The Quest: Energy/ Security and the Remaking of the Modern World | Daniel Yergin

Não há menor dúvida de que os assuntos sobre energia se integraram completamente nos estudos de relações internacionais. Nos encontros e congressos, como os organizados pela ABRI e pela ANPOCS, sempre há grupos propensos a debater os efeitos do álcool combustível na política externa brasileira, do papel das jazidas do pré-sal no possível desenvolvimento brasileiro e as razoes que levaram os Estados Unidos ao Iraque em 2003.

Este interesse dos estudos de relações internacionais, ciência política e economia pela energia é algo salutar, uma vez que se preocupam com setor que influencia em grande monta a vida doméstica dos Estados, bem como o relacionamento entre eles. Energia, caso dos hidrocarbonetos, não é apenas uma commodity qualquer, é uma expressão de poder que perdura desde a Antiguidade chinesa, grega e romana e deverá perdurar enquanto o mundo for dividido por Estados e dentro deles houver sociedade produtiva.

O Estado que importa grande quantidade de energia geralmente se ressente dessa dependência. Isto porque o corpo responsável pelas políticas estratégicas, caso de uma grande potência, percebe a importação elevada de petróleo e gás como vulnerabilidade. Ao menos é assim que os grandes mestres, de Kenneth Waltz e passando por Raymond Aron pensam da questão. Por outro lado, aqueles que exportam esses bens, Rússia por exemplo, podem, ora ou outra, pensar que carregam um trunfo, pronto para ser usado em situações de impasses e conflitos.

No Brasil as grandes questões que envolvem energia e política internacional não foram logo percebidas como nos Estados Unidos e Europa Ocidental, que nos anos 1970 foram alvos primeiros da crise de abastecimento promovida pela OPEP. Os prejuízos sentidos pelo Brasil não resultaram da mira dos árabes, mas sim “efeito colateral”. Nosso début na política internacional da energia se deu a partir de 2005, quando o governo nacionalista da Bolívia, de Evo Morales, nacionalizou as duas plantas da Petrobras que haviam ido ao vizinho para melhor trabalhar a prospecção de gás natural.

Por isso é muito oportuna a publicação do livro The Quest, de Daniel Yergin. O trabalho desse pesquisador norte-americano, economista e bacharel em Relações Internacionais, chegou ao Brasil em 1992 com livro fundamental para a compreensão entre energia e poder. O livro O Petróleo se encontra na terceira edição (2010) sendo esta mais caprichada.

Desta vez Yergin procura continuar sua grande obra de 1992 escrita para analisar as grandes questões políticas da energia, desde o aparecimento do petróleo nos Estados Unidos, nos anos 1860, até a composição de forças lideradas por Washington para desalojar o Iraque, de Sadam Hussein do território kwuatino em 1991. Mas pelo fato de seguir o livro anterior pelas questões existentes neste século XXI não torna The Quest livro menor.

Isto porque há transformações na política internacional da energia que certamente são dignas de reconhecimento. De início, não podemos deixar de citar nosso pré-sal, da Bacia de Tupy. Independente dos debates a respeito do modelo de exploração desse óleo não há dúvidas de que as novas jazidas brasileiras ajudam a alterar o cenário mundial de energia.

O novo livro de Yergin também nos traz informação sobre a complexa rede de jazidas norte-americanas de gás natural chamada Marcellus Shale. É de suma importância compreender o que significam as jazidas de Marcellus para a política econômica da energia. A princípio, trata-se de megajazida que se estende em uma linha diagonal que vai do Texas às proximidades da costa leste. Mas o que há de novidade nisso?

Marcellus é uma das maiores reservas de gás natural do mundo que passou a ser explorada nos últimos dez anos. Sua exploração é recente em virtude de os Estados Unidos não terem desenvolvido tecnologia apropriada para essa empreitada. A razão para isso é que o gás natural se encontra encapsulado em um conjunto de rochas muito resistente que demanda grande quantidade de capital e engenharia. Guardadas as devidas proporções podemos dizer que Marcellus Shale é o pré-sal, o Tupy dos Estados Unidos.

