Visões dantescas: a Comédia entre Idade Média e Contemporaneidade | Signum – Revista da ABREM | 2020

O dossiê Visões dantescas: a Comédia entre Idade Média e Contemporaneidade propõe sete artigos acerca da obra de Dante Alighieri, focando a Idade Média e a contemporaneidade, e favorecendo, assim, um entrelaçamento entre esses dois polos, no intuito de encontrar analogias e diferenças entre o passado e o presente da história literária ocidental. O objetivo principal do dossiê é contribuir como um estímulo aos estudos sobre Dante no Brasil.

Em terra brasilis, várias foram as personalidades que dedicaram considerações e análises, mais ou menos extensas, ao poeta florentino: de Araripe Junior até Marco Lucchesi, de Câmara Cascudo até Eduardo Sterzi. Nesse contexto, o centenário dantesco de 2021 será uma oportunidade significativa para enriquecer os estudos dantescos brasileiros. Um dos exemplos do constante interesse, no Brasil, em relação à obra de Dante, é o XIX Congresso da ABPI (Associação Brasileira de Professores de Italiano), previsto para acontecer em outubro de 2021, em Salvador, cujo tema será “O mundo de Dante e Dante no mundo: heranças linguísticas e culturais no diálogo com a contemporaneidade”. Não é por acaso, portanto, que dois membros da atual diretoria da ABPI, Gesualdo Maffia e Jadirlete Lopes Cabral, tenham realizado importantes contribuições à presente edição da Signum: duas entrevistas com grandes pesquisadores da obra de Dante. Gesualdo Maffia entrevistou Marco Berisso, docente de filologia italiana na Università degli Studi di Genova, enquanto Jadirlete Lopes Cabral, com a colaboração de Daniel Fonnesu, conversou com David Lummus, da University of Notre Dame. As entrevistas mantêm um diálogo com as perspectivas propostas pelos artigos reunidos no dossiê Visões dantescas: a Comédia entre Idade Média e Contemporaneidade.

Especificamente quanto a este dossiê, por nós organizado, frisamos que o primeiro artigo, de Daniel Lula Costa, “Mitologia dantesca: a presença alegórica de Gérião na Commedia”, é voltado para a análise da função figural de Gérião na sua condição de ser híbrido. Observa Daniel Lula Costa que “Gérião é um ser ctônico, como o são Medusa, Cérbero, Minotauro, dentre outros”, sendo o “símbolo de quatro seres que vivem em um mesmo corpo, tendo que conviver com a confusão de suas três cabeças, mas detendo a força de sua união”. O autor inclui, entre as suas referências teóricas, o pensador, internacionalmente reconhecido, mas ainda de crescente influência no contexto da crítica literária praticada no Brasil, Hans Ulrich Gumbrecht.

Os autores Eugenia Bertarelli e Clínio de Oliveira Amaral, por sua vez, apresentam texto intitulado “Discursos sobre a Divina Comédia ou temporalizações de Dante Alighieri? A construção do conceito de Idade Média e uma análise decolonial por meio da teoria do medievalismo”. Aproveitando reflexões teóricas de Reinhardt Koselleck e de Nadia Altschul, assim como a análise de biografias e comentários sobre a Divina Comédia escritos por Giovanni Boccaccio, Francesco Petrarca e Leonardo Bruni, os pesquisadores elaboram a hipótese de uma “temporalização” de Dante. Eles defendem que, “embora não seja possível afirmar que Idade Média, como conceito, já circulasse no quattrocento na península Itálica, é possível investigar como se mobilizam nesse contexto certas noções que dariam sentido ao conceito a partir do século XIX”. Por isso – segundo Eugenia Bertarelli e Clínio de Oliveira Amaral –, de Boccaccio até Bruni, “os comentários à Divina Comédia e a escrita de biografias sobre o poeta mobilizam um discurso que contribuiu para inaugurar um modelo de referência da chegada de um ‘novo tempo’”.

