No nº 20 da Revista do IHGRJ (2013) resenhei dois livros sob o título “Rio de Janeiro: os olhares no passado e no presente”. O clássico de Maurício de Almeida Abreu “Geografia Histórica do Rio de Janeiro –1502-1700” e a coletânea do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) organizada por Armando Castelar e Fernando Veloso: “Rio de Janeiro: um Estado em transição”. A resenha fez uma comparação entre as questões econômicas do início da ocupação do atual Estado do Rio de Janeiro (séculos XVI – XVII) e do período da primeira metade do século XXI.
O livro a ser resenhado agora se parece com a coletânea do IBRE, porém seus autores não são pesquisadores do IBRE e sim professores e pesquisadores das universidades cariocas e fluminenses e do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto o livro do IBRE separou o conjunto de temas em três grupos: Economia, Instituições Políticas e Gestão Fiscal e Aspectos Sociais, a coletânea “Uma Agenda para o Rio de Janeiro” lista um conjunto geral de onze temas: infraestrutura da periferia da Região Metropolitana do RJ, o setor petrolífero, a infraestrutura da construção naval, estrutura e gestão dos sistemas de saúde, processos de inovação no sistema industrial, potencialidades e obstáculos ao setor turismo, esporte e lazer, finanças públicas, infraestrutura logística, mobilidade urbana e violência e aparato policial.
Enquanto a coletânea do IBRE tratou os temas separadamente, como uma análise de per se, o livro “Uma Agenda” trata a questão, como o estabelecimento de uma agenda de políticas públicas, com vistas a orientar os decisores do poder público e privado do Rio de Janeiro nas questões mais problemáticas por que passa o Estado, muito embora, a maioria dos textos se assemelhem aos da FGV, constatando fatos e problemas, mas tendo pouca possibilidade de organizar soluções.
As palavras dos organizadores no capítulo introdutório, “Desafios para o desenvolvimento socioeconômico do Rio de Janeiro”, dão essa sinalização, ao historiar os processos históricos por que passou o RJ, cobrindo um vasto leque de problemas derivados das transformações políticas, econômicas e sociais que impactaram o Rio de Janeiro, principalmente depois dos anos 1960 até a atualidade. Perda de densidade política e econômica, mas ainda com forte atratividade demográfica, com todas as consequências negativas que advieram dessas transformações.
A primeira intervenção de Bruno Leonardo Barth Sobral, economista da UERJ, foca os problemas da precária infraestrutura da periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tanto no aspecto econômico quanto no social, falando de um “vazio produtivo” da periferia metropolitana fluminense e comparando as gestões das principais Regiões Metropolitanas (Belo Horizonte e São Paulo) com a do Rio de Janeiro. Analisa os setores produtivos da economia e os confronta com o mercado de trabalho nas três Regiões Metropolitanas, enfocando principalmente a população jovem, com pouca escolaridade e escassas possibilidades de se integrar à força produtiva formal. Discute a pouca capacidade de gestão pública, tanto no nível estadual quanto no municipal nessa periferia, que repercute nos baixíssimos índices de modernização das infraestruturas (saúde, educação e segurança) e na logística de transporte, principalmente a que deveria garantir a locomoção das populações e das mercadorias na referida RM.
Conclui, mostrando a necessidade de uma estrutura de governança para a RMRJ sob o apoio do governo estadual, o único agente legal que possui as condições políticas, econômicas e administrativas para implementar essa estrutura.
O artigo de Adilson de Oliveira (UFRJ) e Hildete Pereira de Melo (UFF) tem como objetivo a análise do setor petrolífero do RJ. Carro chefe da economia estadual, tanto pela exploração convencional da plataforma continental quanto pela exploração de águas profundas no contexto do pré-sal. O trabalho foca a chamada “janela de oportunidade” que a exploração petrolífera estruturou após os anos 1970 na plataforma continental brasileira, principalmente na bacia de Campos no RJ. Essa estruturação ensejou uma forte mudança na escala produtiva de óleo e gás e abriu novas frentes de pesquisa tecnológica nas áreas de geologia, mecânica pesada, construção naval, petroquímica e logística de transporte de combustíveis, além de incentivar um deslocamento de mão de obra especializada ou não para cidades como Macaé, Campos, Barra de São João, Cabo Frio e Búzios. A figura dos royalties da exploração petrolífera alterou drasticamente as fontes de renda dos municípios do litoral norte fluminense, criando desenvolvimento em algumas áreas, ou problemas em outras, em função do despreparo das administrações municipais em fazer frente à gestão desses recursos. No contexto estadual, o RJ tenta gerenciar a administração desse setor em prol da sociedade fluminense, mas sofre grandes pressões de outras unidades da federação, que gostariam de também usufruir financeiramente desse recurso natural, sem as despesas que incorrem com sua implantação.
