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Todos alfabetizados no primeiro ano | Kathleen Floriano Irizaga

A partir dos anos de 1980, com a contribuição dos trabalhos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, o aprendizado e o ensino da escrita e da leitura, começaram a ser pensados para além da habilidade de codificar e decodificar códigos do sistema alfabético, mas passaria a ser valorizado, também, o uso da língua em diferentes situações ou contextos sociais, com sua diversidade de funções e suas diferenças no modo de falar e/ou escrever, já que a língua é um sistema concebido na interação verbal, que pode se apresentar através de textos, falados ou escritos. Por isso, o desenvolvimento das capacidades linguísticas necessárias para se aprender a ler e escrever, de modo a compreender situações diversas de comunicação, não acontece espontaneamente, precisam ser ensinadas.

O livro “Todos Alfabetizados no primeiro ano”, escrito por Kathleen F. Irizaga, apresenta um relato sobre sua prática docente desenvolvida em uma turma de primeiro ano do Ensino Fundamental de uma escola pública em Porto Alegre, RS. Seu principal objetivo, nessa ocasião, era que todos os seus alunos finalizassem o ano letivo alfabetizados.

Kathleen F. Irizaga é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-graduada em Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Em sua obra, Irizaga retrata passo a passo suas ações pedagógicas realizadas ao longo de ano letivo, a fim de auxiliar professores alfabetizadores com as experiências vivenciadas durante todo o seu trabalho. A prática entrelaçada às fundamentações teóricas assegura aos leitores uma boa impressão do que é exposto no livro.

O planejamento do trabalho publicado se deu diante de duas temáticas: corpo e identidade, que consiste em abordar na temática “corpo” questões biológicas e discussões sobre o que a mídia coloca como ideal. Já na temática “identidade”, foi explorada a questão de suas individualidades enquanto sujeitos, por meio de atividades de escrita, partindo de seus próprios nomes, tendo como exemplo o reconhecimento das letras que os compõem, entre outras. A proposta era trabalhar a ausência de preconceitos, sanar curiosidades sexuais demonstradas pelos alunos e dar oportunidade às crianças de conhecerem suas próprias histórias. Considero esse trabalho relevante, pois nessa idade, as crianças já apresentam curiosidades sobre o próprio corpo e sobre o corpo do colega. Além disso, é um excelente pretexto para se fazer um trabalho com escrita, pois quando se trata de aprender a escrever seus próprios nomes, os alunos se sentem motivados, pois se veem, ou seja, se reconhecem como sujeitos do próprio aprendizado e “sabem” que isso tem uma importante função social.

Após uma breve descrição sobre a condição em que os alunos se encontravam, a autora apresenta atividades em diversas situações de aprendizagem em que se propõe o desenvolvimento do raciocínio lógico, envolvendo a aproximação com números, as sequências numéricas, as atividades relacionadas ao processo de aquisição da escrita e as estratégias de leitura. Baseada em Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, Irizaga defende a ideia de que se deve alfabetizar para o mundo, o que seria preparar a criança para as diversas situações que são vividas cotidianamente. Em outras palavras, nada mais é do que alfabetizar letrando. Partindo de tal crença, a professora alfabetizadora sugere diversas atividades incluindo os mais variados gêneros textuais, garantindo assim um trabalho que permeia a alfabetização articulada ao letramento. Diante disso, quando um trabalho desenvolvido é pautado no ensino com os gêneros textuais, os alunos são preparados para entenderem e se fazerem entendidos em diferentes situações comunicativas de seu cotidiano. É importante que esse trabalho comece nas séries inicias, inclusive na alfabetização, pois os alunos dos primeiros anos das séries iniciais já se deparam e têm que lidar com diversas situações comunicativas. Penso que quando se limita os textos nas práticas pedagógicas, ocorre um distanciamento destes com seus propósitos comunicativos.

