimensionadas pelo colonialismo), é objeto do artigo de Luena Pereira, que vem encerrar o dossiê em grande estilo. A autora realiza uma etnografia de um bairro da periferia de Luanda habitado majoritariamente pelo grupo Bakongo e nos brinda com uma interessante discussão sobre as noções de espaço público e espaço privado que são produzidos por grupos sociais a partir da circulação em lugares como mercados locais, igrejas e quintais. Gênero e geração são centrais para se perceberem as formas de apropriação de tais espaços bem como para colocar em questão (e por que não suspeição) os conceitos teóricos (ocidentais) de público e privado.
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Nosso primeiro agradecimento vai para todas/os as/os autoras/es que tornaram possível este volume; por terem aceitado o desafio por nós lançado, por terem acreditado e confiado em nós e por não terem medido esforços para levar a bom termo os seus artigos finais. Nosso muito obrigada! De igual forma, os nossos agradecimentos a todas/os as/os revisoras/es – Albert Farré, Claudio Alves Furtado, Denise Costa, Vera Gasparetto, Osmundo Pinho, Diego Ferreira Marques, Francisco Paolo, Pierre Joseph-Laurent, Sara Santos Morais – que, com suas leituras minuciosas e detalhadas e suas críticas construtivas, contribuíram para que os textos adquirissem a qualidade desejada. Não menos importante, os nossos agradecimentos vão ao conjunto de instituições sem as quais seria impossível realizar um projeto de tal porte, que reúne pesquisadoras/res internacionais e nacionais em diferentes momentos de suas trajetórias acadêmicas. Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UnB e ao Decanato de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade de Brasília, pelo apoio financeiro e institucional e por terem viabilizado os recursos utilizados para a organização desta publicação. Finalmente, nosso mais sincero agradecimento à Revista ABE-África, Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, por abrigar esse projeto nesta edição.
A nós, Andréa Lobo e Patrícia Godinho Gomes, auguramos que esta seja apenas a primeira de muitas e importantes colaborações, sempre com o afeto e o respeito como palavras de ordem. Não foi fácil chegarmos até aqui, no meio de uma pandemia que nos atingiu e nos impediu muitas vezes o aconchego de um abraço e a felicidade de um sorriso “ao vivo”, enquanto assistíamos às mortes, ao avançar de desmandos e atropelos de toda ordem, no Brasil e pelo mundo afora. Não obstante tudo isso, mantivemo-nos firmes e focadas em nosso objetivo, mostrando, juntamente com todas/os que abraçaram este projeto, que onde existem mulheres, existe vida, boa vontade e espírito de solidariedade. É, pois, chegada a hora de devolvermos o projeto ao nosso público leitor, ao qual desejamos uma boa leitura!!!
E do qual esperamos futuras críticas construtivas para pensarmos novos possíveis caminhos de pesquisa.
Notas
1 As discussões presentes neste volume não incluem o crescente e importante debate sobre questões LGBTQ+ no continente africano e parte integrante da área dos estudos de gênero, tema ainda pouco explorado e estudado, mas que tem merecido nos últimos anos a atenção de pesquisadorxs africanxs (para aprofundamento, veja-se, por exemplo: MATEBENI, Zethu (Ed.). Reclaiming Afrikan Queer perspectives on sexual and gender identities. Athlone (South Africa): Modjaji Books, 2014.
4 A Mesa Redonda teve lugar durante o 42º Encontro Anual da ANPOCS, entre 22 e 26 de outubro de 2018, na cidade de Caxambu, em Minas Gerais. Fizeram parte da referida mesa Andrea Lobo, Patrícia Godinho Gomes, Laura Moutinho, Luena Nunes Pereira e Juliana Braz Dias. Para informações mais detalhadas sobre o Encontro, consultar o site da ANPOCS (42º Encontro Anual – 2018, https://anpocs.com/index.php/4o-encontro-anual-2018).
