Voltaire político: espelhos para príncipes de um novo tempo | Marcos Antônio Lopes

Voltaire, um conservador?

Nesse novo livro, o professor Marcos Antônio Lopes oferece uma interpretação de como Voltaire, considerado pelo autor como o “Plutarco do Iluminismo”, analisou a política de sua época e escreveu sobre ela, descrevendo a organização de sistemas de governo e a maneira como os príncipes e imperadores da época manifestavam sua ação perante o Estado, em suas biografias comparativas. O texto foi originalmente uma tese de doutorado em História, defendida em 1999, na Universidade de São Paulo. Partes da tese já foram publicadas, em versões reformuladas, sob os títulos de: Voltaire literário em 2000, pela Editora Imaginário, e Voltaire historiador em 2001, pela Editora Papirus. O que o leitor encontra neste novo livro é a parte inédita da tese, que também aparece bastante revista pelo autor. O texto foi dividido em cinco capítulos, antecipados por uma introdução e por uma bela apresentação escrita pelo professor Norberto Luiz Guarinello.

Na apresentação, Guarinello ressalta que Voltaire foi

historiador, é certo, mas não como os historiadores que a disciplina acadêmica produziu a partir do século XIX, com seu rigor conceitual, sua objetividade e seu apreço as fontes. Foi pensador político, é verdade, mas não por meio de tratados específicos, nem com a originalidade ou o vigor de um Montesquieu ou de um Rousseau. Não conseguiu projetar, nem antever, o que seriam as características do moderno Estado burguês (LOPES, 2004, p. 11).

Preocupado com a história, Voltaire foi um estudioso de sua época, concentrando-se em figuras como Carlos XII, Luis XIV e Pedro, o Grande. Ao procurar encadear os acontecimentos numa ordem de sentido adequada, vislumbrando os problemas vividos pela sociedade francesa da época, Voltaire acabou enfatizando em sua escrita o papel do rei e sua função na sociedade. Desse modo, veio a opor entre si Estado e sociedade, ao identificar o movimento dos diferentes atores sociais, ora ressaltando a figura do monarca como o protagonista das transformações políticas e sociais, ora demonstrando as tensões e conflitos que as ações dos monarcas causavam sobre a sociedade setecentista.

Na introdução, Marcos Antônio Lopes demonstrou a riqueza e a variedade de interpretações produzidas sobre a obra de Voltaire, e identificou seu itinerário como oportuno, embora já ricamente estudado pela historiografia. Ao se apoiar nos estudos de Eduard Fueter, Paul Hazard, René Pomeau, Eric Voegelin, Sheldon Wolin, Isaiah Berlin, Norberto Bobbio, Quentin Skinner, Ernst Cassirer e John Pocock, ele procurou escrever sobre Voltaire, mas o fez buscando “um conjunto de temas na obra […] não da forma como estão ali retratados na ordem formal do texto, mas procurando distinguir a maneira pela qual os concebeu” (LOPES, 2004, p. 17).

A sua tarefa teve início com uma reflexão sobre como Voltaire analisou a realeza e definiu suas idéias acerca do bom governo. Lopes não ofereceu uma discussão pormenorizada sobre as formas de governo em Voltaire, algo que foi estudado em diferentes momentos por Henri Sée, George Sabine, Marcel Prélot e Jean Touchard, porque se preocupou em “demonstrar que o pensamento histórico e político de Voltaire, apesar de sensíveis rupturas com a tradição do século XVII, continuou a perseguir exigências morais […] fazendo do curso da história algo a ser moldado pela arte do príncipe virtuoso” ((LOPES, 2004, p. 23) e nesse sentido “direciona-se o foco de análise para os aspectos centrais do catálogo dos valores na obra […] em meio aos embates intelectuais de seu tempo e ao grande esforço que ele empreendeu para esculpir a figura modelar do príncipe” (LOPES, 2004, p. 23).

Nesse sentido, a novidade trazida pelo autor foi demonstrar a continuidade e as rupturas, na obra de Voltaire, com os chamados aconselhamentos dos príncipes, manuais que apareceram a partir do século XII, como “catálogos de virtudes” em que os príncipes se viam como que refletidos num espelho de “boas” e “más” condutas “para si” e “para seus súditos”; mas que foram reorientados, sob novos parâmetros, nos séculos XVI e XVII, nas obras de Maquiavel, Hobbes e Locke. Em Voltaire, conforme nos indica o autor, houve um retorno àquele gênero literário medieval, no qual os espelhos dos príncipes resplandeciam sobre seus súditos como um exemplo a ser seguido. Destarte, não foi por acaso que Voltaire teria se interessado em estudar personagens reais, com vistas a construir um modelo de príncipe ideal. É assim que o autor percorre, em seus capítulos, a maneira como Voltaire estudou o “espírito” da realeza e definiu seus estudos históricos de acordo com uma análise da atuação de diferentes monarcas, tendo em vista a elaboração do príncipe devoto à boa administração dos negócios públicos, ao aperfeiçoamento da arte e da ciência. Voltaire, portanto, não romperia totalmente “com a tendência em se apontar para os valores morais do príncipe” (LOPES, 2004, p. 127). No entanto, seu “catálogo de virtudes”, em que recomendava aos governantes de sua época um conjunto de qualidades, tais como a magnanimidade, a clemência, a honra, a glória, a modéstia e a magnificência. diferenciava-o dos espelhos dos príncipes medievais, que foram mais influenciados pelo cristianismo.

O trabalho de Lopes, portanto, mostra o esforço intelectual feito por Voltaire para justificar a necessidade de fundar um novo tipo de autoridade política capaz de tornar o mundo habitável, [e esse] princípio civilizador é o príncipe virtuoso, daí a profusão de imagens a seu respeito. Se de fato há uma filosofia política que se insinua nas entrelinhas de seus textos históricos, sua palavra chave é ordem, e o príncipe virtuoso é o seu agente (LOPES, 2004, p. 130). Assim, o autor contribui com este livro para enriquecer o retrato que se fez sobre Voltaire e apontar para novas leituras de seus textos históricos.


Resenhista

Diogo da Silva Roiz – Professor do Departamento de História nos cursos de História e de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), na unidade de Amambai.


Referências desta Resenha

LOPES, Marcos Antônio. Voltaire político: espelhos para príncipes de um novo tempo. São Paulo: Edunesp, 2004. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Diálogos. Maringá, v.11, n.3, 227-229, 2007. Acessar publicação original [DR]

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