Nos últimos 10 anos observou-se no Brasil um crescimento significativo no desenvolvimento de programas sociais voltados para o núcleo mais pobre da população. Consequentemente, seu crescimento resultou numa maior participação deste tema no centro dos debates socioeconômicos, sobre as suas funcionalidades e implicações. A temática dos programas sociais ganhou destaque perante a grande mídia, assim como, na política e na econômica. Sobretudo no que se refere aos programas destinados a transferência de renda, que se transformaram no principal ponto de discussão sobre as políticas sociais; se dirigindo a elas como políticas de cunho clientelistas e de não contribuição social.
Inserido neste debate, apresentamos a obra lançada em 2013 pela editora Campus Elsevier intitulada: “Transferência de renda no Brasil: O fim da pobreza?”. Escrito pela economista e pesquisadora Sonia Rocha, este livro tem como objetivo analisar a trajetória dos programas de transferência de renda no país. Apresentando seu processo de maturação, suas principais características e efeitos, ao mesmo tempo que realiza uma historicização destes projetos na trajetória política e social do Brasil.
Rocha publicou esta obra as vésperas da eleição presidencial de 2014 em um momento no qual se observou um aumento de intensidade nos debates políticos no Brasil, diversas vezes marcados pela hostilidade partidária mútua. E cujas discussões em diversos momentos apresentaram como foco o papel das políticas de distribuição de renda na luta para reduzir as desigualdades sócias existentes no Brasil. O que insere este livro em um momento político no qual questionava-se os resultados deste programa de governo, ao mesmo tempo que se questionava os índices de crescimento e desenvolvimento do Estado.
Partes destas suspeitas que rondam o tema das políticas de transferência de renda e de combate à desigualdade foram abordados pela autora na elaboração desta obra. Trazendo como uma de suas características à proposta de apresentar com amplitude, ou maior recorte, as políticas de governo no Brasil voltadas para a distribuição de renda. Isto facilita ao leitor que se debruce no processo de construção destas políticas, demonstrando suas principais características, assim como, seus erros e acertos.
O trabalho da autora segue um direcionamento que sistematiza o livro da seguinte forma: os motivos de criação dos programas, seus principais problemas estruturais, seus sucessos e o caminho ainda ser trilhado. Todos organizados de forma didática para que o leitor possa compreender o crescimento e o desenvolvimento destas políticas, ligando diretamente estes programas ao nosso tempo presente e nossa organização política atual. Sendo assim, podemos enxergar nesta obra um interesse de desmistificar diversos pontos que recorrentemente surgem quando este assunto é tratado em debates realizado fora dos círculos de especialista neste tema.
Talvez seja por este motivo que a autora opte por dar início ao texto apresentando as origens do projeto de distribuição de renda no Brasil. Surgidos na década de 1970 durante a ditatura civil-militar brasileira sob o governo de Ernesto Geisel. Para ROCHA, abordar no primeiro capítulo as origens da distribuição de renda no Brasil é um meio de apresentar não apenas o pioneirismo do processo, mas as principais características que limitavam inicialmente estas políticas sociais.
Criado durante o período de maior crescimento econômico do país, quando o PIB crescia a uma taxa média anual de 10,73%, o programa de distribuição de renda tinha como objetivo garantir o pagamento de meio salário mínimo (na época Cr$. 188,40) a um seguimento social restrito. Suas origens estavam ligadas ao combate aos altos índices de desigualdades apresentados no censo demográfico e pelo índice de Gini em 1970. De acordo com estes números havia ocorrido “de forma inequívoca a apropriação desigual”[2] das riquezas produzidas pelo crescimento econômico. Permitindo aos críticos do regime militar, argumentos válidos e concisos para a atingir o governo militar e sua imagem de progresso e prosperidade.
Foi visando a redução dos índices de desigualdade no país que o governo lançou no âmbito da Previdência Social o programa de Renda Média Vitalícia (RMV), criado em 1974 para garantir a distribuição dos lucros do progresso. Embora tenha sido para a época um projeto inovador, Rocha destaca o caráter restritivo do programa ao se destinar exclusivamente a uma clientela-alvo: idosos e portadores de deficiência que tivessem contribuído anteriormente para o sistema de previdência social. Outro fator importante – embora não determinado por lei, mas utilizado como parâmetro – para fins de elegibilidade à RMV, se encontrava na renda familiar per capita que deveria ser igual ou inferior a ¼ do salário mínimo no período vigente (Cr$.376,80). Para Rocha, a escolha de um grupo tão especifico claramente restringia o alcance deste programo, o tornando pouco eficiente para atingir os resultados esperados de combate à desigualdade.
Na realidade, de acordo com os dados apresentados pela autora, o RMV possuía pouca eficiência como programa de distribuição de renda pois sua criação visava a correção de uma falha no sistema de previdência. Que atingia aqueles que haviam contribuído com o sistema previdenciário (principalmente os idosos), mas que não haviam alcançado o período mínimo de arrecadação para garantir o recebimento de benefício de acordo com a lei em vigência na época. Este panorama só começa a ser modificado a partir de dois elementos: as mudanças causadas pela constituição de 1988 no que tange os direitos sociais e a aplicação da Leio Orgânica de Assistência social (LOAS) em 1996.