Para quem estava acostumado somente a ver os Estados Unidos como grande demandante de energia importada não deixa de ser surpresa constatar as enormes reservas de gás de Marcellus, cuja exploração se dá por meio de “fraqueamento”, implosão das rochas, criando rachaduras calculadas somente para dar espaços para a penetração de dutos. Uma vez as explorações desse insumo em alto grau grandes serão as possibilidades de os Estados Unidos alterarem a política internacional da energia, tocando inclusive o Brasil.

De início, vem o barateamento do gás natural nos Estados Unidos em virtude da política daquele país, menos reguladora para o empreendimento empresarial, sobretudo para pequenas e médias plantas, cujas áreas de exploração são, muitas vezes, a própria propriedade do empresário. Esse fenômeno se encontra facilmente no Texas onde se localiza parte substancial do gás.

Posteriormente, o barateamento do gás natural norte-americano pode provocar novos planos brasileiros a respeito do gás importado da Bolívia. E por quê? Porque o elemento comprado pelo Brasil está custando em torno de 7 dólares o milhão de metro cúbico. Mas nos Estados Unidos esse insumo custa menos de 5 dólares. Ou seja, com enormes reservas do Marcellus, preço baixo, e vontade de influenciar a política internacional da energia há chances de o Brasil repensar sua política regional assinada no Tratado de La Paz.

Em tempos de crise econômica os Estados procuram superar obstáculos, sobretudo as grandes potências. E voltar a crescer economicamente significa alimentar a economia de massa e do pleno emprego – assuntos tão caros aos Estados industrializados. Aqui não há dúvidas que reservas energéticas serão de suma importância para esse objetivo. Objetivo que Yergin observa bem na recomposição econômica do sistema capitalista.

A preocupação de Yergin em The Quest é a segurança energética norte-americana. E por segurança energética o autor não entende somente as políticas domésticas de Washington à procura da autonomia. A política internacional também faz parte do ato. O papel a ser desempenhado pela China neste tempo como segunda maior consumidora de energia, já emparelhando com os Estados Unidos. O gás natural do Cáspio e o jogo feito pela Rússia são questões que o autor vislumbra como de grande interesse aos Estados Unidos.

Aliás, é bom salientar que este livro não corresponde somente às questões de petróleo e gás natural. O posicionamento mundial da energia hidroelétrica, das nucleares e da biomassa, etanol em primeiro plano, são assuntos contemplados pelo trabalho de Yergin. Neste ponto, será que a energia atômica deverá ser posta em segundo plano por causa dos acontecimentos ambientais no Japão em 2011? E o carvão mineral? O consumo desse carburante deverá diminuir na China em virtude dele ser altamente poluidor? Vale dizer, Pequim abrirá mao de energia barata para proteger o meio-ambiente?

Mais. Qual o papel ainda resta paras as Majors, as maiores empresas petrolíferas do mundo, anglo-americanas? Historicamente essas companhias são vistas como malfeitoras e exploradoras do Terceiro Mundo produtor de petróleo. Essa imagem ainda continua por culpa, condenação moral das empresas ou por que elas apenas seguem as regras do jogo?

Yergin traz informações da maior importância para quem se interesse pela feição política da energia. Sua leitura será de grande contribuição para compreender os fundamentos energéticos do século XXI e suas implicações internacionais – haja vista a participação do Brasil por meio do pré-sal e do etanol. E o interessante é que a visão, às vezes crítica do sistema, se dá por quem milita de modo constante na política energética norte-americana; alguém que tem visão privilegiada e prestígio para adentrar em temas nem sempre fáceis.


Resenhista

José Alexandre Altahyde Hage – Professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. E-mail: alexandrehage@hotmail.com


Referências desta Resenha

YERGIN, Daniel. The Quest: Energy, Security and the Remaking of the Modern World. New York: The Pinguin Press, 2011. Resenha de: HAGE, José Alexandre Altahyde. Meridiano 47, v.13, n.131, p.49-51, maio/jun. 2012. Acessar publicação original [DR]

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