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The Identitarians: The Movement Against Globalism and Islam in Europe | José Pedro Zúquete

Em 2010, às vésperas da avalanche de protestos provocada pela crise econômica de dois anos antes, José Pedro Zúquete, pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou Struggle for the World: Liberation Movements for the 21th Century (Zúquete e Lindholm 2010). Escrito em parceria com o antropólogo norte americano Charles Lindholm, o livro traça um grande panorama dos principais movimentos sociais e organizações políticas que se opunham ao que os autores chamam de globalização capitalista. Fossem de esquerda, como os zapatistas no México, ou de extrema direita, como o Front National francês, a publicação destaca como esses grupos operavam a partir de uma forte crítica ao estrangulamento dos modos de vida e de identidades locais.

As duas décadas que se seguiram ao fim da Guerra Fria foram marcadas pela integração do mundo em blocos regionais e pela criação de instituições supranacionais para administrá-los. Até que a expansão progressiva e desenfreada sofreu inesperadamente um grande choque. As fissuras na ordem estabelecida já existiam, é verdade, mas elas nunca ficaram tão claras quanto nos anos que se seguiram à crise de 2008. E foi seguindo personagens que viviam nessas fissuras que Zúquete passou a acompanhar a atuação de grupos políticos radicais contemporâneos. Em artigos e livros dedicados a grupos tão diversos como os praticantes da tática black block e skinheads portugueses, o sociólogo português construiu uma obra robusta sobre alguns dos principais movimentos de contestação no mundo hoje.

Em The Identitarians: the Movement against Globalism and Islam in Europe, Zúquete escreve o que ele próprio chama de “crônica de uma rebelião” (Zúquete 2018). Os rebeldes em questão são ativistas e intelectuais de extrema direita articulados em torno da defesa da identidade dos povos europeus. Segundo eles, a globalização é, em parte, projeto de uma elite que almeja à integração e homogeneização de sociedades, à expansão dos mercados e da democracia e ao apagamento das diferenças etnoculturais em nome de um universalismo perverso. Assim, quando advogam em nome do pan-nacionalismo e do etnopluralismo, os identitários julgam estar protegendo a diversidade dos povos europeus e o direito de continuarem existindo.

Em um primeiro momento, é difícil situá-los dentro da diversa e complexa fauna da extrema direita no mundo hoje. O discurso nacionalista e a hostilidade a estrangeiros, por exemplo, são comuns a diversos movimentos, além de parte da plataforma de qualquer partido de direita radical no continente. Da mesma forma, trabalhos recentes como o do etnólogo Benjamin Teitelbaum demonstram que membros associados ao Movimento Identitário muitas vezes também atuam ou são considerados parte do que é chamado de Tradicionalismo (Teitelbaum 2020).

A verdade é que, enquanto movimento, os Identitários se constituem como um fenômeno relativamente recente. A fundação do Genération Identitaire, sem dúvida um marco nessa história, se deu em 2012, com jovens que se faziam herdeiros do grupo Jeunesses Identitaires, ativo desde 2002. Da França, onde o ativismo de extrema direita, islamofóbico e nacionalista chegou a fundar um partido político próprio, o movimento se espalhou rapidamente para o resto do continente. Hoje, o bloco identitário se encontra enraizado e com lideranças locais em países como Áustria e Suécia, organizando ações públicas e procurando influenciar o debate político europeu.

Os poucos estudos acadêmicos que se voltaram ao tema procuraram dar conta, em linhas gerais, das estratégias de militância, das pautas radicais e de como grupos identificados com o movimento conseguiram se criar e multiplicar através da mobilização em redes sociais.1 Identitarians vai muito além ao propor, através de uma robusta pesquisa, o primeiro trabalho de fôlego dedicado a uma compreensão geral do movimento.