Neste ponto da obra, Rocha levanta um ponto pertinente em relação ao processo de distribuição de renda. A autora apresenta os elementos constitucionais que passam a dar sustentáculo ao processo de distribuição de renda. Permitindo a estes programas construírem características absolutamente original. Uma vez que passam seguir um caminho contrário ao das práticas assistencialistas e paternalistas em que atuava o Estado brasileiro, principalmente no que se refere as suas relações com os pobres e os desamparados. A autora ajuda a compreender a criação de um processo que passa a agir verdadeiramente como política de assistência e que gradativamente passa a se distanciar dos velhos modelos pensados pelo Estado.
Esta institucionalização e afirmação dos projetos de distribuição de renda como políticas sociais, foram cruciais para a ampliação da assistência social no Brasil permitindo a sua saída da marginalidade[3]. E que a partir da década de 1990 passam a ganhar novos horizontes, por meio de novas políticas de distribuição. Delineando os principais projetos que se encontram em execução hoje e transformando os programas de distribuição de renda nas principais ferramentas na política de luta contra a desigualdade.
Atualmente estes programas abrangem todos os indivíduos em situação de pobreza, embora, é dado maior ênfase aos núcleos familiares que possuem filhos, para que os auxílios recebidos por estas famílias contribuíam para a permanência destas na escola. Esta característica foi assimilada ao programa de forma a contribuir para a ampliação dados favoráveis ao governo, como o aumento da escolaridade, assim como a diminuição das transferências integeracionais da pobreza[4]. Dando a possibilidade de maior proteção adicional ás crianças e o aumento do acesso a atenção básica de saúde. Já que o sistema de controle destes projetos permite um acompanhamento mais preciso dos seus beneficiários. Como foi pensado pelo Programa Bolsa Escola e pelo seu sucessor o programa Bolsa Família.
Sobre estes dois programas, o livro apresenta uma evidente atenção a seu projeto de criação e de execução. Pois os seus impactos se tornaram mais significativos para história social do Brasil dos últimos 20 anos. Acerca de suas diferenças, Rocha evidencia principalmente o poder de capilarização e infraestrutura de cada um deles, sem que haja a pretensão de atribuir juízo de valor a cada um deste programas devido orientações políticas. As considerações feitas pela autora, prezam um uso sistemáticos de dados obtidos dos anuários estatísticos destes programas. Assim como, dados obtidos por instituições de monitoramento socioeconômicas de referência no país, para a construção de um texto de analise conciso.
Estes programas de distribuição de renda, originários de plataformas de governo distintas, são apresentados pela autora levando em consideração principalmente o fator de impacto, assim como na área de abrangência destes projetos, como foi anteriormente comentado. De maneira que se considera em ambos os casos o interesse dado pelo governo ao desenvolvimento destas políticas, que obtiveram maior grau de importância com o governo Lula se comparado aos dados analisados no governo Fernando Henrique Cardoso.
Em parte, está divergência se deve as metas estabelecidas por cada plataforma. Em uma dela a preocupação exacerbada de refazer a economia se desenvolver no país, limitando desta forma o gasto social. De maneira que os valores destinados aos programas socais se tornaram pouco significativos para alcançar algum grau significativo de mudança nas populações pobres. Do outro lado um governo disposto a ampliar os gastos sociais no intuito de elevar a qualidade de vida de uma parcela da população até então pouco lembrada pelas gestões anteriores.
Finalizando sua obra, Sonia Rocha dedica a última parte para ampliar a reflexão sobre o tema abordado. Após uma apresentação da evolução dos programas sócias no Brasil, a obra se encerra através da discussão sobre os resultados alcançados com o desenvolvimento e ampliação de renda no Brasil. Neste ponto a obra permite constatar a existência de avanços na redução no grau de pobreza oriundos destas políticas. Tendo em vista que foram políticas pioneiras e de características peculiares. Entretanto, também enfatiza as limitações destas politicas por não conseguirem alcançar a longo prazo a redução da pobreza apenas pelo uso da transferência de renda. Levantando como ponto pertinente para a discussão a necessidade de associar estas políticas a melhoria nos acessos e na qualidade de outros serviços; como educação, saúde, segurança, entre outros[5].
Este ponto reflete o argumento principal da autora após toda a abordagem realizada na obra. Para Rocha, apesar da importância relegada à uma genealogia da distribuição de renda no Brasil, a pergunta inicial sobre a capacidade destes programas em acabar com a pobreza é respondida ao final da obra. Indicando que o processo de distribuição de renda, nas políticas sociais, para alcançar a redução da desigualdade só ocorre quando conciliado a um melhor acesso a outros serviços públicos. Sem que haja isto, os programas mesmo apresentando dados positivos, alcançam baixa eficácia.
Sendo assim, a obra por inteiro constitui um pertinente material de apoio e de introdução para um assunto significativo na história do país. Trazendo em poucas páginas e em linguagem clara os temas e os conceitos para se obter o conhecimento necessário sobre o assunto. Trazendo o melhor embasamento científico mais com total acessibilidade para o leitor.
Notas
2. ROCHA, Sonia. Transferência de renda no Brasil: O fim da pobreza? Rio de Janeiro: Editora Campus Elsevier, 2013.Pag. 03.
3. Rocha. Pag. 17
4. Rocha. Pag. 167
5. ROCHA. Pag. 183
Resenhista
Phillipe Augusto Bastos – Graduado em História pela Universidade de Pernambuco – Campus Mata Norte e Mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável – UPE.
Referências desta resenha
ROCHA, Sonia. Transferência de renda no Brasil: O fim da pobreza? Rio de Janeiro: Editora Campus Elsevier, 2013. Resenha de: BASTOS, Phillipe Augusto.. Boletim do Tempo Presente, Rio de Janeiro, n.11, p.1-6, 2016. Acessar publicação original. [IF].
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