Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present | Bem Kiernan
Os estudos asiáticos no Brasil vêm desenvolvendo nos últimos anos, com algum fôlego, boas produções acadêmicas. Alguns departamentos, com maior frequência aqueles de língua, cultura e civilização estrangeiras, têm se esforçado para criar e manter centros de estudo sobre a Ásia. Os departamentos de História, por sua vez, com esforços igualmente louváveis, vêm já há algumas décadas envidando esforços no sentido de contribuir para uma abordagem mais matizada e vertical dos temas asiáticos, retirando-os assim de um destino quase sempre panorâmico da visada internacionalista interessada, mais imediatamente, nas conjunturas político-econômicas da ordem do dia.
Nesse contexto de abertura e consolidação de uma área de especialização, os estudos asiáticos quase sempre são sinônimo, no volume da produção acadêmica brasileira, de estudos sobre China, Japão e, com menos incidência, Coreia do Sul. As relações históricas mais próximas do Brasil com esses três países acabam, de alguma forma, condicionando e dirigindo o interesse do pesquisador brasileiro por temas ligados àqueles momentos em que estabelecemos relação mais direta com esses três representantes do extremo leste.
Entretanto, quando nos afastamos um pouco dessa grande órbita sino-nipônica, deparamo-nos com um quase-vazio que só não é total devido aos esforços hercúleos de alguns poucos pesquisadores e suas pequenas ilhas de resistência para manter o interesse e alguma produção que abarque outras histórias, outras narrativas, outros povos.
O espaço compreendido pelo Sudeste Asiático é um exemplo desse acantonamento involuntário promovido na nossa produção acadêmica pelo “excesso” – com todas as aspas que esta hipérbole exige – de interesse pelo eixo China-Japão. Uma bela e promissora exceção a esse paradigma vem sendo a produção do Professor Emiliano Unzer Macedo, do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo. Em 2019, o professor lançou um rico compêndio de “História da Ásia” que, ao longo de 656 páginas, perfaz a trajetória, dos tempos míticos aos conflitos pós-coloniais, de um espaço geográfico que se estende de Karachi a Tóquio.
Ao e à estudante futuros pesquisadores e pesquisadoras mais interessados na história nacional dos Estados que compõem o Sudeste Asiático, por exemplo, a solução que se impõe é recorrer à produção acadêmica internacional. Nesse sentido, o acesso à bibliografia estrangeira se assevera como praticamente única via possível para que pesquisas possam ser desenvolvidas e amadurecidas.
As produções francófonas e anglo-saxônicas vêm, desde meados da década de 1970, muito por conta do boom dos estudos culturais nos departamentos de LLCE2, se dedicando à produção de estudos periféricos, não-cêntricos. Nesse contexto específico, a referência de centralidade é a China, o Japão e, em alguns casos, mais tardiamente, a Rússia asiática, já num período pós-soviético. Dessa forma, os países que estiveram fora da área de interesse mais imediata dos dois blocos antagônicos no contexto da Guerra Fria passaram a adquirir alguma atenção no momento em que se projetaram como bloco não-alinhado, engajados na criação de uma possível terceira via.
Diante desse cenário, a reação foi quase imediata nos grandes centros de referência acadêmica da Europa e dos Estados Unidos no sentido de investir na pesquisa sobre a diversidade que integrava aquele bloco então dissidente. Como resultado direto daquela conjuntura, hoje temos espalhados pelo Norte global institutos de excelência para os estudos asiáticos, sobretudo dedicados aos espaços periféricos com menor frequentação no mainstream acadêmico.
Diante desse quadro sintético do atual estado da arte dos estudos asiáticos, temos acompanhado nos últimos anos publicações de grande envergadura promovendo profundas renovações na forma como algumas histórias nacionais foram escritas ao longo da segunda metade do século XX. O Vietnam, em especial, tem merecido a atenção de especialistas do mundo asiático.
Se, para a produção francesa3, até pelo menos a década de 1990, o país permaneceu em certa medida preso à condição de “nação rebelde”, muito por conta da dissolução do projeto imperialista da Indochina francesa em meados da década de 1950, a partir dos anos 2000 vemos uma mudança de abordagem e uma renovação temática substancial nos estudos vietnamitas francófonos. Basta apenas mencionar aqui a publicação, em 2001, da obra que já nasceu como um clássico incontornável para os estudos do sudeste asiático, o “História de Hanói” 4, do Professor Philippe Papin. Muito dessa mudança de tom na forma como o Vietnam havia sido até então estudado pela escola francesa encontra respaldo na produção daquele historiador que, para além da academia, desenvolve concomitantemente e in loco projetos de coleta e preservação de vestígios históricos da antiga civilização do Ðai Việt.
