Visionary Women: How Rachel Carson, Jane Jacobs, Jane Goodall, and Alice Waters Changed Our World, de Andrea Barnet, reúne biografias de quatro mulheres que, quase simultaneamente, revolucionaram o mundo com as suas ideias. Em 1962, Rachel Carson (1907-1964) deu início ao movimento ambientalista ao alertar, no livro Silent Spring, para as graves consequências ambientais e sanitárias do uso indiscriminado de DDT. Em 1961, Jane Jacobs (1916-2006) inaugurou, com o seu livro The Death and Life of Great American Cities, a crítica ao urbanismo modernista ao apontar a deterioração da vida social nas cidades norte-americanas nas quais esse modelo de planejamento urbano fora implantado – especialmente em Nova Iorque. Em 1962, Jane Goodall (1934–) provocou uma redefinição científica de humanidade ao observar e registrar chimpanzés utilizando ferramentas, comportamento até então atribuído apenas aos seres humanos. Em 1965, Alice Waters (1944-) descobriu, na França, os prazeres das refeições feitas com ingredientes frescos, produzidos localmente. Isso inspirou o projeto do seu restaurante, Chez Panisse – marco na culinária sustentável –, inaugurado em 1971, Berkeley, Califórnia.
Andrea Barnet atribui o sucesso quase instantâneo do ativismo de Rachel Carson, Jane Jacobs, Jane Goodall e Alice Waters ao espírito da contracultura – em ascensão na década de 1960 – que rejeitava o estilo de vida norte-americano (American way of life), excessivamente tecnocrático, industrialista e ambientalmente irresponsável do pós-Segunda Guerra Mundial. Segundo a autora, essas quatro mulheres foram visionárias ao perceberem a necessidade de restaurar sistemas – ambientais, urbanos, científicos e produtivos – para evitar a deterioração tanto da natureza quanto da qualidade da vida humana.
Em 1945, enquanto revisava e editava relatórios científicos para o United States Fish and Wildlife Service, Rachel Carson tomou conhecimento dos relatórios sobre os efeitos tóxicos para mamíferos, aves, sapos e peixes após a aplicação de DDT no Patuxent Research Refuge, em Maryland (EUA). Desde então, ela preocupou-se com os possíveis efeitos do DDT para a saúde humana. No entanto, como ainda não havia evidências da toxicidade do DDT em humanos, as suas preocupações foram desacreditadas. Exemplo disso foi a rejeição da revista Reader’s Digest, em julho de 1945, à proposta de Rachel Carson para uma matéria sobre esse assunto. Em junho de 1962, depois que emergiram inúmeras evidências da toxicidade do DDT para os seres humanos e depois que Rachel Carson alcançou prestígio com o seu bestseller The sea around us, o The New Yorker publicou trechos de Silent Spring que provocaram surpresa e indignação entre muitos leitores. No ano seguinte, Carson publicou o livro completo, que se tornou um clássico instantâneo e acelerou a consolidação do movimento ambientalista.
Em 1935, Jane Jacobs, mudou-se com a sua irmã, Betty, de sua cidade natal – Scranton, Pensilvânia (EUA) – para Nova Iorque. O pai delas as aconselhou a terem dois planos profissionais: um trabalho dos sonhos e uma habilidade prática para a qual poderiam recorrer a qualquer momento. Jane Jacobs então sonhava em ser repórter, mas passava boa parte dos seus dias caminhando pela cidade em busca de entrevistas para cargos administrativos. Foi assim que ela conheceu a cidade e se encantou pelas dinâmicas sociais que aconteciam nas suas ruas. Ela registrava as suas ideias e observações no caderno de anotações que sempre carregava consigo. Ao final do dia, ela transformava esses registros em artigos e os enviava para revistas na esperança de publicá-los. Ela continuou essa rotina mesmo depois de conseguir um emprego como secretária, pois o seu sonho de ser repórter permanecia vivo. Em fevereiro de 1937, ela publicou o seu primeiro artigo, “Flowers come to town”, na revista Vogue, que encomendou mais quatro peças semelhantes para serem publicadas nos próximos dois anos. Assim começou a sua carreira de escritora. Em 1956, já como editora associada da revista Architectural Forum, Jane Jacobs deu uma bem-sucedida palestra na faculdade de arquitetura da Universidade de Harvard. Foi nessa ocasião que ela expressou pela primeira vez muitas das suas críticas às intervenções urbanas de então por ignorarem a função social dos espaços urbanos espontâneos. Nos anos subsequentes, ela continuou observando a cidade e entrevistando os seus usuários e, em 1961, publicou a sua obra de maior impacto, The Death and Life of Great American Cities.
