GRÁCIO, Rui Alexandre. Vocabulário crítico de argumentação. Prefácio de Rui Pereira. Coimbra: Grácio Editor/Instituto de Filosofia da Linguagem da Univ. Nacional de Lisboa, 2013. 144 p. Resenha de: MOSCA, Lineide do Lago Salvador. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.9 n.1 São Paulo Jan./July 2014.
Soma-se agora à obra de Rui Grácio mais este trabalho, que traz no próprio título o espírito que o guia, ou seja, a visão crítica de quem convive de longa data com as questões relacionadas à argumentação e ao fazer persuasivo. De fato, desde 1993 vêm a lume algumas de suas obras que configuram esta linha de pesquisa e que tiveram grande repercussão nas Ciências da Linguagem, no que toca à Retórica e domínios afins, tais como a Filosofia, as Ciências Jurídicas e as Teorias da Comunicação.
Em Racionalidade argumentativa (1993), Grácio chega à oportuna junção entre a racionalidade e a sua natureza, apontando para a especificidade que delineia o quadro da argumentação, com uma lógica própria, aquela que é do domínio da incerteza, do plausível, enfim, daquilo a que se tem chamado razoabilidade. Seguem-se Consequências da retórica (1998); Discursividade e perspectivas; Questões de argumentação (2009), já como editor; A interacção argumentativa (2010); Fenomenologia, hermenêutica, retórica e argumentação (2011); Teorias da argumentação (2012) e em 2013 mais dois livros, Perspectivismo e argumentação e aquele que é alvo desta resenha: Vocabulário crítico de argumentação. Neste número temático da revista Bakhtiniana sobre Discurso e Argumentação, julgamos que ele vem bem a calhar, como síntese dos pontos-chave que circulam nas mais diversas teorias do assunto, independentemente das posições assumidas. São os conceitos e sua aplicação que prevalecem.
Constituem esse Vocabulário 69 verbetes-artigos, que trazem os principais conceitos que presidem a teoria e a prática da argumentação. Grácio transita pelos mais diversos autores de referência nas questões examinadas em cada tópico, incorporando a postura de que o importante são as ideias e noções com que se trabalha, independentemente de correntes, escolas ou posições de origem. Isso reforça o fato de que não há uma teoria única e exclusiva de estudos da argumentação, diferenciando-se estes quanto aos recortes sob os quais examinam os objetos discursivos e suas respectivas ênfases.
Assim, aproveitam-se os aportes originários de várias procedências teóricas, tais como os da Pragma-dialética, encabeçados por Frans van Eemeren, da Universidade de Amsterdam, com a consideração das normas que regem uma discussão inteligente e, portanto, de um ponto de vista prescritivo, o que faz descartar a intervenção de todo tipo de falácia numa argumentação colaborativa, especialmente os argumentos ad hominem, ad personam, ad ignorantiam, entre outros.
Citemos, a esse respeito, para ilustrar o que estamos expondo, o verbete “Abordagens descritivas e abordagens normativas” (p.14 – 16), em que Grácio delineia os principais enfoques encontrados no estudo da argumentação. Segundo o autor, para a Análise do Discurso, o que conta em primeiro plano é a argumentatividade, podendo-se inclinar para uma visão descritiva ou normativa, caso se volte para o estudo das estratégias, dos mecanismos e dos critérios, responsáveis pela eficiência do discurso ou, então, se centralize na avaliação dos argumentos, segundo um pensamento crítico. Este tipo de análise se preocupa também em compreender a força dos argumentos sobre o outro da interlocução e é essencialmente descritiva.
A visão normativa volta-se para a validade e aceitabilidade dos argumentos e dos raciocínios, isto é, sobre os modos de argumentar, estabelecendo regras universais e ideais para as práticas argumentativas concretas.
A perspectiva interacionista faz o acoplamento dessas duas visões, descritiva e normativa, em que se defrontam um discurso e um contradiscurso em torno de uma questão controversa. Desse ponto de vista, dá-se um ato argumentativo, propriamente dito, quando se estabelece um ponto crítico, uma questão, destacando-se os papéis da interlocução: um proponente, um oponente e um terceiro. São citados autores como Perelman, Toulmin, Plantin, Angenot, Ducrot, Amossy e outros.