No espaço anglófono, a produção dos estudos vietnamitas segue profícuo. É bem verdade que muito do interesse pelo Vietnam, tanto por parte dos pesquisadores estadunidenses quanto dos ingleses, se concentra no período histórico que vai de 1954, com a assinatura dos Acordos de Genebra e a subsequente dissolução da Indochina francesa, até 1975, com a retirada, de solo vietnamita, das forças de guerra lideradas pelos EUA. Desse minúsculo recorte temporal – de uma civilização que acumula mais de quatro milênios de história –, percebe-se facilmente a tendência, e até um certo fascínio, por uma historiografia belicocentrada na produção anglo-saxônica. As publicações em língua inglesa abordando os mais diversos aspectos ligados à guerra levada a cabo pelos EUA, de 1955 a 1975, em solo vietnamita, acumulam-se às centenas.
Na contracorrente a essa tendência hegemônica, vimos recentemente, no curto espaço de quatro anos, a publicação de três estudos de grande fôlego voltados exclusivamente à história do Vietnam5. O mais recente deles, lançado em 2017, o “Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present”, do historiador estadunidense Ben Kiernan.
Desde 1990, Kiernan é professor da Universidade de Yale e diretor-fundador do Programa de Estudos sobre Genocídios na mesma instituição. Nascido na Austrália, desde jovem Kiernan nutre especial interesse pelos temas referentes ao Sudeste Asiático. Esteve no Camboja pouco antes da chegada ao poder dos Khmers Rouges. Intrigado com a situação política do país, então totalmente fechado para o resto do mundo, Kiernan começou a realizar, em 1975, uma série de investigações e entrevistas com nacionais refugiados do regime Khmer. Desde 1976, vem publicando estudos sobre a península asiática, tendo o Camboja lugar de destaque na sua produção. Na década de 1980, Kiernan colaborou com o Professor Gregory Stanton, da George Mason University, na Virginia (EUA), para levar os titulares do regime cambojano Khmer Rouge à Corte Internacional de Justiça.
Nesta obra de 2017, dedicada inteiramente ao Vietnam, o Professor Kiernan percorre, desde a pré-história do país, remontando a análises de vestígios bacsonianos6 de cerca de 9000 a.C., passando pelo primeiro registro escrito nos anais chineses, da década de 220 a.C., sobre os “costumes não-ortodoxos” dos povos Yuè, ancestrais da etnia vietnamita, na região do Lạc Việt – área ao Sul da China, atual província de Guangxi, onde se agruparam diferentes ramos da etnia Yuè (KIERNAN, 2017: 144).
Até chegar à invasão do Nam Việt pelos Han chineses, em 111 a.C, à ocupação e subjugação do território Việt por mais de um milênio pelo império sínico, e à posterior criação, uma vez liberto, do império unificado do Đại Cồ Việt (Grande Vietnam), em 968 d.C., por Đinh Bộ Lĩnh, o Professor Kiernan consagra as duas primeiras partes do livro, equivalentes a aproximadamente 280 páginas. Um feito raramente encontrável na historiografia mais tradicional dedicada ao pequeno país do Sudeste Asiático.
Com certa frequência, na produção bibliográfica dedicada ao país, mencionam-se em bloco: (i) a ocupação e anexação levada a cabo pelo Império Han; (ii) a presença de um legado burocrático-administrativo e confuciano, que foram implantados ao longo da ocupação, sobrepondo-se e moldando a “nova” feição da civilização Việt, uma vez recuada a presença chinesa como consequência da desagregação da dinastia Tang; e, na sequência cronológica, (iii) as tentativas de construção de um império vietnamita consolidado, em fins do século X e alvorecer do XI.
