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Understanding Scientific Understanding – REGT (P)

REGT, H. W. Understanding Scientific Understanding. New York: Oxford University Press, 2017. Resenha de: POLISELI, Luana. Principia, Florianópolis, v. 24, n.1, p.239–245, 2020.

A discuss.o sobre compreens.o (i.e. entendimento) enquanto objetivo epistêmico da ciência é incipiente na filosofia da ciência1 e pode ser rastreada há algumas décadas principalmente com os trabalhos de Wesley Salmon (1984) e Philip Kitcher (1989). Nas abordagens desses autores a noç.o de compreens.o estava associada à natureza das explicaç.es científicas. Em decorrência desse pensamento, n.o há uma adoç.o generalizada ou tampouco um consenso na filosofia da ciência contemporânea sobre a natureza da compreens.o científica. O livro Understanding Scientific Understanding, escrito por Henk De Regt e publicado pela OUP oferece ao leitor frutíferas e atualizadas informaç.es, além de uma minuciosa discuss.o com quest.es de indiscutível importância a respeito desse tema t.o atual, como por exemplo, o que é compreens.o, quais os tipos de investimentos intelectuais associados e como ela difere da explicaç.o.

Hendrik (Henk) Willem De Regt é epistemólogo, historiador da física e filósofo da ciência. Bacharel em física pela Universidade Técnica de Delft (1983), Mestre em física pela Universidade de Utreque (1988), e Doutor em filosofia pela Universidade Livre de Amsterdam (1993), é hoje professor de Filosofia das Ciências Naturais, no Instituto para Ciência e Sociedade, na Universidade Radboud Nimega, Holanda. De Regt tem se dedicado à temática da relaç.o entre conhecimento e compreens.o há mais de 15 anos. Pode-se dizer que a teoria contextual da compreens.o científica desenvolvida pelo autor e apresentada nesta obra, deriva de seu programa de pesquisa “understanding scientific understanding” desenvolvido no período de 2001-2007, na Universidade Livre de Amsterdam, ademais, é fruto (em parte) de materiais publicados ao longo de sua carreira (i.e. De Regt 1996, 1997, 1999, 2001, 2004, 2006, 2009, 2014; De Regt & Dieks 2005 e tantos outros).

Understanding Scientific Understanding é um livro inteiramente dedicado à introduç.o e defesa da teoria contextual da compreens.o científica (CTSU). A compreens.o científica, nesta obra, é assumida como pluralista e independente de qualquer ⃝ modelo específico de explicaç.o por ser sensível ao contexto. Sendo pluralista, a compreens.o depende fortemente de teorias (hipóteses, argumentos, explicaç.es, etc.) inteligíveis ao cientista, essa inteligibilidade, por sua vez, pode ser aumentada de acordo com determinadas ferramentas conceituais como por exemplo visualizaç.o, causalidade, índex matemáticos, etc. que facilitariam o acesso à compreens.o. Com extensa e atualizada bibliografia, o livro possui oito capítulos dentre os quais tomo a liberdade de sintetizar como segue.

De Regt apresenta sua teoria (capítulo 2) trazendo uma contextualizaç.o filosófica e histórica da relaç.o entre CTSU e as demais teorias de explicaç.o científica (capítulo 3) mostrando as diversas estratégias que podem ser utilizadas para atingir compreens.o, dentre as quais o uso de ferramentas conceituais (capítulo 4) para o aumento da inteligibilidade de uma teoria (capítulo 5). Seguindo, o autor direciona seus leitores a uma vis.o aprofundada e minuciosa de estudos de caso na história da ciência, sobretudo a ciência física, para discorrer sobre como as ferramentas conceituais podem e auxiliam o aumento da inteligibilidade das teorias. Para tanto, utiliza os modelos mecânicos proeminentes no século XIX, sendo fortes representantesWilliam Thomson (Lord Kelvin), James Clerk Maxwell e Ludwig Boltzmann, para examinar como modelos mecânicos podem fornecer compreens.o, focando no caso da teoria kinética dos gases (capítulo 6). Traz também a transiç.o da física clássica para a física quântica no primeiro quarto do século XX, focando nas contribuiç.es e vis.es de Niels Bohr, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger. De Regt, ent.o, analisa o debate sobre inteligibilidade da matriz mecânica e da mecânica de ondas para discutir a relaç.o entre visualizabilidade, inteligibilidade e compreens.o à luz do “eletron spin” e do diagrama de Feynman (capítulo 7). Conclui seu livro trazendo uma reflex.o a respeito da CTSU e sua relaç.o com quest.es sobre o relativismo e a normatividade nas práticas científicas (capítulo 8).