Talvez não seja exagero afirmar que a grande contribuição do livro esteja na abordagem detalhada da história intelectual dos identitários, citando os autores envolvidos dentro de uma constelação de ideias e correntes consideravelmente ampla. A principal fonte de inspiração está, naturalmente, no movimento intelectual francófono originado nos anos 1960 que projetava atacar o “paradigma hegemônico do capitalismo liberal ocidental através de um combate cultural” (Zúquete 2018, 7). A Nouvelle Droite, que tinha em Alain de Benoist seu principal nome, criticava a pretensão universalista da modernidade por entendê-la como a expressão secularizada da tradição monoteísta judaico-cristã. Assim, tanto a visão marxista quanto a liberal eram vistas como grandes propostas supranacionais. Diante do processo de integração regional ocidental, Benoist reagia contestando o que ele julgava ser um apagamento das diferenças. Afirmando sua visão de que cada nação, cada núcleo social e cultural, merecia defender sua singularidade, o filósofo afirmava defender apenas o direito da diferença diante de uma globalização do mesmo.

Benoist segue fiel a essas ideias e é fácil reconhecê-las hoje no interior dos argumentos articulados pela retórica identitária. Zúquete esclarece que os identitários se constituíram como um movimento próprio através de uma cisão interna na Nouvelle Droite em meados dos anos 1980. No coração dessa separação estava a crítica feita por Benoist à noção de identidade biológica e o surgimento de membros que viram nela o fundamento decisivo da identidade europeia.

Segundo o sociólogo português, não houve um momento específico de fundação do Movimento Identitário ou um pai fundador determinado, mas figuras que exerceram o papel de criadores. Guillaume Faye, jornalista e escritor francês, depois de anos contribuindo com Benoist, escreveu o que muitos consideram o texto fundamental do movimento. Com “Pourquoi nous combattons. Manifeste de la Résistance européenne” (Faye 2001), publicado em 2001, Faye acreditava ter produzido o livro de combate dos identitários. Nele está posta a síntese ideológica do grupo: a visão étnica da geopolítica inscrita num chamado pela defesa de uma identidade biológica e cultural europeia e a leitura de que esse combate é urgente.

A mesma urgência era compartilhada pelo medievalista Pierre Vial, aliado de Faye e criador da revista Terre et Peuple. A publicação, fundada em 1995, faz referência explícita à Revolução Conservadora alemã e à expressão infame Blut und Boden, apropriada pela ideologia nazista nos anos 1930. Desprezando a dicotomia entre direita e esquerda, Vial vê na sua militância o trabalho urgente de defesa da civilização europeia inserida num combate urgente pela própria sobrevivência.

Para o grande público, e mesmo para grande parte do mundo acadêmico, os identitários ainda são pouco conhecidos. Frequentam eventualmente páginas de jornais quando promovem alguma grande ação, mas ainda oscilam quanto à importância política em alguns países. É fácil associá-los a outros grupos de extrema direita ou mesmo a iniciativas xenófobas e fascistas conhecidas por suas filiações, voluntárias e involuntárias, à experiência do fascismo na Europa. Zúquete é cuidadoso ao tratar dessas aproximações, lembrando que há divergências internas dentro do movimento. Isso fica bastante claro na forma detalhada com que remonta esse momento de ruptura com a Nouvelle Droite.

Benoist deu vida aos argumentos hoje utilizados por autores como Faye e Vial, mas sempre defendeu o uso positivo da questão da identidade, temendo que fosse utilizada como uma desculpa para xenofobia. Daí sua aversão ao uso ostensivo da identidade biológica. Para Faye, no entanto, a Nouvelle Droite abandonou o combate identitário. Cada vez mais encolhida como um movimento intelectual discreto e restrita a publicações sem grande circulação, ela não apenas ignorou a urgência das circunstâncias como se permitiu relaxar na sua marginalidade. A leitura feita por Zúquete é precisa quando reconhece que a cisão entre os dois grupos se fez de forma gradual e condicionada pelo aparecimento de interpretações paralelas para uma série de questões emergentes, em especial o crescimento da imigração não europeia e seu impacto na identidade das comunidades.