Portanto, pelas quase trezentas páginas iniciais dedicadas exclusivamente à época pré-nacional7 da história do Vietnam, recorrendo a fontes documentais pouco ou quase nunca exploradas, do Império Han ao Império Han do Sul 8 (cobrindo um período que se estende de 111 a.C. a 938 8 d.C.), a obra de Kiernan deixa a sua importante contribuição para os estudos sobre a construção do Estado vietnamita, mas também, numa visada mais ampla, acerca da formação das sociedades e dos Estados nacionais na península indochinesa – pois a formação do Vietnam teve papel preponderante na conformação dos Estados circunvizinhos, Laos e Camboja, antes territórios dos impérios do Siam e Khmer.
Diante de um trabalho de tamanha envergadura seria inapropriado querer exigir do seu autor total inovação e, consequentemente, uma contribuição inédita para o campo dos estudos vietnamitas. Temos de ter sempre em vista, num horizonte interpretativo mais amplo, que todo o trabalho de investigações, pesquisas e até mesmo análises mais conjunturais, dentro da grande área das Ciências Humanas, é tributário daqueles que o antecederam – seja no sentido da continuidade, seja no da ruptura e da mudança de paradigmas.
Num caso ou no outro, a existência de marcos de referência é essencial para o avançar do pensamento, concordemos ou não com eles. Isto dito, há que se considerar que o diálogo, o debate com uma tradição é sempre produtivo na medida em que recupera os principais marcos da trajetória de uma dada área de pesquisa. Não há discurso adâmico, já nos lembrava o teórico dos estudos dialógicos. E, no caso do Sudeste Asiático, querer propor simplesmente o apagamento da vasta produção acumulada, sobretudo ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, em nome de uma provável refundação ôntico-epistêmica historiográfica seria tão simplesmente jogar fora a criança junto com a água do banho.
Dessa forma, entendemos o esforço do autor de recuperar uma vasta tradição de escritos na área – vide a longa notação que acompanha toda a obra – para estabelecer as suas análises de forma dialógica, tendo sempre em seu horizonte as contribuições anteriores de especialistas desde, pelo menos, a década de 1950. Essa dinâmica crítica e atualizadora do debate ganha força sobretudo naquelas passagens que dão ossatura à primeira metade do livro: partes I, II e III, em que Kiernan aborda as especificidades das primeiras formas de organizações sociais experienciadas pelos povos Việt, as chefaturas9, as províncias e, mais tardiamente, os reinos respectivamente.
Outro aspecto que merece destaque na obra de Kiernan é o uso contextualizado de um rico conjunto de imagens e mapas que auxiliam fortemente a leitura e a compreensão por parte daquele leitor pouco habituado ao universo topográfico do Sudeste Asiático. Para além das clássicas imagens das terraças de produção de arroz, frequentes nos livros didáticos como exemplo do “modo de produção asiático”, a iconografia mobilizada pelo Professor Kiernan, no seu “Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present”, reconstitui visualmente um espaço/tempo muito específico que é o do Vietnam moderno em sua condição geográfica, ocupando a costa leste da península asiática, acantonado entre a Cordilheira Anamita e o Mar da China Meridional. Esse dado, que para o leitor desavisado pode parecer mero preciosismo topográfico, constitui, entretanto, fator primordial para a forma como se deu o histórico desenvolvimento da civilização Việt.
Eis aqui outro ponto de importância analisado com atenção pelo autor ao longo do seu estudo. Atravessando os diferentes períodos históricos, Kiernan identifica o imperativo que se impôs como condição de sobrevivência ao povo vietnamita, desde o período fundacional e da grande migração dos povos Yuè, do sul da China em direção ao norte do atual Vietnam, estabelecendo-se no Delta do Rio Vermelho: a necessidade de adaptarem-se ao rigoroso regime de monções que “castiga” sazonalmente a região.
Do extremo norte ao extremo sul, o território vietnamita é atravessado por abundantes cursos d’água e, durante a quase totalidade da sua história, os việt – maioria étnica que compõe o país – viveram nas terras baixas. A ocupação massiva e integração das terras altas do Vietnam remontam à primeira metade do século XX10. Este fato fez com que “naturalmente”, ao longo da sua história, para permanecerem como unidade civilizacional coesa e relativamente independente, que se distinguia daquela reunida dentro do império chinês Han, ao norte, os việt tiveram de desenvolver uma relação de parceria, inicialmente, com os regimes naturais das águas na região do antigo Tonquim (norte do atual Vietnam) e, posteriormente, com o regime de inundações no Delta do Mekong, região da Cochinchina, atual cidade de Ho Chi Minh, ao extremo sul do país (KIERNAN, 2017: 76, 225).