A compreens.o científica desenvolvida na teoria contextual da compreens.o científica e apresentada no livro “Understanding Scientific Understanding” é definida por Henk De Regt, como uma habilidade epistêmica e cognitiva alcançada quando o/a cientista é capaz de desenvolver explicaç.es inteligíveis (e por vezes derivar cenários preditivos) sobre o fenômeno que ele/ela está trabalhando2. A quest.o principal dessa obra é a ideia de que para se atingir compreens.o é primeiro necessário compreender as teorias usadas para se explicar os fenômenos, portanto, teorias precisam conter argumentos inteligíveis para que os cientistas as compreendam. Nas palavras do próprio autor “[o]nly intelligible theories allow scientists to construct models through which they can derive explanations of phenomena on the basis of the relevant theory” (p.92). É importante enfatizar duas coisas. Primeiro, De Regt n.o faz uma distinç.o entre teorias, leis, argumentos e hipóteses, pois segundo o autor, tal distinç.o n.o é necessária para esse contexto analítico. E segundo, a inteligibilidade defendida por ele depende do critério para compreens.o de fenômenos (CUP) e do critério de inteligibilidade de uma teoria (CIT), que seguem: CUP:3 um fenômeno P é compreendido cientificamente se, e somente se, existe uma explicaç.o de P baseada em uma teoria inteligível T e se adequa aos valores epistêmicos básicos de adequaç.o empírica e consistência interna.

CIT:4 uma teoria científica T (em uma ou mais de suas representaç.es) é inteligível para os cientistas (no contexto C) se eles conseguem reconhecer características qualitativas decorrentes de T sem desenvolver cálculos exatos.

O critério de inteligibilidade de acordo com a CTSU depende ent.o, n.o somente das qualidades de uma teoria per se, mas também do próprio cientista. A capacidade do cientista julgar a inteligibilidade de um argumento depende de suas habilidades e conhecimentos prévios. Neste cenário, o cientista precisa de ferramentas conceituais associadas à suas habilidades para usar uma teoria científica, seja para desenvolver uma explicaç.o, ou seja, para compreender um fenômeno. O autor ainda ressalta, através de exemplos na história da prática científica, que os cientistas escolhem as ferramentas mais adequadas para atingir seus objetivos, desenvolver explicaç.es e obter compreens.o. Sendo assim, o livro nos mostra coerentemente que existe uma variedade de ferramentas adotadas pelos cientistas as quais variam de acordo com a disciplina e o contexto histórico em quest.o. As ferramentas conceituais apresentadas ao longo do livro s.o visualizaç.o, visualizabilidade, raciocínio causal, unificacionismo, entre outros.

Ainda que essas ferramentas tenham sido citadas e exemplificadas sic passim, De Regt traz uma forte ênfase em duas, o raciocínio causal e a visualizabilidade. O raciocínio causal, segundo o autor, é uma ferramenta que permite o cientista tanto explorar a estrutura subjacente do mundo como aprimorar suas habilidades a respeito da prediç.o de sistemas específicos sobre condiç.es particulares. De Regt assume que essa noç.o está intimamente conectada à teoria manipulacionista da causalidade de Woodward (2003), pois defende que a compreens.o científica pode ser atingida através do sucesso em se responder quest.es sobre o comportamento de um sistema. Outras ferramentas associadas à causalidade seriam a produtividade e continuidade, que s.o claramente derivadas da nova filosofia mecanística5. Neste caso, a produtividade contínua é a capacidade de um sistema, um mecanismo causal, ser inteligível. A inteligibilidade por sua vez, depende da conex.o entre os estágios de um mecanismo, em outras palavras, a continuidade das aç.es entre os componentes. Sendo assim, um mecanismo é mais inteligível quando n.o há gaps ou caixas pretas interferindo na clara exposiç.o das relaç.es entre os componentes (Machamer, Darden & Craver 2000). Já a visualizabilidade e visualizaç.o s.o diferenciadas pelo autor como a primeira sendo a qualidade teórica capaz de aumentar a inteligibilidade, e a segunda como um guia para se atingir compreens.o científica. Para De Regt, teorias visualizáveis s.o comumente tratadas como mais inteligíveis quando comparada a teorias abstratas, isto porque cientistas, geralmente preferem um raciocínio visual na construç.o de explicaç.o de fenômenos, através do uso de representaç.es pictóricas e gráficas. Esse argumento é defendido mostrando casos diversos na história da física onde os cientistas contaram com o aporte visual para fortalecer suas teorias, exemplos incluem Erwin Schrodinger, o “eletron spin” e os diagramas de Richard Feynman.

No entanto, é interessante notar que visualizaç.o para a CTSU n.o é uma condiç.o necessária para compreens.o, mas sim possível. Por fim, o unificacionismo enquanto instrumento sustenta que as ferramentas conceituais n.o est.o isoladas umas das outras, ao contrário, elas podem auxiliar umas às outras para garantir a inteligibilidade necessária de uma hipótese, teoria ou proposiç.o.

Os critérios para compreens.o e inteligibilidade apresentados por Henk De Regt nesta obra formam a base para um framework sobre compreens.o científica na qual explicaç.o, compreens.o e prediç.o s.o objetivos epistêmicos inter-relacionados.