Entre as diversas atividades detalhadas, sugeridas no decorrer da obra, a autora afirma ter feito uso do dicionário quando havia dúvidas e curiosidade das crianças em relação a alguma palavra, a fim de que pudessem ter contato com tal ferramenta que lhes serviria posteriormente para possíveis consultas. Afirma também trabalhar com textos, na leitura e na produção. Ela apresenta bons exemplos de tais atividades que, como bem explicitados no livro, podem servir de inspiração para os docentes das séries iniciais que se dedicam à alfabetização para que possam produzir suas atividades voltadas à necessidade de seus alunos.

No que tange à questão do letramento, explicito uma atividade feita com os alunos que abarca diversos gêneros textuais, intitulada de “Portadores de textos”:

“Fizemos uma atividade de adivinhação em relação lugar onde poderiam ser encontrados tais textos. Selecionamos uma bula de remédio, uma carta, rótulos de alimentos e produtos de limpeza, convite para festa, notícia de jornal, textos informativos, receitas culinárias, entre outros, que foram lidos um de cada vez para as crianças. Após a leitura, perguntei se haviam identificado do que se tratava, se o jeito de falar de um poderia ser empregado no outro e o que caracterizava um ou outro texto. Também conversamos se poderíamos entender do que o produto se tratava se não houvesse nada escrito nos rótulos, se eles apresentassem apenas figuras”.(p. 35)

Para a professora alfabetizadora, o papel do professor é mostrar aos alunos o valor que a leitura tem e propiciar situações interessantes para os alunos encontrarem um sentido naquilo que está sendo proposto.

Encontramos também, no livro, questões sobre a importância da inclusão digital no trabalho de alfabetização, pois além de fazer parte do cotidiano das crianças, as tecnologias chamam a atenção das mesmas. Há temas que dizem respeito à alfabetização em tempos de sustentabilidade que dão margem a realizar tarefas práticas, como plantação de mudas de plantas, discussão sobre a origem da água que chega à casa dos alunos, produção de brinquedos com materiais recicláveis, entre outros.

É valido salientar que as atividades propostas não são aplicáveis em todas as turmas de alfabetização, pois neste contexto, segundo a autora, tais propostas foram elaboradas respeitando sempre o interesse e a individualidade da turma em questão. Entretanto, os exemplos vivenciados e explicitados por Irizaga contribuem de forma profícua com os professores que se encontram em situação semelhante.

A autora finaliza dizendo que

“Quando alunas, fomos aprendendo a ser professora e, como professoras, aprendemos mais do que nunca a ser alunas (…) Enfim, alfabetizar e amar são complementares e ao mesmo tempo únicos. São práticas, são sentimentos, são construções diárias e duradouras, são vida!” (p.114- 115)

A prática docente deve sempre ser pensada a partir da individualidade de cada turma, adequando-se aos desafios que surgirão, pois quando entrelaçada a uma fundamentação teórica, propiciará uma transposição didática com bons resultados, como no caso apresentado no livro em questão.

Este livro é destinado aos professores alfabetizadores, uma vez que traz em seu conteúdo uma gama relevante de atividades e reflexões a respeito de uma alfabetização vinculada ao letramento. Com uma forma didática e interativa, a autora deixa claros seus objetivos e auxilia professores na hora de planejar suas aulas, oferecendo várias sugestões sobre como e o que trabalhar em uma turma em processo de alfabetização cujo embasamento se dá nas experiências já vividas e nos resultados alcançados.


Resenhista

Anna Carolina Santos Reis Dalamura – Aluna do 8º período de Pedagogia da UFJF, bolsista do Grupo de pesquisa FALE. E-mail: anna.carolina.santos@hotmail.com


Referências desta resenha

IRIZAGA, Kathleen Floriano. Todos alfabetizados no primeiro ano. Porto Alegre, RS: Mediação, 2011. Resenha de: DALAMURA, Anna Carolina Santos Reis. Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v.3, n. 2, p.398-401, jul./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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