Desde pequena, Jane Goodall sonhava em viver entre animais selvagens. Em 1957, aos vinte e dois anos e depois de passar meses economizando o seu salário de garçonete, ela realizou o sonho da infância: ir para a África. O motivo da viagem era visitar uma amiga, Clo Mange, cuja família tinha fazenda nos arredores de Nairóbi, Quênia. Durante a viagem, Jane Goodall conheceu Louis Leakey, paleontólogo renomado e então curador chefe do museu de história natural de Nairóbi, e passou a trabalhar para ele como sua secretária pessoal. Leakey desejava estudar o comportamento de chimpanzés na natureza e, quanto mais conhecia Jane Goodall, mais acreditava que ela seria a pessoa perfeita para realizar a sua pesquisa de campo. Em junho de 1960, depois de Leakey arrecadar recursos para a pesquisa, Jane Goodall – acompanhada por sua mãe, Vanne Morris-Goodall – foi para o Parque Nacional de Gombe, Tanzânia, com a missão de observar chimpanzés em seu habitat. Como esses animais evitam contato com seres humanos e como as pesquisas zoológicas até então eram de curta duração, nenhum cientista havia conseguido observá-los de perto. Jane Goodall, no entanto, tinha uma paciência enorme. Aos poucos, os chimpanzés foram se acostumando com a sua presença e, em novembro de 1960, ela pôde ver um deles usando um graveto para retirar cupins de um cupinzeiro e comê-los. Esta observação levou a uma redefinição científica de humanidade, pois, na época, o traço distintivo dos seres humanos era a sua capacidade de fabricar e usar ferramentas.
Em 1965, Alice Waters, então estudante da Universidade da Califórnia em Berkeley (UC Berkeley) passou um semestre na França com a sua amiga Sara Flanders. Alice Waters, então com vinte e um anos, encantou-se com a experiência gastronômica cotidiana dos franceses. Desde a primeira refeição que fez em Paris – uma sopa de legumes – ela teve uma sensação totalmente diferente. A sopa tinha gosto de legumes e temperos frescos, finamente fatiados ao invés de processados. Nos meses seguintes, ela encantou-se com o zelo das refeições francesas e com o aspecto social e cultural que elas tinham. Enquanto os norte-americanos deslumbravam-se com a crescente tendência de comerem sozinhos em lanchonetes fast-food, os franceses eram capazes de desfrutar de um almoço por horas na companhia de amigos. Às vezes, amizades eram feitas durante uma refeição. Ao voltar para a Califórnia, Alice Waters sentiu falta de um café, um bistrô ou qualquer lugar onde pudesse ter a experiência gastronômica, cultural e social que tinha durante as suas refeições na França. Essa saudade transformou-se no projeto de seu restaurante, o Chez Panisse, inaugurado em agosto de 1971, servindo belas refeições feitas com produtos frescos, locais e orgânicos e num ambiente acolhedor e socialmente convidativo. Esse restaurante foi pioneiro para o movimento que posteriormente ficou conhecido como Slow Food.
Esses e muitos outros detalhes das biografias dessas quatro mulheres são apresentados no prazeroso livro de Andrea Barnet. Para a autora, a emergência e a receptividade concomitantes dos pensamentos dessas quatro mulheres não foi mera coincidência. A tese da autora é que, além das narrativas biográficas individuais, há uma segunda narrativa de mudança de consciência coletiva num momento divisor de águas da cultura norte-americana. Essa segunda narrativa perpassa a obra, composta por cinco capítulos: um para cada uma das mulheres visionárias e um sobre a contribuição conjunta delas para a identificação de uma crise moral da modernidade. O livro conta também com uma seção de quarenta fotos que ajuda o leitor a mergulhar na vida de cada uma dessas mulheres extraordinárias.
Visionary Women é, acima de tudo, uma obra feminista, mas ela dispensa a linguagem militante. As quatro biografias, por si sós, são suficientes para mostrar que a perspicácia, a determinação e a competência podem prevalecer sobre o preconceito de gênero. Contudo, essas mulheres visionárias só alcançaram o merecido reconhecimento depois de sofrerem ataques tanto às suas competências profissionais quanto às suas vidas pessoais. Rachel Carson enfrentou a indústria dos pesticidas enquanto sustentava a sua família e perdia a vida para um câncer. Jane Jacobs enfrentou a fúria de personagens influentes no planejamento urbano norte-americano, especialmente de Robert Moses (1888-1981), enquanto cuidava de sua família e se engajava em atividades comunitárias dos bairros novaiorquinos onde morou: Greenwich Village e Brooklyn Heights. Jane Goodall, sem formação acadêmica, enfrentou o desdém de cientistas renomados – como o zoólogo Solly Zuckerman (1904-1993) – antes de revolucionar a zoologia com o seu método pioneiro de pesquisa de campo. Alice Waters enfrentou inúmeras dificuldades, inclusive financeiras, para abrir as portas de seu Chez Panisse e mantê-las abertas num contexto de deslumbramento com a indústria do fast-food. Essas quatro mulheres rejeitaram a vida estritamente doméstica das mulheres da década de 1960, seguiram as suas curiosidades investigativas e divulgaram as suas ideias revolucionárias com tanto primor que ainda hoje, mais de meio século depois, são atuais. Com uma narrativa fluida e repleta de detalhes e comentários inteligentes, Visionary Women é uma obra inspiradora e prazerosa para amantes de biografias. A obra certamente merece uma tradução para o português.
Resenhista
Priscila Pimentel Jacob – Arquiteta e urbanista pelo Centro Universitário de Brasília (2010); licenciada em letras pela Universidade de Brasília (2010); especialista em análise ambiental e desenvolvimento sustentável Centro Universitário de Brasília (2015); mestra em desenvolvimento sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (2017); e doutoranda em desenvolvimento sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.
Referências desta Resenha
BARNET, Andrea. Visionary Women. How Rachel Carson, Jane Jacobs, Jane Goodall, and Alice Waters Changed Our World. Nova York: HarperCollins, 2018. Resenha de: JACOB, Priscila Pimentel. Mulheres visionárias da crise moderna. Resenha Online. São Paulo, n. 235, jul. 2021. Acessar publicação original [DR]
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