5 Optamos por colocar nesta introdução a palavra “feminino” entre aspas em razão do intenso debate teórico acadêmico que tem envolvido estudiosas/os africanas/os e africanistas sobre o uso da categoria nas discussões de gênero, sendo que a sua problematização tem constituído foco de estudos nas últimas duas décadas. Para aprofundamento, vejam-se: OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021; MIÑOSO, Yuderkys Espinosa; CORREAL, Diana Gómez; MUÑOZ, Karina Ochoa (Eds.). Tejiendo de otro modo: feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala. Popayán: Editorial Universidad del Cauca, 2014.
6 Andréa Lobo trabalha com as questões de dinâmicas familiares e de gênero há cerca de 20 anos. Seus trabalhos de pesquisa e publicações oriundas são representados por algumas de suas obras, tais como: Tão longe tão perto: famílias e movimento na Ilha da Boa Vista de Cabo Verde. Brasília: ABA Publicações; Cidade da Praia; Edições UniCV, 2014; Lobo, Andréa de Souza; DIAS, Juliana Braz (Orgs.). Mundos em circulação: perspectivas sobre Cabo Verde. Brasília; Cidade da Praia: ABA Publicações; LetrasLivres, Edições Uni-CV, 2012; Making families: child mobility and familiar organization in Cape Verde. Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, v. 89, n. 2, pp. 197-219, 2011; Um filho para duas mães? Notas sobre a maternidade em Cabo Verde. Revista de Antropologia da USP, v. 53, n. 1, pp. 117-145, 2010; dentre outras.
Entre os trabalhos de pesquisa de Patrícia Godinho Gomes que mais marcaram suas reflexões sobre mulher, gênero e feminismos, podem ser citados: Guinea Bissau e isole di Capo Verde: partecipazione femminile alla lotta politica. In: CARCANGIU, Bianca Maria (Org.). Donna e potere nel continente africano. v. 1. Turim: Harmattan, 2004. p. 192-244; MWEWA, Muleka; FERNANDES, Gleiciani. Género e cidadania na Guiné-Bissau: uma evolução histórica. In: GOMES, Patricia Alexandra Godinho; MWEWA, Muleka; FERNANDES, Gleiciani (Orgs.). Sociedades desiguais: gênero, cidadania e identidade. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2009. pp. 122-158; From theory to practice: Amilcar Cabral and Guinean women in the struggle for emancipation. In: MANJI; Firoze; FLETCHER JR., Bill (Orgs.). Claim no easy victories: the legacy of Amilcar Cabral. v. 1. Dakar: CODESRIA, 2013. pp. 279-294; O estado da arte dos estudos de gênero na Guiné-Bissau: uma abordagem preliminar. Outros Tempos, v. 12, pp. 168-189, 2015; A mulher guineense como sujeito e objeto do debate histórico contemporâneo: excertos da história de vida de Teodora Inácia Gomes. Africa Development (CODESRIA), v. 41, pp. 71-96, 2016; com FIGUEIREDO, Angela. Para além dos feminismos: uma experiência comparada entre Guiné-Bissau e Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 24, pp. 909-927, 2016; “As outras vozes”: percursos femininos, cultura política e processos emancipatórios na Guiné-Bissau. Revista Odeere, v. 1, pp. 121-145, 2016; De emancipadas a invisíveis: as mulheres guineenses na produção intelectual do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa. In: GOMES, Patrícia Godinho; FURTADO, Cláudio Alves (Orgs.). Encontros e desencontros de lá e de cá do Atlântico: mulheres africanas e afro-brasileiras em perspectiva de gênero. v. 1. Salvador: EDUFBA, 2017, pp. 27-45; Memorias de violência: mujeres, resistência y construcción identitaria em Guinea Bissau. In: CÓRDOBA, Elba Mercedes Palacios; CAMPO, María Mercedes; OROBIO, Martha Liliana Rivas; GRAJALES, Natalia Ocoró; LERMA, Betty Ruth Lozano (Orgs.). Feminicidio y acumulación global: memorias del foro internacional. Cali, 2016; Bogotá: Abya Yala, 2019. v. 1, pp. 227-246.
7 MITCHELL, Juliet. La condizione dela donna. Sesta edizione. Torino: Giulio Einaudi editore, 1972; SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 71-99, jul./dez. 1995; AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands: gender and sex in an African society. London: Zed Books, 1987; OYEWÙMÍ, Oyeronké. La invención de las mujeres: una perspectiva africana de los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial En la Frontera, 2017; OYEWÙMÍ, Oyeronké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Trad. de Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
8 OYEWÙMÍ, Oyeronké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Trad. de Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021. p. 15.