Toda essa saga, na lida com as águas, para estabelecerem-se no território é densamente analisada pelo Professor Kiernan ao longo de um capítulo inteiro dedicado aos três elementos decisivos para o enraizamento e crescimento pujante daquela civilização, a saber, as águas, a cultura do arroz e a abundância de metais, que proporcionaram o desenvolvimento de instrumentos de trabalho necessários à manutenção daquela sociedade.
As três partes subsequentes do livro, dedicadas respectivamente ao estudo da conformação do espaço territorial do país no período moderno, ao estabelecimento das colônias e à criação lenta e dolorosa das repúblicas contemporâneas, ocupam a segunda metade da obra.
Na quarta parte, Kiernan dedica-se aos processos que, ao longo da modernidade, vão direcionar os caminhos da geopolítica do país. Inicialmente, o autor se ocupa com mais atenção dos conflitos que opuseram os clãs Mạc e Lê ao longo do século XVI; passando, na sequência, à análise do XVII e ao intrincado enfrentamento entre Norte e Sul, controlados respectivamente pelos Trịnh e pelos Nguyễn – casas senhoriais que acantonaram a dinastia Lê e assumiram o comando de facto do país.
Desse período de longo conflito interno, com três guerras civis, Kiernan irá identificar, no final do XVIII, a retomada do “grande consenso” e a volta da unificação política e territorial preconizada pela restituição do Đại Việt, ou o Grande Vietnam. Ganha destaque igualmente, nessa parte do livro, o importante papel assumido pelo país no cenário internacional para as trocas comerciais entre o ocidente e o continente asiático. Devido ao longo e histórico fechamento comercial do Império do Meio para os estrangeiros, o Vietnam desempenhará, momentaneamente, a função de “balcão comercial” com navegações no Mar da China, dando assim escoamento às manufaturas chinesas. A complexa e controversa questão dos missionários, representados pela missão francesa, também recebe atenção pormenorizada do autor.
À quinta parte do livro é dedicada a leitura da ocupação colonial pelo imperialismo europeu a partir de meados do século XIX com a instituição da Indochina francesa. Kiernan analisa como paralelamente à instalação da administração colonial em todo o território nacional – do norte, Tonquim, passando pelo centro, Annam, até o extremo sul, Cochinchina – um forte movimento nacionalista ia se articulando, sobretudo nas províncias mais antigas do norte. Fato este que irá desaguar nos conflitos de resistência anticolonialista ao longo do segundo quartel do século XX.
Para além do apontamento dos marcos bélicos, que vão dar corpo à vasta cronologia de conflitos ao longo da primeira metade do século XX, passando pela Revolução Cultural de 1920-40, interessa ao autor investigar as condicionantes históricas que estão na base dos focos de resistência nacionalista contra a empresa colonial. Dessa tática de sabotagem ao sistema, que irá culminar na dissolução do império colonial indochinês, Kiernan entrevê a organização política da frente popular na vanguarda das lutas republicanas, que marcarão os tensos anos da segunda metade do XX.
Na parte final do seu livro, a VI, ao abordar o conflito com os EUA, academia oblige, o autor desenvolve um denso apanhado do saldo resultante dos vinte anos de guerra e suas consequências para os contornos da fundação do Estado republicano vietnamita. Do período compreendido entre 1975 e 2016, o autor analisa a construção do Vietnam contemporâneo, passando por temas essenciais como a grande diáspora do pós-guerra; o difícil lugar de equilíbrio entre a gigante China e os contenciosos territoriais com o Camboja; e, por fim, os desafios políticos, econômicos e socioculturais enfrentados por um país que cresce pujantemente no seu contexto e que se projeta, regional e internacionalmente, nas trocas comerciais, dentro de uma dinâmica de recondução da cena asiática ao centro dos interesses globais.
Temáticas frequentes nos escritos que abordam a construção histórica desse país tão multifacetado como o Vietnam – o espaço geográfico, as formas de sua ocupação e os regimes administrativos que se sucederam – configuram-se como aspectos importantes nas obras especializadas, cuja abordagem vai além da simples reprodução das narrativas belicocentradas, demasiadamente dedicadas ao teatro das atrocidades que invadiu o país por longos vinte anos (1955-1975).
