CARR, Nicholas. The Shallows: what the internet is doing to our brains. [sn]: W. W. Norton & Company, 2010. 276p. Resenha de: CALDEIRA, Pedro Zany. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.12, n.03, p.157-158, set./dez. 2010.
O livro de Nicholas Carr The Shallows (Os superficiais, numa tradução rápida do título original) é uma das grandes provocações deste ano sobre o modo como os computadores e sobretudo a internet influenciam a nossa vida e como, no limite, afetam fisiologicamente o funcionamento do nosso cérebro. E que provocação! O ponto de partida deste livro é a evolução da experiência de leitura e acesso à informação escrita nas últimas décadas por parte do próprio autor e de três outras pessoas (com relatos na primeira pessoa). Se na época pré-internet o processo de leitura destas quatro pessoas se baseava no livro e no modo sequencial como a informação é lida no suporte escrito tradicional, nesta época da internet omnipresente o processo de leitura transformou-se radicalmente, pois estas pessoas começaram a ter muita dificuldade em ler livros tradicionais e os seus processos de leitura passaram a basear-se na própria forma como a internet apresenta informação: muito fragmentada e sempre ligada a outros pedaços de informação.
Os relatos iniciais tornam-se ainda mais interessantes quando algumas destas pessoas confessam que abandonaram completamente a leitura de livros. E a questão que o autor coloca e à qual pretende responder é: por que este abandono? E as respostas que encontra são sustentadas em pesquisa científica nas mais diversas áreas das neurociências (e este é mesmo o ponto forte do livro, pois o autor leu e entrevistou muitos dos autores mais proeminentes desta área científica) e deveras surpreendentes. E apontam todas para o mesmo “culpado”: a internet.
O formato tradicional de apresentação de informação escrita, o livro, obriga a um processo extensivo de leitura sequencial, de um certo recolhimento e isolamento e com a existência de momentos de reflexão, enquanto o formato actual de apresentação de informação escrita mais usual, a internet, obriga a um processo de leitura em saltos rápidos entre pedaços de informação, com a procura de palavras-chave que deem coerência ao significado que está rapidamente a ser extraído pelo leitor e que pode ser ou é sistematicamente interrompido por outras tarefas que concorrem pela sua atenção: um mail que entra na caixa de correio e que é imediatamente respondido, um torpedo que chega ao celular e que é lido (e muitas vezes respondido), enquanto a televisão continua a debitar imagens e sons… E, assim, a leitura deixou de ser um processo de digestão lento, com a possibilidade de absorção dos seus elementos nutritivos mais importantes, para um processo de digestão rápida, com uma meta-absorção de factos muitas vezes pitorescos, romanescos, mas… muitas vezes irrelevantes.
Já em 1882 Friedrich Nietzsche tinha percebido que a ferramenta usada para escrever tem impacto na forma de escrita. Com crescentes dificuldades de visão, Nietzsche comprou uma máquina – uma Bola de Escrita Malling-Hanse – que lhe permitiu continuar a escrever. Quando dominou o uso desta ferramenta, Nietzsche permitia-se escrever de olhos fechados, usando apenas as pontas dos dedos. Mas a máquina teve um efeito subtil no seu trabalho, pois o seu estilo de escrita tornou-se ainda mais telegráfico: deixou de usar argumentos e passou a fazer aforismos, passou dos pensamentos elaborados para os jogos de palavras.
Se esta descrição do processo de leitura actual (especialmente dos processos de leitura online) coincide com muitas das nossas experiências de leitura (superficiais, anedóticas, com interrupções sistemáticas e sem conduzir a grande reflexão), e que no mínimo nos deverá fazer questionar sobre o impacto da internet nas nossas vidas, torna-se mais preocupante quando o autor procura perceber melhor por que quando enveredamos por processos de leitura deste tipo dificilmente conseguimos voltar a processos mais tradicionais. E a resposta reside na forma como os processos actuais de leitura transformaram os nossos cérebros, passando de processadores por excelência de informação sequencial a processadores de informação multissensorial, fragmentada e ligada entre si.
E de quanto tempo é que a internet necessita para transformar os nossos cérebros? Segundo a pesquisa mais actual, muito pouco: dias, horas ou mesmo minutos. E quais as consequências? Não são somente em relação à leitura, pois também ocorrem em relação à escrita (a microescrita, típica das mensagens instantâneas) e, certamente, em relação à capacidade de analisar fenómenos complexos… Mas sobre isso prefiro deixar à exploração de quem ficou suficientemente curioso para ler este livro.
Nicholas Carr escreve sobre as implicações da tecnologia em âmbito social, econômico e dos negócios. É membro da comissão editorial de Enciclopédia Britânica e foi editor executivo da Harvard Business Review e consultor sênior na Mercer Management Consulting. Este livro vem na sequência do ensaio “Is Google Making Us Stupid?”, publicado no número de verão (julho/agosto) de 2008 da Atlantic Monthly.
Pedro Zany Caldeira – Doutor em Gestão da Informação pela Universidade Nova de Lisboa (UNL) Instituto Superior de Educação e Ciências – Lisboa. E-mail: pedrozanycaldeira@gmail.com
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