A obra aqui resenhada foi editada pela primeira vez em 1922, pouco depois da I Guerra Mundial. Mantém-se ainda com fortes atrativos para sua leitura, tendo-se em vista que sua linguagem conserva uma combinação entre o rigor analítico e o descritivo, sem apresentar-se extensa ou profunda em excesso em um ou outro. Parecer dirigir-se ao leitor iniciante, como alunos do curso de graduação em História, assim como interessados na leitura de um texto objetivo, sucinto e altamente informativo e formativo.
O livro possui 67 capítulos, em geral curtos e escritos num estilo que se assemelha ao jornalístico. Seus primeiros 12 capítulos cobrem a formação da Terra e o desenvolvimento da vida, até chegar aos “primeiros homens verdadeiros” e ao “pensamento primitivo” (dois temas que intitulam, respectivamente, os capítulos 11 e 12). Obviamente, as bases em que o autor escreve esses primeiros capítulos acham-se defasadas perante as descobertas e avanços científicos verificados ao longo do Século XX. Apesar disso, mostram uma descrição e análises rigorosas a respeito, com o que havia disponível nas primeiras décadas do Século XX. A seguir, destacam-se alguns pontos do livro, tendo-se em vista tratar-se de um número de capítulos que inviabiliza a descrição de cada um deles no espaço de uma resenha.
Adotando a compreensão da história como um processo, H. G. Wells expõe o texto de forma suave e agradável, mantendo uma atitude cortez com o leitor, isto é, auxiliando-o a interpretar os fatos ao mesmo tempo em que os descreve, uma qualidade que destaca o livro, como dito acima. De maneira instigante, expõe, por exemplo, que por volta do século VI a. C. surgiram homens notáveis, como Buda, Lao-Tsé, Confúcio e Heráclito, fundadores de ideias e tradições que nos alcançam ainda hoje, e exerceram papel decisivo na História.
A análise que H. G. Wells faz dos grandes impérios e civilizações antigas, desde os babilônicos, egípcios, persas, passando pelos gregos e romanos, é feita de maneira tão articulada, que o leitor percebe o processo histórico no texto de maneira fluida, e não segmentada como muitos manuais apresentam. Essa mesma maneira confere ao texto de Wells um caráter fortemente instrutivo do ponto de vista de como se deu a ascenção e queda do Império Romano, o nascimento e fortalecimento do Cristianismo, a fragmentação europeia ao longo do Medievo, o surgimento e expansão do Islã, e as Grandes Navegações.
Quanto ao período Moderno, o conteúdo do livro merece, a nosso juízo, dois destaques: o primeiro refere-se ao “Renascimento intelectual dos europeus” (capítulo 49), em que H. G. Wells destaca o papel vital exercido por Roger Bacon (século XIII) quando chamou a atenção para se observar o mundo liberto de dogmas e autoridade, e chegar ao conhecimento por meio da experimentação. Para H. G. Wells, Roger Bacon é o pai da ciência experimental moderna. Assim, H. G. Wells procura destacar a influência das ideias de Roger Bacon ao longo do tempo, contribuintes que foram da formação da tradição científica no Ocidente.
O segundo aspecto diz respeito à Revolução Industrial. Segundo H. G. Wells, é preciso distinguir entre Revolução Industrial e Revolução Mecânica. A primeira é um processo mais amplo que alcança desenvolvimento social e financeiro, bem como a qualificação intelectual humana para, inclusive, tornar apta e treinada a mão de obra para operar nas modernas fábricas. A segunda refere-se à modalidade de energia que baseou a expansão da produção: foi a energia mecânica das máquinas movidas a vapor. Tratava-se portanto de energia barata e farta, diferentemente das fábricas da época da República Romana, em que a energia vinha da força braçal humana, implicando frequentemente degradação do homem pela exploração brutal de sua força de trabalho. Em contraste, no período moderno, como dito acima, a energia produtiva para movimentar as máquinas e a produção não é mais humana, nem mesmo o homem é visto como fonte de força bruta; agora, o homem precisa ter certo nível de qualificação, e essa necessidade se intensifica e fica cada vez mais clara para os dirigentes inteligentes quanto mais avança o Século XIX.
Os capítulos finais cobrem as guerras napoleônicas, a evolução das ideias sociais e políticas do Século XVIII e XIX, os demais conflitos do período, movimentos de unificação, assim como o Imperialismo na Ásia e na África. Com grande clareza, H. G. Wells conclui o livro expondo a respeito da expansão dos Estados Unidos, da formação das grandes potências europeias, da situação do Império Britânico no início do Século XX, das relações econômicas, comerciais e políticas que encaminharam para a eclosão da Primeira Guerra Mundial. O capítulo final trata da “reconstrução política e social do mundo” e das conferências pós-primeira guerra.
Em suma, a obra de H. G. Wells é de um valor considerável, pois pode ser estudada tanto individualmente quanto como apoio a leituras específicas e/ou que aprofundem temas históricos. Dentre essas leituras, podem-se citar como exemplos História mundial, de Philip Parker (Zahar, 2011), A era dos impérios, de Eric Hobsbawn (Paz e Terra, 2011), Ocidente X Islã, de Voltaire Schilling (ed. L&PM, 2004) e Capitalismo global, de Jeffry A. Frieden (Zahar, 2008), dentre outras. Outra possibilidade é estudar a história do pensamento econômico ou a história da filosofia tendo-se como apoio a obra de H. G. Wells, para situar quanto a um quadro histórico mais amplo e relacioná-lo com o pensamento econômico, político ou ético de cada época. Portanto, a obra de H. G. Wells aqui resenhada é fortemente recomendável para utilização e leitura, pois trata-se de livro muito bem escrito que possui concisão, objetividade e equilíbrio entre descrição e análise do processo histórico.
Nota
1 Resenha da obra referida, de Herbert George Wells (1866-1946). Nasceu na Inglaterra, onde estudou no Royal College of Sience, tendo sido aluno de T. H. Huxley. Romancista, historiador e jornalista, H. G. Wells tem uma vasta obra e é um dos precursores da ficção científica. Dentre suas obras, destacam-se A Máquina do tempo, A ilha do doutor Moreau, O homem invisível e A guerra dos mundos, as duas últimas adaptadas ao cinema. Simpatizante do socialismo, da ciência e do progresso, escreveu obras críticas à sociedade inglesa, como Modern Utopia. Teve reconhecimento como escritor ainda em vida e conviveu com personalidades do meio político e literário, como Bertrand Russel e G. B. Shaw. Faleceu em 1946, logo após a II Guerra Mundial e pouco depois de publicar seu último livro Mind at the end os Its Tether.
Resenhista
Paulo Tiago Cardoso Campos
Referências desta Resenha
WELLS, H. G. Uma breve história do mundo. Trad. Rodrigo Breunig. Porto Alegre: L&PM, 2011.1 Resenha de: CAMPOS, Paulo Tiago Cardoso. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.15, n.26, p.111-113, jan./jun. 2013. Acessar publicação original [DR]
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