Por esse esforço de romper uma hegemonia representacional que se construiu ao longo do tempo – a de aprisionar a história do Vietnam e da saga civilizacional dos povos Việt a um átimo de tempo marcado pela intervenção e ingerência beligerantes externas –, e, sobretudo, por ousar dedicar tanta tinta a períodos frequentemente “silenciados” pela narrativa historiográfica convencional, a obra do Professor Ben Kiernan, certamente, tem seu lugar garantido na (ainda) escassa plêiade dos estudos acerca do Sudeste Asiático. Resta-nos a torcida sempre renovada de que esta obra-farol, já um clássico, Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present, seja traduzida no Brasil em algum momento e que ela possa alcançar um número maior de leitores para além do público anglófilo. Pois o ocidente certamente ainda tem muito a aprender com a história dessa civilização que a literatura universal se encarregou de descrever poeticamente como a pérola asiática incrustada no Mar da China.
Notas
2 Língua, Literatura e Cultura Estrangeiras.
3 Notadamente nos artigos dedicados ao mundo vietnamita publicados pelos “Cadernos da Escola Francesa do Extremo Oriente” (Cahiers de l’École française d’Extrême-Orient – CEFEO).
4 No original: PAPIN, Philippe. Histoire de Hanoi. Paris: Fayard, 2001.
5 Em ordem cronológica: TAYLOR, K. W. A History of the Vietnamese. Cambridge: Cambridge University Press, 2013; GOSCHA, Christopher. Vietnam: A New History. New York: Basic Books, 2016; KIERNAN, Ben. Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present. New York: Oxford University Press, 2017.
6 Referentes ao grupamento étnico oriundo de Bắc Sơn, atual província de Lạng Sơn, a extremo norte do Vietnam.
7 Fazemos aqui uma observação: essa expressão é fruto de uma terminologia da qual estamos “refém” na contemporaneidade, pois, a rigor, esse espírito de identidade de um grupo social – que seria um dos elementos caracterizadores (somado a outros) da ideia de “nação” na sua acepção contemporânea – já estaria presente desde o período em que os povos Nam Yuè [trad.: Yuès do Sul] (etnias que habitavam o sul da China, atual província de Guangxi) decidiram se afastar do domínio chinês e migrar rumo à porção mais meridional do continente, instalando-se por fim na região do delta do Rio Vermelho (Sông Hồng). Porém, na historiografia, convencionou-se nomear como “pré-nacional” o longo período em que o Vietnam esteve ligado à China, seja como região ocupada, anexada, seja como Estado vassalo. Teríamos então um período propriamente nacional a partir da derrocada chinesa na batalha naval de Bạch Đằng e da consequente instituição da Dinastia Đinh, no ano 968 da nossa era.
8 O intervalo entre esses dois impérios sínicos cobre cronologicamente o chamado “período chinês” do Vietnam.
9 No original chiefdoms, agrupamentos que têm na figura de um chefe a sua principal liderança e referência para a organização do grupo. Para a antropologia cultural, grosso modo, distingue-se a chefatura da organização de tipo tribal, por exemplo, por aquela não ser baseada numa coesão social, étnica e política de forma estrita, como costuma acontecer nas tribos. Outro ponto distintivo da chefatura seria o fato de a figura do chefe ser atribuída quase sempre por laços de hereditariedade e sua liderança ser operada por consenso e não por coerção – há, entretanto, casos em que a chefatura é exercida a partir de eleição consensual do agrupamento (cf. SKALNÍK, Peter. Chiefdom: a universal political formation? Focaal – European Journal of Anthropology, n. 43, p. 76-98, 2004).
10 Cf. PAPIN, Philippe. La création d’un espace politique national: le Vietnam et son histoire, XVe-XIXe siècles, entre la Chine et la France. Université de Genève. Conferência, 30 out. 2013.
Referências
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Resenhista
Carlos Eduardo Bione Sidrônio de Lima – Discente de graduação em História da Universidade de Brasília (UnB). E-mail cadubione@gmail.com
Referências desta Resenha
KIERNAN, Ben. Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present. New York: Oxford University Press, 2017. Resenha de: LIMA, Carlos Eduardo Bione Sidrônio de. Cadernos de Clio. Curitiba, v.11, n.1, p. 145- 160, 2020. Acessar publicação original