Trabalhadores, Culturas e Movimentos Sociais / História & Perspectivas / 2014
A Revista História & Perspectivas apresenta neste número o Dossiê: Trabalhadores, Culturas e Movimentos Sociais, composto por artigos que trazem reflexões em torno da presença dos trabalhadores, da visibilidade de suas práticas socioculturais na arena pública e as diferentes configurações políticas que essas práticas assumem enquanto movimentos sociais contemporâneos. O nosso objetivo é o de contribuir com o debate, apresentando propostas investigativas com focos diferenciados de análises acerca desse eixo temático. Artigos cuja contribuição está, sobretudo, no apontamento das diferentes problemáticas vinculadas às culturas e experiências do fazer-se dos trabalhadores enquanto protagonistas da História.
O artigo de Mariana Mastrángelo tem como objetivo refletir sobre a existência de uma cultura operária esquerdista no interior da Argentina, a partir dos testemunhos de operários, intelectuais e militantes de esquerda que viveram em duas cidades da província de Córdoba, nas décadas de 1930-1940. Seu enfoque tem como suposto as reflexões de Raymond Willians, no que diz respeito a investigar a cultura em seus processos variáveis, em suas definições sociais e, também, em suas inter-relações dinâmicas, apontando que cada cultura contém elementos explorados de seu passado, mas o seu lugar no processo cultural contemporâneo é variável. Desse modo, através dos testemunhos recolhidos, a proposta é de analisar os problemas da memória elucidando na cultura dos seus protagonistas o modo como convivem os elementos “residuais”, “emergentes” e “dominantes” nos processos de narrar / significar / resignificar o presente-passado.
O artigo de Pablo A. Pozzi também parte dos supostos de Raymond Willians sobre cultura ordinária e estruturas de sentimentos, propondo analisar a longa tradição de consignas políticas que conformam cânticos, por exemplo, no “apego” cultural dos trabalhadores pelo futebol, e que também coroaram as participações nos movimentos nacionais de disputas políticas na Argentina. Refletindo as canções e metáforas da linguagem socialmente produzida nessas práticas culturais, o autor busca as articulações e significados das mesmas nos processos de tensão, conflitos e resistências vividos pelos trabalhadores em diferentes conjunturas políticas. Sua hipótese é a de que essa linguagem evidencia propostas programáticas, uma identificação de inimigos e / ou aliados e, em particular, elementos que apontam para a definição de uma “identidade própria”. Nas palavras do autor: a proposta é traçar por meio do estudo de uma série de cânticos e consignas políticas, a permanência de uma subjetividade política de esquerda durante parte do século XX argentino (…) vinculadas a figuras específicas que aparecem em distintos testemunhos de militantes políticos; o impacto do cântico quando o testemunhante busca explicar com maior profundidade um conceito repetindo algumas consignas apreendidas durante as participações nas mobilizações políticas.
Já o artigo Los Indignados de Latino América – de Antonio J. Chica Badel, Giovani Cheuiche Godoy, José María Monzón e Mércia Pereira – busca refletir sobre o que os autores consideram a força dos movimentos sociais nas lutas por melhores condições de vida, melhores oportunidades de trabalho e igualdade. Movimentos que contribuem para o questionamento de paradigmas que sustentam a ideia de uma sujeição tradicional e ou submissa ao sistema dos mercados globalizados. Segundo os autores, tais movimentos sociais reclamam autonomia em relação ao poder das forças econômicas que interferem na organização interna dos países da América Latina.
Outro artigo que contribui para as reflexões desse Dossiê é Breve história das jornadas de junho: uma análise sobre os novos movimentos sociais e a nova classe trabalhadora no Brasil, de Josué Medeiros. É uma reflexão sobre as novas configurações dos movimentos sociais focadas nos protestos ocorridos em junho de 2013 e que foram chamados de Jornadas de Junho. O autor trata esses protestos como novos movimentos sociais, pautado na análise sobre a constituição da nova classe trabalhadora no Brasil. A indagação é sobre a natureza política dos protestos, problematizando a maneira como foram difundidos pela imprensa periódica, atentando para ações e participações dos seus integrantes nas redes sociais, questionando sobre quem eram os agentes ou jovens, protagonistas desses protestos, o que reivindicavam por meio dessas ações, suas visibilidades na arena política mediante a conjuntura e suas propostas de intervenções. Questões que se articulam na hipótese de que as jornadas de Junho de 2013 no Brasil podem ser vistas enquanto um momento de afirmação de novas formas de organização coletiva e que podem ser relacionadas com o debate acerca da nova classe social ou da nova classe trabalhadora, diante das políticas dos governos pós-neoliberais no Brasil.