9 O tema da “descolonização” da História de África e o da produção do conhecimento foram amplamente discutidos por Cheikh Anta Diop na sua obra Anterioridades das civilizações africanas, de 1967, em que o autor desenvolveu a concepção do Egito enquanto civilização negra, defendendo a africanidade faraônica e do Mediterrâneo antigo.
10 Destacamos, igualmente, a necessidade de estabelecer pontes de diálogo, bem como “corredores de saberes” entre universidades e entre estas e instituições públicas e privadas dos estados parte da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa – CPLP, de forma sistemática e permanente. De igual modo, sublinhamos a importância de incluir São Tomé e Príncipe e Timor Leste em futuras reflexões/debates deste tipo, uma lacuna que temos verificado nos estudos sobre mulher e gênero no espaço “lusófono”, seja em termos individuais quanto coletivos (lacuna que, aliás, se estende ao universo dos países africanos de língua portuguesa).
11 Sobre o debate de África como um continente de “exceção”, veja-se SANSONE, Livio. Africa has no special smell: Towards academic equality in African studies, Codesria Bulletin, n. 1, pp. 32-35, 2018 (Disponível em CODESRIA Bulletin, Council for the Development of Social Science Research in Africa. Cf. https://codesria.org/spip.php?rubrique52&lang=en).
12 Como mencionado nesta introdução, optamos por colocar algumas categorias entre aspas, chamando a atenção para o fato de que não existe um consenso entre estudiosas/os sobre o seu uso em contextos africanos, e a de “patriarcado” não foge a essa problematização. Alguns dos textos discutem de forma mais pontual esta questão, como o de Carmelita Silva e de Patrícia Godinho Gomes.
13 Inúmeros/as acadêmicos/as africanos/as têm produzido sobre o tema, entre elas/es: Paulin Houtondji, Valentin Yves Mudimbe, Sabelo Ndlovu-Gatsheni, Elísio Macamo, Severino Ngoenha, Antony Appiah, Filomeno Lopes, Ifi Amadiume, Oyeronké Oyewùmí, Amina Mama, Patricia MacFadden, Mary Modupe Kolawole, Sylvia Tamale, Achola Pala, Paul T. Zeleza, Achille Mbembe.
14 Boa parte da literatura concernente às mulheres e relações de gênero em África tem sido produzida, de forma geral, por pesquisadorxs “anglófonos” e “francófonos”, africanos e de outras origens (sobretudo norte-americanos e europeus). No continente africano, este debate tem merecido particular atenção por parte de diversos centros de pesquisa como o African Gender Institute da Universidade do Cabo, (African Gender Institute (agi.ac.za) e o African Gender Institute do CODESRIA (Council for the Development of the Social Sciences in Africa), que desde meados da década de 1990 têm promovido a pesquisa fundamental sobre mulher, gênero e feminismos africanos e debates em nível de sociedade civil, em vários países africanos (Gender Institute – Council for the Development of Social Science Research in Africa (codesria.org). Deve-se mencionar, igualmente, os vários programas sobre mulher e gênero que têm emergido desde o início de 2000 em diversas universidades africanas, de forma transversal, de Norte a Sul, Leste a Oeste. Um contributo importante para o conhecimento da história das mulheres africanas no Brasil é o projeto on-line “Biografias de Mulheres Africanas, resultado de um projeto de iniciação científica desenvolvido por estudantes de graduação e pós-graduação da UFRGS, sob a coordenação de José Rivair Macedo e Thuila Farias Ferreira ( https://www.ufrgs.br/africanas/).
15 Por países africanos de “segunda descolonização” entendem-se aqueles que acederam à independência entre as décadas de 1970 e 1990. Entre esses, estão os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – PALOP: Eritreia, Zimbabwe, Namíbia e África do Sul.
16 ANTA DIOP, Cheikh. A unidade cultural da África Negra: esferas do patriarcado e do matriarcado na antiguidade clássica. Luanda: Edições Mulemba; Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, 2014.
