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Uma apresentação ou das cartografias decoloniais no ensino de História | Intellèctus | 2021

Mapa Mundi invertido | Imagem: Pixabay

Neste dossiê sobre pensamento decolonial e suas interfaces com diversos aspectos do ensino de História cartografamos possibilidades de diferentes trabalhos e pesquisas de matriz curricular decolonial e intercultural crítica, quer em espaços educativos formais, quer em espaços educativos não formais. Os artigos apontam caminhos teórico-metodológicos para o enfrentamento e combate de preconceitos, discriminações, racismos, epistemicídios e outros tipos de opressões e silenciamentos construindo memórias e histórias insurgentes. Assim, por meio de aprendizagens mais plurais e inclusivas lutam pela efetivação de maior justiça epistemológica ou cognitiva numa perspectiva de uma educação intercultural crítica.

Organizamos este dossiê dispondo inicialmente os artigos de caráter mais conceitual sobre o pensamento decolonial na relação com o Ensino de História. Na sequência aqueles que apresentam pesquisas e experiências educativas numa perspectiva decolonial. Sendo assim, reunimos treze textos que abordam aspectos do pensamento decolonial e ensino de história em múltiplos espaços e formas. Estes traduzem estudos de caráter teórico sobre o pensamento decolonial, pesquisas e experiências de atividades docentes em escolas, universidades e espaços não formais.

Seus autores são oriundos de universidades como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-SC), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-RJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO-RJ), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB-CE), Universidade Federal de Goiás (UFG- GO), Universidade Federal de Alagoas (UFAL-AL), Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-RS), Universidade Estadual Paulista – Campus Marília (UNESP-SP), Instituto Federal Fluminense (IFF- RJ), Universidade Veiga de Almeida (UVA-RJ) e Universidade Regional do Cariri (URCA-CE).

No artigo Reflexões sobre a decolonialidade em uma perspectiva histórica de Antonio Guimaraes Brito evidencia-se como o colonialismo revelou ser a face oculta da Modernidade, inserido no processo histórico da dominação eurocêntrica. Destaca-se que o colonialismo manifesta-se de uma forma mais evidente e contundente. Inicialmente analisa o debate teórico anticolonialista, sobretudo com base na obra de Franzt Fanon e Albert Memmi como também o pós-colonialismo do intelectual palestino Edward Said. Na sequência, aproxima-se do decolonialismo de Walter Mignolo, e Enrique Dussel.

Em O pensamento decolonial no horizonte de combate à violência epistemológica e/ou ao epistemicídio no ensino de História Elison Antonio Paim e Helena Maria Marques Araújo identificam como o eurocentrismo do conhecimento, currículos e a violência epistemológica e/ou epistemicídio sofrido por grupos subalternizados atingem as Ciências Humanas. Desenham uma cartografia de matriz curricular decolonial e intercultural crítica apontando através de brechas decoloniais a possibilidade de busca por maior justiça social e epistemológica nos livros didáticos e aulas de História. Na sua construção trilham um caminho teórico-metodológico que possibilita um enfrentamento contra as opressões e silenciamentos construindo memórias e histórias insurgentes.

O artigo O que você esconde? Caminhos para uma decolonização do “universalismo sem corpo” de Thiago de Abreu e Lima Florêncio discute criticamente, em diálogo com Aimé Césarie, Frantz Fanon a ideia do “universalismo sem corpo” compreendendo-o como um princípio epistemológico fundamentado na lógica disjuntiva entre sujeito e objeto, mente e corpo, que acompanha a constituição do capitalismo colonial. Nesse princípio, o colonizador   se inscreve enquanto sujeito universal incorpóreo ao tempo que o “outro” é objetivado, reduzido à sua existência particular e corporal. Em contraposição, o autor propõe um caminho experimental de “escrita despacho”, cujo princípio é acionar um pensamento atravessado pelas forças vitais do corpo, de modo que rompa com as amarras de uma pedagogia incorpórea que atravessa a cidade e seus monumentos, as escolas e seus métodos escriptocêntricos.

Em Colonialidade, Modernidade e Decolonialidade: da naturalização da guerra à violência sistêmica de Emerson Oliveira do Nascimento explora a contribuição da teoria decolonial enquanto ferramenta analítica capaz de explicar a lógica inerente à condição de “guerra justa” contra os sujeitos colonizados no passado e sua dilatação e normalização hoje para a condição de uma espécie de “violência sistêmica” cujos alvos privilegiados ainda são os grupos étnico-raciais, de gênero e as sexualidades divergentes ou não-hegemônicas. Percebe que a insubmissão analítica que as ferramentas decoloniais ensejam podem vir a se configurar como conceitos potencializadores para a investigação social sobre violência.

