Trilogia do controle – LIMA (PL)
Em Trilogia do Controle, composta na década de 1980, pelos livros O controle do imaginário, Sociedade e discurso ficcional, e O fingidor e o censor, Luiz Costa Lima encalça as vias que o levaram a pesquisar sobre o veto à ficção, o controle do imaginário, inquirindo a “qual interesse a que o suposto veto responderia” e “por que seria ele consumado justamente por aqueles que se dedicavam ao poético”.
É um trabalho de fôlego, erudito, crucial não apenas para estudantes ou professores das Letras, mas para todos aqueles que se interessam pelas Ciências Humanas. Costa Lima desvenda como e por que o controle sobre o imaginário traz as relações de poder provenientes do Estado, da Igreja, desde a baixa idade média até a nossa contemporaneidade. O autor, ao estudar o veto ao ficcional, oferta rico estudo das relações entre História e Literatura, suas aproximações e seus distanciamentos, especialmente no que concerne à primeira ser ligada à verdade e à razão, e a segunda ao fingimento e à mentira.
Em O controle do imaginário, Costa Lima percorre os vestígios dos estudos de Hans Ulrich Gumbrecht sobre a crise na alta Idade média como consequência da escassa “flexibilidade da estrutura mental então dominante” que derivaria de duas razões: a cosmologia cristã que oferecia para cada experiência uma única interpretação e a falta de estrutura temporal na cosmologia cristã que a tornava rígida para as mudanças que o nosso autor irá explorar com o amadurecimento da experiência da subjetividade como uma forma de mediar a crise, sobretudo nos séculos XIV e XV.
Neste primeiro livro da Trilogia, o autor soma ao (re) aparecimento da subjetividade o advento da impressão tipográfica que veio a favorecer a flexibilização das estruturas mentais da época. Ao mesmo tempo, desenvolve a ideia do (re)aparecimento da subjetividade e o surgimento, advindo da centralização na subjetividade, da questão da verdade e, também, do controle ao imaginário ou mesmo do veto à ficção. Para ele, “a subjetividade já não se mostra apenas como suplementadora do sentido, mas esboça seu leque hierarquizado de usos possíveis. Ela pode ser empregada como desserviço da verdade – por aquele que a sacrifica ao canto – ou dar ensejo ao choque de opiniões ou, enfim, estar subordinada à verdade condição só satisfeita quando canalizada em favor da razão, praticada pelos que sabem examinar e ordenar “o que os antigos notaram por escrito” (p. 35).
Em O controle, dedica atenção a como o subjetivo individual permeou as manifestações “literárias”, mas principalmente esteve relacionado com os interesses estatais, da burguesia que nascia e fazia oposição à aristocracia feudal. E sobre tais interesses a Igreja nunca deixou de exercer sua influência.
Em Sociedade e discurso ficcional, Costa Lima expõe que a expressão literária surge e se desenvolve, na América Latina, marcada pelo veto ao ficcional. É por ele que o controle se atualiza:
“Implicando a suspensão do critério de verdade, seja no sentido pragmático – o príncipe Hamlet nem viu nem deixou de ver o fantasma do pai – seja no sentido filosófico – do contrário como, no conto de Borges, o narrador já idoso, poderia encontrar-se e discutir com o que fora há quarenta anos atrás? – a ficcionalidade concede ao discurso que rege uma liberdade potencialmente ameaçadora a todo regime zeloso de sua verdade. Onde a ficcionalidade aponte, é de se esperar que os defensores da verdade institucionalizada estendam sua garra. Se o controle se mostra com maior precisão na literatura é tão-só porque o ficcional é sua matéria-prima”. (p. 413).
No IV capítulo, o crítico literário discute a questão do documento, desenvolvendo as relações sobre como se comporta a literatura, o ficcional com as concepções de documento. Como escreve o autor, “com efeito, em vez de anulado ou esquecido, o plano da realidade penetra no jogo ficcional, apresentando-se como seu desdobramento desejado”. (p. 417).
Costa Lima caracteriza documento para que venhamos a compreender que o lado problemático não é tal caracterização, mas a interpretação, o uso que se faz de documentos. E é a partir do uso que se faça de documentos que podemos, por exemplo, identificar a corrente teórica seguida por determinado historiador. Neste capítulo examina, para se falar de escritor brasileiro, a obra Caetés, de Graciliano Ramos.
Em O Fingidor e o censor, reforça-se a pergunta-base de desde o primeiro volume da Trilogia que é: “desde o início dos tempos modernos, não têm sido os produtos que derivam especificamente da ativação do imaginário sujeitos a um controle particularizado?” (p. 526). E o autor continuará seu caminho em busca de cessar a sua obsessão primeira, o veto à ficção, constituindo para nós leitores o quadro composto por: Literatura próxima à ideia de subjetividade e de liberdade versus História próxima à verdade e à razão. E desse quadro, inferimos o poder concedido à História e o veto legado à Literatura.
Por esse motivo é que podemos dizer que compreendemos, com a leitura do último livro da Trilogia, que é enquanto forma discursiva diferenciada que a ficção literária lida com o problema do poder, enquanto seu potencial expressivo conflita ou é passível de entrar em choque com o que lhe permite o discurso no poder, o assim chamado discurso da verdade.
Para tanto, Costa Lima percorre os caminhos desse controle desde o controle religioso, no capítulo I de O fingidor, o racionalismo e a religião no Iluminismo francês, onde Diderot vira mais ou menos um personagem teórico da Trilogia.
É no último capítulo da Trilogia que Costa Lima fará um exame do pensamento de vanguarda e a sua relação com a mímesis. Aqui, o autor analisa o pensamento de Apollinaire, Huidobro, Klee, Breton, Duchamp e, como o mesmo diz “em plano filosófico”, o pensamento de Gilles Deleuze. Analisa-os a partir do pressuposto de que “Na verdade, a centralização no eu, desde Baudelaire, metamorfoseia-se na experiência de hostilidade às expectativas e à linguagem comuns”. (p. 768).
Portanto, é bom ter em mente que este último capítulo tem uma ambição que vai além de suas dimensões imediatas, como avisa-nos o autor. “Ele estuda o pensamento da vanguarda como a ponta mais recente de uma episteme que se configura com nitidez desde o romantismo”. (p. 769). Pois é entre essas duas épocas (o romantismo e o período das vanguardas) que se consolida a recepção artística e intelectual da modernidade.
É um livro incontornável para quem quer estudar literatura e história sem as especializações que vigem hoje nas universidades brasileiras.
Ninalcira de Lemos Sampaio – Mestranda em Letras Universidade Federal de Sergipe.
LIMA, Luiz Costa. Trilogia do controle. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. Resenha de: SAMPAIO, Ninalcira de Lemos. Luiz Costa Lima: Trilogia do Controle. Ponta de Lança, São Cristóvão, v. 4, n.8, p. 67-68, abr .2011/ out. 2011. Acessar publicação original [DR]