17 AMADIUME, Ifi. Theorizing matriarchy in Africa: kinship ideologies and systems in Africa and Europe. In: OYEWÙMÍ, Oyeronké (Ed.). African gender studies: a reader, New York: Palgrave Macmilla, 2005. pp. 81-98.
18 ABU-LUGHOD, Lila. A escrita dos mundos de mulheres: histórias beduínas. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2020.
19 O conceito de “dupla colonização” tem sido abordado de forma crítica e, de certa forma, desconstruído em trabalhos de pesquisa sobre o continente africano. Neste volume pode-se ler o artigo de Patrícia Godinho Gomes sobre este tema.
20 Pensamos aqui, por exemplo, nas obras de Buchi Emecheta, Chimamanda Ngozi Adichie, Paulina Chiziane, Yaa Gyasi, Scholastiqu Muzasonga, Ama Ata Aidoo, No Violet Bulawayo, Tsitsi Dangarembga, entre outras.
21 MAHMOOD, Saba. Teoria feminista, agência e sujeito liberatório: algumas reflexões sobre o revivalismo islâmico no Egito. Etnográfica, v. X, n. 1, pp. 121-158, 2006.
22 Traduzido do francês por Sara Morais e Andréa Lobo. 23 SARRÓ, Ramon. La aventura como categoria cultural: apuntes simmelianos sobre la emigración subsahariana. Working Papers, Instituto de Ciências Sociais, Univ. de Lisboa, 2009; BÁLSAMO, Pilar. Diáspora africana e navios de carga na modernidade: um estudo das migrações irregulares desde a África Ocidental ao Cone Sul. In: DIAS, Juliana Braz; LOBO, Andréa de Souza (Orgs.). África em movimento. Brasília: ABA Publicações, 2012. pp. 209-234.
Referências
ABU-LUGHOD, Lila. A escrita dos mundos de mulheres: histórias beduínas. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2020.
AMADIUME, Ifi. Male daughters, female husbands: gender and sex in an African society. London: Zed Books, 1987.
AMADIUME, Ifi. Theorizing matriarchy in Africa: kinship ideologies and systems in Africa and Europe. In: OYEWÙMÍ, Oyeronké (Ed.). African gender studies: a reader, New York: Palgrave Macmilla, 2005. pp. 81-98.
ANTA DIOP, Cheikh. A unidade cultural da África Negra: esferas do patriarcado e do matriarcado na antiguidade clássica. Luanda: Edições Mulemba; Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, 2014.
BÁLSAMO, Pilar. Diáspora africana e navios de carga na modernidade: um estudo das migrações irregulares desde a África Ocidental ao Cone Sul. In: DIAS, Juliana Braz; LOBO, Andréa de Souza (Orgs.). África em movimento. Brasília: ABA Publicações, 2012. pp. 209-234.
MAHMOOD, Saba. Teoria feminista, agência e sujeito liberatório: algumas reflexões sobre o revivalismo islâmico no Egito. Etnográfica, v. X, n. 1, pp. 121-158, 2006.
OYEWÙMÍ, Oyeronké. La invención de las mujeres: una perspectiva africana de los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial En la Frontera, 2017.
OYEWÙMÍ, Oyeronké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Trad. de Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
SARRÓ, Ramon. La aventura como categoría cultural: apuntes simmelianos sobre la emigración subsahariana. Working Papers, Instituto de Ciências Sociais, Univ. de Lisboa, 2009.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 71-99, jul./dez. 1995.
Organizadores
Andréa Lobo – Professora no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília – UnB. Doutora em Antropologia pela UnB. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7525-1953. E-mail: andreaslobo@yahoo.com.b
Patrícia Godinho Gomes – Professora Visitante Estrangeira no Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Doutora em História e Instituições da África Moderna e Contemporânea pela Università degli Studi di Cagliari, Itália. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0726-1206. E-mail: patuxagomes@gmail.com
Referências desta apresentação
LOBO Andréa; GOMES, Patrícia Godinho. Mulheres por dentro e por fora de África: caminhos e possibilidades no debate de gênero1. AbeÁfrica: revista da associação brasileira de estudos africanos, v.6, n.6, p. 7-22, out. 2021. Acessar publicação original [DR]