O trabalho de Floriano Pires Jr. (UFRJ) analisa o setor naval fluminense, historiando seu desenvolvimento desde o período colonial até os nossos dias, em função da posição privilegiada do porto da cidade do Rio de Janeiro, dentro das águas protegidas da Baía da Guanabara. Descreve os principais períodos da construção naval fluminense, enfocando a fase de desenvolvimento de navios de carga na década de 1970, a estagnação ocorrida entre os anos 1980 e 1990 e o seu soerguimento, no início do século XXI, com o advento da exploração petrolífera na plataforma continental. O autor detalha os processos de construção dos equipamentos offshore (plataformas, navios especializados e barcos de apoio), principal êmulo do setor na atualidade. A parte final do artigo enfoca as questões de competitividade e de sustentabilidade do setor, analisando a demanda futura de petróleo, sua cadeia produtiva e os desafios que serão enfrentados em termos de tecnologia e de recursos humanos para fazer frente a tal empreitada.
Lia Hascenclever (UFRJ) e Júlia Paranhos (UFRJ) abordaram o complexo da economia da saúde fluminense e, no subtítulo, levantam uma questão: uma oportunidade de ampliar o desenvolvimento do estado? O trabalho aborda os dois sistemas que compõem o que as autoras chamam de “complexo da economia da saúde”: o sistema de saúde (público e privado) e o de produção e inovação de insumos (bens e serviços), que provê os suprimentos (equipamentos e medicamentos) para o seu funcionamento. É por conta dessa interação que Lia e Júlia vislumbram as condições para o desenvolvimento do RJ. Para essa análise elas trabalharam com um panorama de oferta e demanda para esses dois sistemas que estão interligados, no caso da saúde, por meio das demandas por medicamentos e equipamentos e, no caso dos insumos, pela da oferta de medicamentos e equipamentos e da pesquisa biomédica, que orienta as decisões no campo da saúde, tanto na indústria farmacêutica e de equipamentos médicos quanto no provimento desses insumos para o sistema como um todo (os setores atacadista e varejista e de prestação de serviços especializados). As relações entre as compras públicas feitas pela Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro e o mercado dão a escala econômica do complexo. As despesas com a saúde são a variável proxy para monitorar o desenvolvimento dessa inter-relação. Foram também verificados os papéis dos principais atores do complexo: paciente, médico, profissionais auxiliares, seguradoras e prestadoras de serviços. No caso dos insumos, além dos atores já conhecidos, ainda tomam parte a indústria farmacêutica e de equipamentos e seus intermediários (atacadistas e varejistas e representantes comerciais e prestadores de serviços), sendo que o sistema público cobre todas essas inter-relações, ordenando e gerindo a maior parte dessa economia. O artigo detalha diversas políticas organizadas pelo Estado, mostrando as possibilidades de investimento, geração de renda e de empregos nos dois sistemas abordados.
O capítulo trabalhado por Jorge Britto (UFF), José Eduardo Cassiolato (UFRJ) e Israel Sanches Marcelino (UFRJ) objetiva estudar o processo de inovação industrial no RJ por meio da avaliação de uma pesquisa realizada pelo IBGE. A PINTEC – IBGE levanta os principais fatores de inovação industrial brasileira em termos regionais e cobre um horizonte temporal entre 1998 e 2011. Essa avaliação se tornou muito importante para o RJ em função do esforço tecnológico investido na exploração offshore de petróleo e gás. O trabalho enfatiza também as relações entre o sistema educacional oficial e de treinamento, com as empresas que possuem uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento, relação essa garantidora dos coeficientes de inovação industrial no estado.
Turismo e Sustentabilidade: contexto, obstáculos e potencialidades é o título do trabalho de Renata Lèbre La Rovere (UFRJ), Marta de Azevedo Irving (UFRJ) e Marcelo Augusto Gurgel de Lima (UFRJ), que tenta contextualizar a problemática do turismo no RJ, levando em consideração a relação entre a atividade turística e a conservação física e cultural dos espaços definidos com atração turística. Desenvolveram as principais políticas públicas orientadas para a atividade turística e história o processo, enfatizando o período pós-Rio-92. Analisaram as principais atividades turísticas da cidade do Rio de Janeiro, evidenciando o contexto praia e os grandes eventos atratores do fluxo turístico e avaliando a participação econômica e trabalhista do setor. Apresentaram também um quadro regional do Estado em termos de turismo (cultural ou ambiental), explicando a regionalização feita pelo Plano Diretor de Turismo do RJ (2001) em sete regiões. Finalmente, apresentaram algumas conexões entre as potencialidades e os riscos inerentes ao gerenciamento da atividade turística do RJ.