As citações bibliográficas, disseminadas nos diversos verbetes, dão mostra do muito que se tem realizado no campo da argumentação, com estudiosos de inúmeros países, de especialidades que vão da filosofia à sociologia e, naturalmente, aos estudos do discurso.
A escolha dos conceitos básicos que servem de entrada neste Vocabulário crítico de argumentação conduz ao delineamento da disciplina e à constituição de um todo harmonioso, ao juntarem-se as partes dessa trajetória. Não são peças aleatórias, mas componentes cuja somatória dão a estrutura básica de todo ato argumentativo. Por esta e outras razões, julgamos que não se trata de um simples “Vocabulário”, ainda que se lhe atribua o adjetivo “crítico”. O resultado é, na realidade, um compêndio de argumentação, condensando nos verbetes as discussões levantadas sobre os seus temas e o estado de questão em que se encontram, podendo ser operacionalizados no ensino, com aplicações nos mais diversos tipos de discurso e de linguagens.
Bastam alguns exemplos para retratar este caráter explanatório e crítico da obra em questão: vejam-se os verbetes auditório, kairós, ethos, topoi, situação argumentativa, entre muitos. O leitor poderá fazer a correlação entre eles para chegar a uma visão sintetizadora da disciplina. É o que se dá entre situação argumentativa e kairós, a noção de oportunidade, cara a Aristóteles, é o que liga esses conceitos, sem os quais a argumentação não pode se realizar a contento. Nesse caso, o planejamento não invalida o improviso, necessário para fazer face às variações que se apresentarem na prática em si, no momento da ocorrência argumentativa.
Os verbetes recobrem, além da descrição do fenômeno, uma análise crítica da parte do autor, ao comentar as várias posições acerca do assunto, porém sempre com flexibilidade e sem dar soluções definitivas às questões polêmicas. Tomemos, a título de apresentação, o verbete “Tipologia dos diálogos” (p.123-124), em que Grácio apresenta um quadro de Walton, de 1989, com as principais modalidades de diálogo, em função de suas finalidades e contexto: debate, escaramuça, discussão crítica, negociação, busca de informação, busca de ação, difusão de conhecimento. O verbete aponta as vantagens de tal classificação, a sua valia, ao considerar a argumentação em função de objetivos e de contextos determinados por finalidades, isto é, numa visão pragmática, mas também ressalta as suas fraquezas, assinalando o fato de que as interações não vêm organizadas de modo tipificado, nem se prestam a uma finalidade única, devendo-se considerar essas funções em sua multidimensionalidade, que vai sendo construída no próprio ato da interação.
Como podemos constatar, com esta obra e outras, Rui Grácio tem impulsionado os estudos da Argumentação e da Retórica, participando do movimento de revitalização daquela que foi uma ciência de prestígio na Antiguidade e que, em sua visão integral e integradora, permanece ainda como essencial à definição do humano e à formação da cidadania. Os estudos do discurso têm uma longa história no pensamento ocidental e, ainda hoje, estão associados à produção dos antigos filósofos gregos. De fato, a arte de bem dizer fazia parte da educação do cidadão, constituindo a competência discursiva um quesito-chave à sua atuação naquela sociedade. Ainda hoje, entende-se a capacidade de argumentação como uma atividade fundamental da vida social e como uma forma básica assumida pelo pensamento em diversas situações, remetendo a um processo dialógico de grande complexidade, uma vez que nele entram procedimentos cognitivos, componentes psicológicos e passionais. Considerando-se a atividade argumentativa como ação sobre outro e, ao mesmo tempo, conformada pelo outro, não é ela isenta de implicações de natureza ética e política, por seu caráter decisório, levando a tomadas de decisão.
Por todas essas razões e muitas outras, os estudos contemporâneos da argumentação foram retomados por vários estudiosos, revitalizando o legado de um importante passado e propiciando novos avanços, entre os quais se destaca o trabalho de Rui Grácio, que ora colocamos em destaque. Seu trabalho nos obriga a uma leitura retrospectiva e, simultaneamente, a uma leitura prospectiva, prestando contribuição ao presente e preparando o futuro.
Lineide do Lago Salvador Mosca – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, São Paulo, Brasil; lineide@usp.br.
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