Uma vez que construir modelos e explicar fenômenos s.o as principais práticas em ciência, De Regt aponta claramente que os cientistas usam suas habilidades para compreender cientificamente um sistema em quest.o através da versátil habilidade em se utilizar as ferramentas conceituais apresentadas na obra e que, claramente, s.o sensíveis ao contexto.

Apesar do mérito, a obra deixa várias quest.es que requerem investigaç.es futuras.

Cito aqui alguns pontos. Primeiro, o autor negligencia exemplos de uma prática científica contemporânea para além das ciências físicas. Interessante saber se o critério de inteligibilidade bem como o uso de ferramentas conceituais também se adequam às diversas práticas científicas pertencentes a diferentes disciplinas para além dos estudos de casos históricos. Por exemplo, considerando a heterogeneidade na natureza dos dados aos quais os cientistas se debruçam qu.o adequada seria a teoria contextual da compreens.o científica quando aplicada a dados etnográficos, big data, inteligência artificial, entre outros? Segundo, como a compreens.o científica ocorre nas práticas inter- e transdisciplinares cujo desenvolvimento e construç.o de modelos também s.o práticas frequentes? E, terceiro, qual a relaç.o entre compreens.o científica e compreens.o pública da ciência? Seria possível ampliar o arcabouço metodológico proposto por De Regt de forma a contemplar ciência, tecnologia e sociedade? Todos estes pontos s.o questionamentos que requerem uma atenç.o especial e que de forma alguma coloca em xeque a qualidade da teoria contextual da compreens.o científica desenvolvida na obra.

Uma vez que a noç.o de compreens.o científica tem sido um tópico negligenciado por filósofos da ciência, De Regt nos brinda com Understanding Scientific Understanding.

Um livro ricamente produzido com exemplos da história da física e que conduz seus leitores a uma análise profunda sobre quest.es de indiscutível importância no que tange a natureza da compreens.o científica no contexto da prática científica.

Sendo assim, a teoria contextual da compreens.o científica nos serve n.o somente como arcabouço teórico como também de instrumento analítico. É, sem dúvidas alguma, um grande avanço para a filosofia da ciência, notavelmente reconhecido pela premiaç.o Lakatos Award 2019 (LSE 2019).

References

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Notes 1Apesar dos debates sobre compreens.o serem incipientes em filosofia da ciência, as investigaç.es a respeito da relaç.o entre entendimento e conhecimento n.o s.o novas. Tradicionalmente as investigaç.es epistemológicas refletiam sobre a natureza e possibilidade de conhecimento como crença verdadeira e justificada de acordo com a definiç.o clássica elaborada por Sócrates nos diálogos de Plat.o Thaetetus e Meno (Baumberger, Beisbart & Brun 2017). Este fora o ponto de partida para as discuss.es epistemológicas contemporâneas sobre o problema do conhecimento, na qual o cerne, de uma forma geral, era a distinç.o entre crença e conhecimento verdadeiro. No entanto, o foco dessa discuss.o que permeia o conhecimento proposicional (Silva Filho, Rocha & Dazzani 2013) tem sido recentemente desafiado (Baumberger 2011), existe uma crescente defesa de que entendimento (aqui tratado como compreens.o) ao invés de conhecimento é o nosso principal objetivo cognitivo (Grimm 2006). Defensores dessa vis.o assumem que este posicionamento evita o problema do conhecimento (Kvanvig 2003, Pritchard 2010), identifica virtudes intelectuais (Riggs 2003), acomoda a ciência (Elgin 2007), e defende certa moral (Hills 2010).

2“Scientific understanding is an epistemic and cognitive skill reached when the scientist is capable to develop intelligible explanations (and sometimes derive predictive scenarios) about the phenomenon he/she is working” (p.xx).

3 “CUP: A phenomenon P is understood scientifically if and only if there is and explanation of P that is based on intelligible theory T and conforms to the basic epistemic values of empirical adequacy and internal consistency” (p.92).

4“CIT: A scientific theory T (in one or more of its representation) is intelligible for scientists (in context C) if they can recognize qualitative characteristics consequences of T without performing exact calculations” (p.102).

5Para mais informaç.es sobre a nova filosofia mecanística ver Glennan (1996), Machamer Darden & Craver (2000), Craver (2007), Illari & Williamson (2012), entre outros.

Agradecimentos A autora agradece a CAPES pelo apoio financeiro em forma de bolsa de doutorado (CAPES, código 001) e bolsa de doutorado sanduíche no exterior (PDSE – n. 88881.123457/2016- 01). Esta revis.o foi beneficiada por comentários de Felipe Rocha e em vers.es anteriores por Charbel Niño El-Hani e Federica Russo.

Luana Poliseli – Universidade Federal da Bahia, INCT / INTREE, BRASIL luapoliseliramos@gmail.com

 

 

 

 

Itamar Freitas

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