Um estudo crítico da História | Hélio Jaguaribe
Os recentes eventos espetaculares impactos de aviões comerciais cheios de desprevenidos passageiros, chocando-se com o maior edifício de Nova York e um dos maiores do mundo, ademais de outro tanto contra o Pentágono, Ministério da Defesa em Washington levaram o próprio presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a declarar, a telespectadores estupefactos em escala mundial pela comunicação instantânea via satélite, que se tratava da primeira guerra mundial do século XXI.
Naturalmente logo vieram recordações do otimismo de Francis Fukuyama em muito discutido artigo publicado na revista Foreign Affairs sobre o fim (pacífico…) da história, e pessimismo de Samuel P. Huntington em artigo, também ali, transformado em livro sobre o choque das civilizações.
Eis que agora vem do Brasil um visão mais completa do contexto em que tudo isso se situa, o livro de Hélio Jaguaribe, Um Estudo Crítico da História. O título logo evoca A Study of History de Arnold J. Toynbee, mas o texto, mesmo reconhecendo os méritos de Toynbee, o faz criticamente, ao modo e maneira do conjunto das suas análises próprias, rumo às suas específicas conclusões. São estas que aqui nos interessam.
Benedetto Croce já mostrava que o passado passou, o que ficou, seu legado, é a história, assim com perene contemporaneidade. A historiografia significa a catarse da história. Os historiadores também fazem parte da história, eles se sucedem completando-se, inclusive ao se contradizerem dialeticamente. Poderíamos acrescentar com Lucien Febvre: “A história é filha do tempo. Não o digo, em verdade, para rebaixá-la. Também a filosofia é filha do tempo. Até a física (…). Houve progresso, de uma a outra? Quero crê-lo. Contudo, nós, historiadores, devemos falar sobretudo de adaptação ao tempo. Cada época forja mentalmente o seu universo”.
Jaguaribe relembra muito bem a distinção entre processo histórico, res gesta, e narração das coisas acontecidas, rerum gestorum. Não por acaso “história” em grego vem de “historía”, o ato de aprender com um hístor, alguém culto, instruído, preservador não da memória dos mitos, isso cabe ao poeta, e sim do factualmente acontecido, esta a missão de Heródoto, diferentemente da de Homero. Heródoto depois completado por Tucídides e Políbio, daí aos romanos em idêntico sentido. Assim a historiografia é a mais antiga das ciências, anterior à ciência política de Aristóteles (filosofia política em Platão) e ao próprio direito em hermenêutica só a partir de Roma. O acontecimento, enquanto documentado ainda com maior rigor por Ranke, na Alemanha, séculos após, na consolidação da historiografia.
De Toynbee a Alfred Weber, Hélio Jaguaribe inflete na direção da sociologia da história.
Estranho destino, o de Alfred Weber. Obscurecido pela fama do irmão Max, tem, contudo, mérito próprio e grande, como se vê no seu livro História da Cultura como Sociologia da Cultura (1935), o mais conhecido, Hélio Jaguaribe o recupera em língua portuguesa onde pouco repercutiu, porém criativamente, sua diferença fundamental constando da ausência de visão teleológica, conforme Jaguaribe explica: “As ações humanas, sim, tem um objetivo, refletindo motivos inúmeros, muitas vezes conflitantes. O processo histórico é o resultado dessas ações, e portanto não é deliberado”. Um equilíbrio entre determinismo e probabilismo.
Lucien Febvre, com o nominalismo historiográfico da Escola dos Annales, por isso mesmo discordou de Toynbee e do seu antecessor Spengler: as generalizações, baseadas no passado, implicam no que Friedrich Schlegel definia no historiador como profeta do já acontecido.
Não cabe aqui a revisão das análises das diversas civilizações ao longo de Um Estudo Crítico da História por Hélio Jaguaribe, cumpre aqui verificar suas sínteses.
O tema da globalização apresenta-se inevitável.
Quanto ao que nos interessa diretamente no Brasil, Hélio Jaguaribe explica com sua experiência de homem de ação, em variadas experiências de assessoria e execução, além da sua visão intelectual: “O processo de globalização tem seus efeitos mais negativos nos países em fase intermediária de desenvolvimento, que conseguiram desenvolver uma capacidade industrial significativa mas continuam a enfrentar condições de baixa competitividade internacional, dependendo em grau considerável dos fluxos financeiros originados em outros países”.
Hélio Jaguaribe aponta então duas saídas, sob “duas condições básicas”. “A primeira é que possam aumentar significativamente a escala do seu mercado interno, assim como a sua capacidade internacional de negociação, criando mercados comuns regionais com países que se encontrem na mesma situação”. Portanto, a melhor distribuição interna da renda brasileira baseia e completa o Mercosul e outras integrações econômicas de que o Brasil participe.
“A segunda condição é que selecionem cuidadosamente, no contexto do seu mercado regional, aqueles setores produtivos que, com uma certa proteção e facilidades para modernizar-se, podem adquirir competitividade internacional em um período de tempo razoável”. Jaguaribe apresenta a possibilidade de dez anos, conviria ampliá-la. De novo ressurge a alternativa do Mercosul e outras integrações regionais e transcontinentais para o Brasil. A história prossegue com alto grau de imprevisibilidade.
Assim vale a pena estudar o passado, quem não sabe de onde vem, não sabe para onde vai. As ideologias vivem uma trégua, que ninguém sabe quanto tempo vai durar, as guerras religiosas voltaram em plena Europa nos Bálcãs e na Chechênia da Rússia, continuam na Irlanda do Norte, além da Palestina se alastrando pelo Oriente Médio e atingindo de modo espetacular os Estados Unidos em gigantescos atentados.
Um Estudo Crítico da História de autoria de Hélio Jaguaribe é o primeiro livro brasileiro de ampla sociologia histórica, sem historicismos, com conclusões práticas, concretas, após percorrerem longas e pormenorizadas mediações analíticas.
Resenhista
Vamireh Chacon
Referências desta Resenha
JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da História. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001. Resenha de: CHACON, Vamireh. Revista Brasileira de Política Internacional, v.45, n.2, 2002. Acessar publicação original [DR]