O segundo volume do Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos se insere em um projeto de grande envergadura do Professor e Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Antônio Augusto Cançado Trindade. Trata-se de um momento singular na vida de um autor já consagrado, com inúmeros textos, artigos e livros publicados, que agora se dedica a fazer uma “síntese” de suas reflexões. Síntese, não no sentido comum, mas no sentido da aufhebung hegeliana, ou seja, da superação com conservação. Apoiado em seus escritos anteriores, o autor lança mão de sua imensa erudição e criatividade para dar um salto de qualidade e criar, nesse movimento dialético, uma obra nova que conserva os pilares fundadores de seus escritos anteriores, mas os supera em alcance e complexidade.
Na linha do Volume I, Cançado Trindade inicia o segundo volume pela defesa do caráter especial do direito internacional dos direitos humanos. Diferentemente dos tratados tradicionais, os tratados de direitos humanos prescrevem, segundo o autor, obrigações de caráter objetivo, a serem implementadas coletivamente, e procuram garantir o interesse geral, transcendendo os interesses individuais das Partes Contratantes. Com base nessa constatação, o autor retira algumas ilações referentes à interpretação e aplicação dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos (Capítulo XI). Em primeiro lugar, não se pode presumir limitações ao exercício dos direitos consagrados em tais instrumentos, a menos que estejam expressamente formuladas nos tratados.
O autor também trata, no capítulo XI, da chamada regra do esgotamento dos recursos internos como pré-requisito para o exame de um caso por órgão internacional. Essa regra, de acordo com Cançado Trindade, seria aplicada de modo distinto de sua operação no contencioso interestatal clássico. Com exemplos da jurisprudência internacional, o autor demonstra que os órgãos de proteção dos direitos humanos têm dispensado a regra do esgotamento quando os recursos internos não existem ou são ineficazes. No que diz respeito às reservas aos tratados de direitos humanos, o autor defende uma nova forma de encarar o problema, diferente daquela que se baseia nas duas Convenções de Viena sobre Direito do Tratados.
Cançado Trindade questiona a própria possibilidade de um Estado impor reserva a um instrumento de direitos humanos, uma vez que o objeto do tratado em questão não é o interesse individual do Estado, mas valores superiores relativos à própria dignidade do ser humano. Cançado Trindade não esconde sua insatisfação com interpretações que tendem a equiparar os instrumentos de direitos humanos aos demais instrumentos internacionais, como se pudessem seguir todos as mesmas regras de interpretação.
O capítulo XII aborda o regime emergente de promoção internacional da democracia e do Estado de Direito. O autor parte da discussão conceitual a respeito da interdependência entre democracia, direitos humanos e desenvolvimento, tal como consagrado na Conferência de Viena sobre direitos humanos, e volta seu olhar, em seguida, para o fenômeno da promoção internacional da democracia e do Estado de Direito. Passa em revista, assim, os mecanismos criados no âmbito da OEA para a salvaguarda da democracia entre os Estados membros e aponta os casos em que tais instrumentos têm sido utilizados na prática.
Ao tratar do direito ao desenvolvimento, no capítulo XIII, Cançado Trindade propõe uma reflexão sobre a continuidade da exclusão social e da pobreza. A atual fase de globalização da economia mundial representaria o fim das fronteiras para os capitais, mas não para os seres humanos. O autor critica o chamado “Estado-mínimo” e procura ressaltar que o direito ao desenvolvimento tem o propósito de fortalecer os direitos pré-existentes. Nesse sentido, enfatiza a importância do conceito de desenvolvimento humano, elaborado no primeiro relatório sobre desenvolvimento humano (1990) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que leva em conta indicadores como expectativa de vida e nível educacional.
No capítulo final, intitulado “Necessidades de Proteção e Monitoramento Contínuo da Situação dos Direitos Humanos no Mundo”, Cançado Trindade constata que a realidade contemporânea se caracteriza pela diversificação das fontes de violações dos direitos humanos e pela continuidade de horrores que já se julgavam historicamente superados. Alguns avanços do direito internacional dos direitos humanos têm procurado responder a formas específicas de violações e garantir proteção aos segmentos mais vulneráveis, de que seriam exemplos a proteção contra a tortura e desaparecimento forçado de pessoas, bem como a tendência da abolição da pena de morte.
Parte da tendência da proteção e do monitoramento contínuo da situação dos direitos humanos é a incorporação da dimensão dos direitos humanos em todos os programas e atividades das Nações Unidas, inclusive o chamado “componente de direitos humanos” nas operações de paz. Para Cançado Trindade, os esforços para a realização do velho ideal de uma jurisdição penal internacional também se insere na tendência do monitoramento contínuo. A criação, pelo Conselho de Segurança da ONU, dos Tribunais ad hoc para a ex-Iugoslávia (1993) e para Ruanda (1994) é analisada pelo autor, que, sem deixar de apontar determinadas incertezas e ambigüidades, faz uma avaliação positiva do funcionamento de tais órgãos. Outro exemplo nesse sentido é o processo que levou à adoção do Estatuto de Roma pelo Tribunal Penal Internacional (1998).
Ao concluir o Volume II, Cançado Trindade faz questão de explicitar o fio condutor de seu argumento. O pressuposto fundamental é o de que o respeito aos direitos humanos constitui a melhor medida do grau de civilização dos países e nações. Os conflitos contemporâneos dão uma indicação do quanto falta para atingirmos um grau satisfatório de civilização e revelam a necessidade de um sistema de monitoramento contínuo da observância dos direitos humanos. Para tanto, é necessário consagrar definitivamente as obrigações erga omnes de proteção, o que representa a superação da visão tradicional da pretensa autonomia da vontade do Estado.
Cabe registrar, finalmente, que o leitor terá no livro do Professor Cançado Trindade uma bússola segura para orientar-se no vasto campo dos direitos humanos. Longe de procurar refletir, nesta resenha, todas as qualidades do livro, entre as quais sua narrativa sóbria e elegante e o encadeamento lógico dos vários argumentos desenvolvidos, procurou-se tão-somente fornecer um quadro geral dos assuntos abordados. Ao percorrer as páginas desse importante livro, o leitor certamente encontrará respostas para determinadas questões e novas indagações sobre outras. A vantagem de ter Cançado Trindade como guia reside na certeza de que tanto as respostas quanto as indagações serão não apenas pertinentes, mas refletirão também o profundo sentido humanista que perpassa toda a obra do autor.
Resenhista
Benoni Belli
Referências desta Resenha
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos – Volume II. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1999. Resenha de: BELLI, Benoni. Revista Brasileira de Política Internacional, v.42, n.2, 1999. Acessar publicação original [DR]
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