Em “A ideologia franciscana na Divina comédia de Dante e nos Autos das barcas de Gil Vicente”, Fabio Sanches Paixão sugere a presença da ideologia franciscana na Comédia e em autos de Gil Vicente, convencido de que “os autores dessas obras estavam distanciados pelo tempo e pelo espaço, mas, apesar disso, demonstraram muitas afinidades de pensamento, já que ambos criticaram os desvios nas sociedades em que estavam inseridos”. Por sua vez, Geraldo Augusto Fernandes propõe o estudo intitulado “As visões dantescas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende”. Segundo o pesquisador, no Cancioneiro Geral, podemos encontrar poemas que recorrem às visões dantescas: “de Dante há de se registrar as visões dantescas – a viagem aos infernos narrada na Divina Comédia. A temática é trabalhada no CGGR em pelo menos oito trovas”. Depois de uma análise de pontuais trechos textuais, Geraldo Augusto Fernandes acrescenta, acerca das visões: “Tomam por guia Dante em sua Divina Comédia, mais especificamente no Inferno, parodiando ou emulando uma das modalidades do gênero visões, e, a partir dessa fonte, vão adequando o tema do amor às trovas, recheando os textos de figuras e tropos, também como indicam os ilibados retóricos”.

“Sobre aportes, ecos e circulações do Comento sopra la comedia na América Latina: Dante Alighieri, Cristoforo Landino e seus leitores durante o período colonial”, de Matheus Silva Vieira, tem como objetivo desenvolver um estudo sobre a circulação e a influência dos primeiros aportes do Comento Sopra la Comedia, de Cristoforo Landino, na América Latina colonial, em particular no Brasil e nos dois primeiros vice-reinados espanhóis: México e Peru, já que, segundo o autor, “os comentários de Cristoforo Landino guiaram a leitura da Commedia no Novo Mundo, seja mediante citações diretas, como no caso de Fernández de Oviedo, ou de possíveis traços ligados à compatibilidade temática, como em Inca Garcilaso”, ou ainda pela presença do comentário “em catálogos de biblioteca, tal qual o da Real Biblioteca portuguesa”.

Júlio Cezar Bastoni da Silva e Antonio Huertas Morales concluem o nosso dossiê. Júlio Cezar Bastoni da Silva, autor da contribuição “‘Dante Negro’: a Divina Comédia, segundo Cruz e Sousa”, analisa o dialogismo com Dante criado por Cruz e Sousa na sua poesia. Cruz e Souza “teve no Dante da Divina Comédia uma referência constante, que importa não apenas indicar, mas ser pensada enquanto uma adoção congenial que a releitura moderna do poeta florentino pôde propiciar”, explica Júlio Cezar Bastoni da Silva. As referências ao Simbolismo e à filosofia schopenhaueriana, dentro do horizonte de uma apropriação de Dante realizada por Cruz e Sousa, apontam para um aspecto da história da literatura brasileira oitocentista ainda de surpresas e descobertas. Por fim, o escrito de Antonio Huertas Morales, “La oscura selva del superventas: Dante y la Divina comedia en la narrativa del siglo XXI”, realiza uma ampla exposição da presença dantesca na literatura e na cultura contemporâneas, direcionando a sua análise para autores e textos heterogêneos, como Roberto Masello, Jane Langton, ou Javier Arribas, com uma inclinação para gêneros de particular sucesso (histórias policiais, ficção científica etc.) na cultura contemporânea.


Organizadores

Yuri Brunello – Universidade Federal do Ceará. E-mail: yuri.brunello@ufc.br

Bárbara Costa Ribeiro – Universidade Federal do Ceará. E-mail:  costaribeirobarbara@gmail.com


Referências desta apresentação

BRUNELLO, Yuri; RIBEIRO, Bárbara Costa. O passado e o presente da Comédia de Dante. Signum- Revista da ABREM, v. 21, n. 2, p.6-9, 2020. Acessar publicação original [DR]

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