No artigo História da América Latina: diálogos possíveis entre a sociologia das ausências e os livros didáticos de História Edson Antoni analisa os conteúdos de história latino-americana presentes em livros didáticos distribuídos às escolas brasileiras pelo Programa Nacional do Livro Didático. Ressalta que, mesmo havendo referências à história latino-americana nas fontes selecionadas, a forma como esse conteúdo é apresentado contribui para a produção da não-existência da experiência histórica latino-americana. O autor atribui como resultado desse processo de formação nos materiais didáticos a dificuldade de constituir uma identidade latino-americana a partir do Brasil.

Em Decolonialidade e relações raciais: um olhar sobre o ensino de História no currículo do curso de Pedagogia da UFRGS Eduarda Souza Gaudio e Joana Célia dos Passos evidenciam a insurgência do Movimento Negro pela descolonização dos currículos, por meio da construção de uma política para a educação das relações étnicoraciais e as implicações aos cursos de Pedagogia. Apresentam as alterações promovidas no currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul focalizando as perspectivas assumidas pelo ensino de História visualizadas a partir do Projeto Politico Pedagógico do curso e dos Programas das disciplinas.

O artigo Por uma história decolonial: a atuação das populações afrodescendentes em ambientes socioculturais de Porto Alegre (1872–1971) de Arilson dos Santos Gomes destaca a presença de afrodescendentes em espaços culturais e sociais na capital do estado do Rio Grande do Sul. As análises centram-se na fundação da Sociedade Beneficente Floresta Aurora e na criação do Grupo Palmares em Porto Alegre (1971), um coletivo que propôs o Dia da Consciência Negra. Questiona se os representantes negros presentes nos espaços socioculturais da cidade resistiram à colonialidade e quais seriam suas proposições de ação para afirmar sua identidade e sua cultura.

Em Formação inicial docente e a prática pedagógica no estágio supervisionado: da marafunda euro-colonialista à ginga afrodiaspórica em resistência Rodrigo Batista Lobato e Giovanni Codeça Silva materializam reflexões sobre o processo formativo docente de licenciandos na fase de estágio supervisionado e no PIBID. O ponto de partida para a atividade desenvolvida foi os discursos decoloniais e afrodiaspóricos, ancorados em saberes advindos dos provérbios africanos e do pensamento freiriano, propondo aos licenciandos um olhar autocrítico sobre suas formações e a permanência de discursos euro-colonialistas.

O artigo Experiências e reflexões sobre a prática docente anti/contra/decolonial no ensino da História na escola pública e suas relações com o Museu da Maré como uma ferramenta pedagógica da educação popular de Noélia Rodrigues, Humberto Salustriano e Francisco Overlande trata da experiência de prática docente decolonial em turmas do ensino médio em escolas da rede pública do estado do Rio de Janeiro tendo como proposta pedagógica a utilização do Museu da Maré como exemplo de pedagogia anti/contra/decolonial que pode ser usada em sala de aula como forma de contrapor uma historiografia tradicional eurocentrada. A experiência museológica e epistemológica ofereceu subsídios didáticos para uma historiografia alinhada aos grupos subalternizados.

Em Da colonialidade à decolonialidade: delineando possibilidades para a transformação das relações étnico-raciais e de gênero por meio dos saberes escolares Mariana Alves de Sousa e Maria Valéria Barbosa problematizam a eurocentrização dos saberes escolares, a partir da contextualização da colonialidade como padrão de poder instituído pela modernidade. Apresentar contribuições da pedagogia decolonial para a positivação das relações étnico-raciais e de gênero no ambiente escolar em tentativas de ir além da racionalidade eurocêntrica imposta pelo poder hegemônico.

No artigo Ensinar histórias menores: narrativas e memórias de auxiliares de serviços gerais escolares na busca de relações outras Maria Cecília Paladini Piazza e Giovanna Santana dialogam com narrativas de quatro mulheres auxiliares de serviços gerais de uma escola estadual no município de Araranguá, Santa Catarina. A escuta de suas narrativas é uma maneira de disseminar outra postura epistemológica em relação aos conhecimentos tradicionalmente valorizados pelos currículos oficiais, buscando com apoio do ensino de História evidenciar suas contribuições como educadoras. Consideram que é possível estimular uma Pedagogia da Memória, com a insurgência de histórias menores em contraposição ao pensamento hegemônico.