O último artigo do Dossiê é de Fernando Perli sobre a temática: Impressos, leituras de passado e configurações do ensino de História no Movimento dos Sem Terra (MST), no qual apresenta uma análise relevante sobre as propostas desse movimento no que diz respeito à produção das “representações de passado”, tecidas por lideranças, intelectuais e entidades de apoio como atos que delineiam um lugar para o ensino de História na organização do movimento. O autor faz sua interpretação pautando-se nos processos de produção dos impressos difundidos pelo MST.
Na seção dos artigos avulsos encontram-se textos cujas análises assentam-se em pesquisas sobre memórias, culturas e experiências de trabalhadores de diversas localidades do Brasil. A problemática da participação / organização dos trabalhadores nos movimentos sociais de bairro na década de 1980, no município de Toledo no Estado do Paraná, foi foco da pesquisa de Jiane Fernando Langaro. Em seu artigo, o autor analisa as trajetórias, os aprendizados dessas lutas, por meio das memórias dos seus protagonistas, primando por compreender os significados dessas experiências durante um processo tenso de busca por parte do poder publico municipal em institucionalizar as organizações, associações comunitárias, destacando, principalmente, o caráter de sujeitos históricos daqueles que se envolveram nessas lutas por direitos naquela cidade. Já o artigo de Rosangela M. Silva Petuba dialoga com as experiências dos trabalhadores e de suas famílias na cidade de Ponta Grossa (PR). O interesse foi demonstrar a maneira pela qual esses trabalhadores constituíramse ferroviários, por meio de um modo de vida, entendido como prática social, em que visões e projetos de viver, morar e trabalhar se articulam na vida da cidade e na ferrovia. Experiências que foram analisadas como outra possibilidade de diálogo com o tempo vivido e como alternativa para a construção de outras histórias da ferrovia e de sua relação com a cidade. Noutro enfoque, temos o artigo de Sheille Soares de Freitas e Carlos Meneses de Souza Santos cujo tema é: Laços de Violências em vínculos classistas: os trabalhadores rurais na porção Oeste do Paraná na segunda metade do século XX. A análise problematiza o modo como determinadas relações de poder, estabelecidas por trabalhadores rurais, podem extrapolar definições fragmentárias, indicadas em noções como “mundo do trabalho” e “cotidiano de trabalhadores”.
Ainda nessa seção encontram-se os artigos de Marco Antonio S. de Almeida, intitulado O que ocorreu com os trabalhadores desligados da indústria de transformação da microrregião de Juiz de Fora pós-abertura econômica?; de Antonio de Pádua Bosi – Uma História Social comparada do trabalho em frigoríficos: Estados Unidos e Brasil (1880-1970); e de Alysson Luiz Freitas, – A violência praticada por escravos e homens livres: crimes em comum? que tratam de temáticas relativas às mudanças nos processos de produção capitalista, a exploração do trabalho em situações distintas e comparadas e as transgressões e ou violências praticadas e vividas por trabalhadores em variadas relações de subordinação / dominação em diferentes temporalidades históricas.
Por último, o artigo de Alessandro de Almeida e Edwirgens A. Ribeiro Lopes de Almeida, intitulado Que Presidente sou eu? A telenovela como instrumento de propaganda eleitoral nas eleições de 1989, problematiza a produção de telenovelas pela empresa Rede Globo, no ano de 1989, como instrumento político que contribuiu para a vitória do candidato vinculado ao projeto neoliberal no Brasil.
Vale destacar a nova seção Debates criada nesse número e que aborda Sobre a Profissão do Historiador. Esta seção traz o posicionamento de duas Associações sobre este tema: a da Sociedade Brasileira de História da Ciência – SBHC e da Associação Nacional dos Professores de História – ANPUHNACIONAL. A profissionalização do historiador tem sido debatida em vários fóruns e é uma preocupação constante da ANPUH. A apresentação destes posicionamentos visa contribuir com a divulgação deste debate.
Por fim a seção Resenhas, com o texto: A atualidade do pensamento de Antonio Gramsci para a historiografia contemporânea de autoria de Heloisa Helena Pacheco Cardoso. A autora tece considerações sobre a importante presença dos referentes teóricos de Antonio Gramsci na historiografia brasileira, analisando os artigos publicados no livro intitulado Sociedade Civil. Ensaios Históricos, 2013, organizado por Dilma Andrade de Paula e Sônia Regina de Mendonça.
Celia Rocha Calvo – Conselho Editorial
CALVO, Celia Rocha. Trabalhadores, Culturas e Movimentos Sociais. História & Perspectivas, Uberlândia, v.27, n.51, 2014. Acessar publicação original [DR].