Vozes negras na história da educação: racismo/educação e movimento negro no Espírito Santo (1978- 2002) | Gustavo Henrique Araújo Forde

O livro ora resenhado é resultado da pesquisa realizada pelo autor no doutorado em educação na Universidade Federal do Espírito Santo. Selecionada no Edital de projetos da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Espírito Santo. O texto revela uma face ainda muito silenciada da presença da população negra na história da educação brasileira.

As principais questões que movimentaram Forde ao longo da pesquisa foram: de que modo a educação foi constituída como pauta central do movimento negro do Espírito Santo? Quais usos e sentidos foram atribuídos à educação pelo conjunto desse movimento? De que maneira a militância negra movimenta e mobiliza seus espaços-tempos para o combate ao racismo na educação? De que modo a categoria “negro” é concebida na agenda política do movimento negro? Quais implicações o movimento negro tem produzido no contexto da educação escolar? São questões que o autor responde de forma crítica ao longo de cada capítulo do livro.

A pesquisa histórica, cujo recorte temporal abrangeu os anos de 1978 a 2002, baseou-se no método indiciário e foi realizada a partir de uma pluralidade de fontes. Outra característica da obra são as constantes e relevantes problematizações produzidas a partir das relações de força presentes no contexto e nas fontes estudadas.

O livro é dividido em quatro capítulos. O primeiro analisa a constituição histórica da militância negra no Espírito Santo, tendo como foco a dimensão educativa do movimento, concebido pelo autor como “um sujeito coletivo” de afirmação da população negra e combate ao racismo. Militante, Gustavo Forde cumpre o que se propôs no capítulo: problematiza a questão racial no Brasil, como contexto mais geral, ao mesmo tempo em que ajuda o leitor a localizar a constituição do movimento negro em terras capixabas.

No capítulo dois, o autor desvela, de forma coerente e precisa, o silêncio das fontes prescritoras da educação capixaba e os limites da historiografia da educação. Tendo consultado uma extensa documentação prescritora da educação, o autor critica o silêncio dessas fontes em relação à categoria cor/raça e os estigmas explícitos voltados aos negros e negras nos documentos curriculares. Audacioso, Forde também demonstra e denuncia a tipificação racial nos relatórios de segurança pública.

É no capítulo três que o autor se dedica a discutir o processo de institucionalização da negritude na educação. Fica evidente que a inclusão do direito à educação como pauta política do movimento, defendia não apenas o acesso e permanência da população negra nas escolas, mas, sobretudo, a luta por um percurso educativo que incorporasse a negritude na matriz curricular voltada para o combate ao racismo.

No quarto e último capítulo, o movimento negro capixaba é concebido como protagonista no movimento que buscou organizar, propor pautas e principalmente, atribuir sentidos à educação e, ao mesmo tempo, evidencia a relevância dos processos de formação acadêmica da militância na constituição deste protagonismo.

A obra apresenta, assim, uma operação historiográfica impecável à medida em que busca atribuir os sentidos, objetivos e subjetivos, que o movimento negro capixaba atribui à educação. Muitas das 305 páginas da obra são ilustradas com fotografias de atividades diversas, inúmeros recortes de jornal, comunicados, panfletos, cartazes, folders, documentos oficiais, programação de cursos, além de quadros que ajudam o leitor a se aproximar do contexto analisado/reconstituído pelo autor.

Na conclusão da obra, Gustavo Forde reconhece a sua incompletude, mas salienta que a operação historiográfica possibilitou demonstrar que os sentidos atribuídos à educação pelo movimento negro está intimamente relacionado ao “enfrentamento do processo de coisificação, estigmatização e subalternização produzidos em detrimento dos africanos e seus descendentes no Brasil” (p. 283) e denuncia as violências simbólicas e materiais frutos de uma sociedade marcadamente colonialista, escravista e racista.

Nesse sentido, acreditamos que a obra possa servir para militantes, professores/as e pesquisadores/as que se interessam pela temática. Além disso, por se tratar de um trabalho em que os dados focalizam o fenômeno no contexto do Estado do Espírito Santo, a obra é relevante não apenas para os/as sujeitos desse processo, mas também se constitui como uma relevante contribuição para a escrita da história e da história da educação em nível regional. Além da qualidade teórica e metodológica que o texto apresenta é também um ato político, digno de ser explorado por todas/os.


Resenhista

Elda Alvarenga – Pedagoga , mestra e doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é professora substituta do Instituto Federal de Educação do Espírito Santo/Campus Cachoeiro. É membro do Nucaphe (Núcleo capixaba de pesquisa em história da educação (PPGE/Ufes) e coordenadora do Nupeges (Núcleo interinstitucional de pesquisa em gênero e sexualidades) /FEFD.


Referências desta Resenha

FORDE, Gustavo Henrique Araújo. Vozes negras na história da educação: racismo, educação e movimento negro no Espírito Santo (1978- 2002). Campos de Goytacazes/RJ: Brasil Multicultural, 2018. Resenha de: ALVARENGA, Elda. Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo. Espirito Santo, v.5, n.10, 2021. Acessar publicação original [DR]

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