Em Rolé na Penha: memórias e referências culturais em uma ecologia dos saberes, por uma educação decolonial, Ana Gabriela Saba de Alvarenga nos apresenta uma reflexão sobre o projeto escolar, o Rolé na Penha, como uma prática pedagógica, a partir da concepção da educação como prática de liberdade, aqui compreendida, como um exercício da ecologia dos saberes. As atividades foram desenvolvidas numa escola de periferia na cidade do Rio de Janeiro em uma perspectiva decolonial.

No artigo Ensino de História: a descolonização dos currículos, a formação docente e a ênfase à memória, história e identidade dos africanos e afro-brasileiros, Cleusa Teixeira Sousa nos indica como as ações dos movimentos sociais negros como o Teatro Experimental dos Negros no Rio de Janeiro em 1944 provocaram mudanças na sociedade brasileira. Destaca como estas mudanças influenciaram também o campo educacional, sobretudo, aquele relativo ao Ensino de História. Como objetivo destaca-se analisar as mudanças no cenário do Ensino de História no Brasil, especialmente a partir da implementação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008.

Além dos artigos elencados como componentes do dossiê este número da revista contém três artigos livres, ou seja, artigos encaminhados por seus autores de forma independente e, ainda uma resenha.

No artigo O encontro entre João Clímaco Bezerra e a Revista Brasiliense: a trajetória de um intelectual de província, Alexandre Barbalho analisa o recrutamento por parte da Revista Brasiliense do literato cearense João Clímaco Bezerra, objetivando entender o espaço de possíveis que permitiu a circulação de um escritor de província para além das fronteiras regionais e sua participação em um projeto político-cultural de caráter nacional-desenvolvimentista e cujos principais articuladores eram nomes consagrados da intelectualidade brasileira.

Em A representação do negro em Cogumelos de Outono (1972) de Gladstone Osório Mársico, Gláucia Elisa Zinani Rodrigues analisa a representação do negro na literatura pós-moderna. O recorte do estudo é o ano de publicação da obra, em 1972, e a ambientação proposta pelo autor é Erechim, localizada no norte do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma região povoada por indígenas, caboclos, lusos, afrodescendentes e, posteriormente, por outros imigrantes. O estudo dialoga com a História Cultural e situa-se na fronteira entre a Literatura e a História.

No artigo Leitura como resistência: Ernesto Penteado e José Nogueira leitores de Nietzsche, Antonio Vinicius Lomeu reflete sobre a leitura como uma forma de resistência, tomando como exemplo a maneira através da qual o major brasileiro José Nogueira e o jornalista Ernesto Penteado recepcionaram os textos do filósofo Friedrich Nietzsche com objetivo de entender a circulação das ideias do filósofo alemão no Brasil e a prática de uma história intelectual.

O livro El mundo relacional de Juan Manuel de Rosas: un análisis del poder a través de vínculos y redes interpersonales escrito por Andrea Reguera, foi resenhado por Juliana da Silva Sabatinelli, a qual nos apresenta a obra informando que o livro analisa a construção do poder de Juan Manuel de Rosas a partir da trama de relações interpessoais que atravessaram sua vida e a política adotada quando assumiu o cargo de governador da província de Buenos Aires buscando compreender o jogo de poder e os limites entre o público e o privado.

Agradecemos a todos os autores e as autoras que contribuiram para a realização deste dossiê e aos avaliadores e avaliadoras cujas leituras e comentários enriqueceram os escritos e versões aqui apresentados. Esperamos que este dossiê contribua para a formulação de novos questionamentos e reflexões sobre o pensamento decolonial e abra outras possibilidades para pensares e fazeres outros no Ensino de História.


Organizadores

Elison Antonio Paim – Universidade Federal de Santa Catarina.

Helena Maria Marques Araújo – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

PAIM Elison Antonio (Org d)

ARAÚJO Helena Maria Marques (Org d)


Referências desta apresentação

PAIM, Elison Antonio; ARAÚJO, Helena Maria Marques. Apresentação. Intellèctus. Rio de Janeiro, v.20, n.1, 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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