Apesar da importância da obra de Afonso de Taunay, durante muito tempo sua obra permaneceu pouco pesquisada. Nos últimos anos esse quadro foi alterado, como nos informa o sugestivo estudo de Ana Claudia Fonseca Brefe, O museu paulista: Affonso de Taunay e a memória nacional (2005), no qual se dedica a analisar parte da obra deste autor, especialmente, conjecturando sua contribuição na remodelação do Museu Paulista, quando foi seu diretor.
O trabalho de Karina Anhezini (2011) – fruto de sua tese de doutorado, defendida em 2006, e agora publicada – avança ainda mais nessas questões, ao propor analisar a história da historiografia de Afonso de Taunay, tendo em vista os locais que passou, e em que medida contribuíram com sua produção histórica. Assim, contrariando, de certa forma, aos cânones instituídos pela história do pensamento social e político brasileiro, o seu estudo procurou justamente inquirir a história da historiografia construída na obra de Afonso de Taunay, entre 1911 e 1939, e nos oferece uma bela contribuição para o estudo da temática.
O autor, de extensa obra, e, particularmente, conhecido por seus estudos sobre o bandeirante paulista e a história do café; mas, injustamente, deixado em segundo plano nos estudos históricos nacionais das últimas décadas, a sua pesquisa ainda formula um modelo interpretativo operacional, para o estudo de autores e suas respectivas obras, ao ter como base o estudo de Michel de Certeau (2002). E que, aliás, lhe cerceou instrumentos teórico-metodológicos promissores para pensar o lugar, a prática e a escrita, consignadas na “operação historiográfica”, que a autora procurou perscrutar na obra de Afonso de Taunay.
Ao percorrer os lugares que propiciaram a Taunay rever e/ou reformular suas práticas, dando-lhes um caráter mais profundo e operacional, e permitindo-lhe perpassar o “autodidatismo”, que a formação de engenheiro civil lhe possibilitou, para o constante aperfeiçoamento do ofício de historiador, por meio de leituras, práticas, exercícios de escrita e o intenso contato com os letrados do período, em especial, Capistrano de Abreu, não por acaso, mestre de uma geração de historiadores (Cf. AMED, 2006), a autora nos mostra passoa-passo como se configuraram os momentos que definiram a “operação historiográfica” de Taunay, ao ser ela também o trilhar de uma prática (inclusive, de pesquisa).
Neste caso, indica-nos como, a partir de 1911, Taunay iria definir preceitos teórico-metodológicos, forjando os fundamentos de sua escrita da história, ao se apoiar no manual de Langlois e Seignobos, Introdução aos estudos históricos de 1898. Evidentemente, para ela:
afirmar que Taunay se inspirou nas diretrizes desse método histórico não significa dizer que ele tenha aplicado todos os procedimentos do método em cada passo de sua produção, o que talvez nem mesmo os próprios autores da Introdução aos estudos históricos tenham feito, mas sim que ele foi informado por esses princípios e, sobretudo, motivado pela busca da “verdade histórica” (ANHEZINI, 2011, p. 47).
Ao nos mostrar como o autor manteve tais preceitos ao longo de sua trajetória de ensino e pesquisa, mas sem deixar de lado a historiografia nacional, com sua “história dos costumes”, a autora nos indica como e porque Taunay soube em sua época ser um “metódico à brasileira”. Entre outras razões, porque “ele reuniu os ensinamentos adquiridos com os historiadores franceses que resumiu em 1911”, em sua conferência sobre alguns princípios do método e da narrativa histórica, apresentada no Mosteiro de São Bento, como abertura do curso de História Universal que ele ministrou, “e as orientações de Capistrano de Abreu, tornando-se um metódico coerente com as produções brasileiras das primeiras décadas do século XX” (ANHEZINI, 2001, p. 88), e:
Historiador por vocação, Taunay foi um metódico à brasileira. […] Na produção da epopeia bandeirante ou na História dos monstros e monstrengos, assim como, nas obras lexicográficas, os princípios gerais da moderna crítica histórica guiaram a escrita desse metódico que soube combinar a leitura da historiografia francesa com o desenvolvimento da historiografia brasileira das primeiras décadas do século XX (ANHEZINI, 2011, p. 232).
Além disso, num percurso simultâneo e articulado a esse primeiro, a autora vai detalhando como os lugares que este autor passou, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP); o Museu Paulista; a Academia Brasileira de Letras (ABL), e na cadeira de História da Civilização Brasileira do curso de Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP), entre meados dos anos 1910 e a década de 1930, foram para ele de fundamental importância para a coleta, organização e análise de fontes primárias. Nesse caso, especialmente, porque:
Os esforços despendidos em torno dessa busca de documentação estavam atrelados à necessidade que esses homens de letras tinham de definir o que era o Brasil, o que era ser brasileiro, o que era ser paulista. Para Taunay, a melhor forma de se escrever a História do Brasil era por meio da realização de uma “História dos Costumes”, portanto, as “minas virgens” que se descobriam a cada dia deviam servir para que os “mosaístas” compusessem a História não mais política e administrativa, denominada “história batalha”, mas sim uma “História da Civilização” [brasileira] (ANHEZINI, 2011, p. 64).
Com isso, ao cruzar as correspondências passivas e ativas deste autor, com o processo de produção de sua obra, em meio aos locais em que foi passando, ao longo de sua carreira, além de efetuar uma análise interna de sua obra, ainda pouco usual em nossa historiografia, a autora conseguiu elaborar um modelo interpretativo pertinente e eficaz para perscrutar a trajetória também de outros autores; sejam os canonizados ou não, em nossa historiografia, que embora altamente profissional e madura, ainda está permeada por imensas e não justificadas lacunas, que, aliás, estudos como esse, podem contribuir para a constituição de uma história da historiografia cada vez mais crítica em nosso meio.
Referências
AMED, F. As cartas de Capistrano de Abreu: sociabilidade e vida literária na belle époque carioca. São Paulo: Alameda, 2006.
BREFE, A. C. F. O museu paulista: Affonso de Taunay e a memória nacional. São Paulo: Edunesp, 2005.
CERTEAU, M. A operação historiográfica. In: A escrita da História. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 65-122.
Resenhista
Diogo da Silva Roiz – Doutorando em História pela UFPR, Curitiba/PR, Brasil. Bolsista do CNPQ. Professor da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Amambai/MS, Brasil. E-mail: diogosr@yahoo.com.br
Referências desta Resenha
ANHEZINI, Karina. Um metódico à brasileira: a história da historiografia de Afonso de Taunay (1911-1939). São Paulo: Editora Unesp, 2011. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. A margem dos cânones: a história da historiografia de Afonso de Taunay. Diálogos. Maringá, v.16, supl. Espec., p. 337-340, dez.2012. Acessar publicação original [DR]
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