Esporte e Lazer foi o tema desenvolvido por Luiz Martins de Melo (UFRJ) que cobre as relações entre os esportes (competitivos ou não) e a fruição de uma atividade que entrelaça vigor físico e o domínio de alguma técnica esportiva. Para o autor, as atividades físicas devem ser referenciadas a um direito da cidadania e é dever dos gestores públicos e privados dar condições para que essa atividade seja amplamente oferecida à sociedade. O artigo explica a cadeia produtiva do esporte e define seus principais atores: os que praticam e os que gerenciam cada esporte de per se e os que apreciam (torcedores). Os valores financeiros envolvidos nos esportes são bastante significativos e empregam um considerável conjunto de pessoas entre assistentes, esportistas, pessoal auxiliar e gerência. O autor teceu algumas considerações sobre os megaeventos esportivos e relacionou algumas políticas públicas com eles. Copa do Mundo, Olimpíadas, Jogos Pan-americanos são eventos que envolvem prioritariamente o poder público e privado em função da infraestrutura urbana e logística que deve acompanhar essas realizações que comportam centenas de milhares de pessoas. No outro lado da moeda, estariam as atividades físicas que devem ser o objetivo da política pública para a sociedade como um todo, visando à saúde e o bem-estar. O exemplo das ciclovias, das praças de esporte e da manutenção da qualidade da água do mar são alguns exemplos bem característicos.
Paula Alexandra Nazareth e Marcos Ferreira da Silva (Tribunal de Contas do RJ) trataram das finanças públicas do Estado e municípios do RJ. Na parte introdutória do artigo, os autores já sinalizam, assim como no trabalho de Mansueto Almeida e Alexandre Manoel da coletânea “Rio de Janeiro: um estado em transição”, as dificuldades em reduzir as disparidades financeiras do estado, em virtude da incapacidade do sistema fiscal brasileiro em tratar com igualdade os estados e municípios. Paula e Marcos analisaram, primeiramente, as receitas orçamentárias do Estado em 2012: tributárias, royalties do petróleo, transferências, operações de crédito e outras. Em seguida, detalharam as receitas tributárias (impostos e taxas cobrados de diversas maneiras) e as demais receitas, enfatizando os royalties e as transferências do governo federal ao RJ. Em seguida, foram analisadas as receitas do conjunto de municípios do RJ, também fazendo um detalhamento do mesmo modo do Estado, mas enfatizando o IPTU, imposto sobre a propriedade predial e territorial que é exclusivo do município. A segunda parte do trabalho foi dedicada à análise das despesas do Estado e, posteriormente, as dos municípios. No caso do Estado, elas estão divididas em dois grupos: as despesas correntes (salários e encargos sociais e juros da dívida) e as despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida). Houve também uma análise das despesas por funções (previdência, educação, segurança, saúde etc.). No caso das despesas municipais, os autores regionalizaram o conjunto de municípios em nove regiões e concluíram o trabalho analisando também as principais funções do conjunto municipal. As principais conclusões do estudo mostraram uma forte dependência do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias), uma incerteza quanto ao futuro em termos da arrecadação dos royalties do petróleo e um alto percentual de despesa em salários e encargos sociais, sobrando pouco para as despesas de capital.
O tema logística foi tratado por Riley Rodrigues de Oliveira (UFRJ), que avaliou a malha rodoviária, a ferroviária, o sistema aeroviário e o portuário, que foi bem detalhado, dedicando a cada porto (tanto os em funcionamento, quanto os em construção e em projeto) uma análise de óbices e oportunidades. Finalizou com uma seção sobre a integração porto-ferrovia, analisando a cobertura, os elos faltantes e as possibilidades futuras.
Fernando Mac Dowell (PUC-RJ) analisou a logística da mobilidade urbana na cidade e na periferia da região metropolitana, historiando os principais sistemas modais e mostrando suas respectivas evoluções. Mostrou alguns exemplos de ampliação dos sistemas como no caso das barcas, da Supervia (ferrovia), do metrô e dos BRTs. Explicou que a adoção da Participação Público Privada (PPP) foi a melhor solução para o desenvolvimento da mobilidade urbana.
Por último, Silvia Ramos (UCAM) tratou da questão segurança pública, historiando a violência entre 1979 e 2009, analisando as estatísticas sobre homicídios e mostrado o acentuado crescimento das mortes violentas a partir dos anos 1990. A autora também mostra que parte considerável dessas mortes foi em ações policiais. Analisou também o crescimento do tráfico de drogas e sua correlação com os homicídios de jovens e o aparecimento das milícias, grupamento de policiais e civis que, aparentando ser uma força contra o tráfico nas favelas e bairros proletários, acabam por escravizar os moradores cobrando pedágio, controlando a venda de bujões de gás e de material de construção e o transporte de vans. Finalizou avaliando a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), sistema de alocação de policiais em locais específicos nas favelas e em bairros proletários, objetivand
o estar presente na comunidade e assim coibir as ações criminosas, tanto de bandidos quanto de policiais corruptos.
Resenhista
Roberto Schmidt de Almeida – Doutor em Geografia – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.
Referências desta Resenha
OSÓRIO, Mauro; MELO, Luiz Martins de; VERSIANI, Maria Helena; WERNECK, Maria Lúcia (Org.). Uma Agenda para o Rio de Janeiro: estratégias e políticas públicas para o desenvolvimento socioeconômico. Rio de Janeiro: FGV; SINAVAL, 2015. Resenha de: ALMEIDA, Roberto Schmidt de. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano 22, n.22, p. 293-300, 2015. Acessar publicação original [DR]
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