Os anos 1980 são atravessados por uma combinação entre a crise do estado de bem estar social e um aumento no desemprego proporcionado pelo processo de desindustrialização. E é nesse momento que a extrema direita cresce, em grande parte, associando essas circunstâncias ao aumento da imigração proveniente de populações muçulmanas do Oriente Médio e do norte da África. Renaud Camus, escritor identificado com os identitários, popularizou a expressão Grand Remplacement (Grande Substituição) para descrever o suposto risco demográfico que corre a população nativa europeia.

O islã, visto como uma ideologia perversa com pretensões de expansão global, é apontado explicitamente como o grande inimigo. Um inimigo que as elites globalistas europeias se recusam a reconhecer. Zúquete lembra que a crença geral identitária é de que há uma autoflagelação patológica que impede que a Europa reconheça o confronto, dentro de suas próprias fronteiras, com um inimigo vigoroso e confiante. Porém, o ataque ao bode expiatório favorito também serve para que os identitários se promovam como defensores de uma causa mais ampla. “A imigração em massa e a islamização são apenas sintomas de um processo maior: a substituição de populações europeias por povos do Oriente Médio e africanos”, afirma o líder dos identitários na Áustria, Alexander Markovics. “Em 50 ou 100 anos, não haverá mais povos europeus originais como nós conhecemos” (Zúquete 2018, 152).

Citações como essa estão em abundância no livro e demonstram o comprometimento do autor com sua proposta de levar a sério o argumento dos autores pesquisados, isto é, de entendêlos nos seus próprios termos. Apesar da pesquisa rigorosa e de um grande número de referências, a leitura é fácil, direta e sem maiores interrupções para debates historiográficos ou teóricos. Isso, por um lado, faz com que a publicação seja acessível a um leitor não especializado. Por outro, aceita o risco de parecer, aos leitores mais sensíveis, acrítico ou complacente para com os autores e militantes estudados.

Provavelmente se antecipando a esses riscos, Zúquete reitera diversas vezes ao longo do livro sua intenção de apenas capturar as dinâmicas de grupo e a forma como eles se definem para si mesmos. Trata-se de fato de um relato seco, sem anestesia, porém bem escrito, de um movimento cuja retórica é no mínimo controversa. Ao que parece, Zúquete simplesmente confia que o leitor tenha maturidade para separar autor e objeto. Seja como for, Identitarians se transformou rapidamente em um trabalho incontornável, o livro referência – ou definitivo, como afirmou Cas Mudde (2019, 340) – para os próximos que se vierem a se debruçar sobre o tema.

Nota

1 Ver Das Netzwerk der Neuen Rechten: Wer sie lenkt, wer sie finanziert und wie sie die Gesellschaft verändern (Fuchs e Middelhoff 2019) e Going Dark: The Secret Social Lives of Extremists (Ebner 2020).

Referências

EBNER, Julia. Going Dark: The Secret Social Lives of Extremists. Bloomsbury: New York, 2020.

FAYE, Guillaume. Pourquoi nous combattons. Manifeste de la Résistance européenne. Paris: L’Æncre, 2001.

FUCHS, Christian, e Paul Middelhoff. Das Netzwerk der Neuen Rechten: Wer sie lenkt, wer sie finanziert und wie sie die Gesellschaft verändern. Leipzig: Rowohlt Taschenbuch, 2019.

MUDDE, Cas. The Far Right Today. Cambridge: Polity Press, 2019.

TEITELBAUM, Benjamin R. War for Eternity: Inside Bannon´s Far-Right Circle of Global Power Brokers. New York: Dey Street Books, 2020.

ZÚQUETE, José Pedro. The Identitarians: The Movement Against Globalism and Islam in Europe. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2018. https://doi.org/10.2307/j.ctvpj775n

ZÚQUETE, José Pedro, e Charles Lindholm. Struggle for the World: Liberation Movements for the 21th Century. Stanford: Stanford University Press, 2010.


Resenhista

Bruno Garcia – Pós-doutorando na Universidade Nova de Lisboa. Doutor em História pelo Programa de História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e mestre em European Studies pela Masarykova Univerzita (Brno, República Tcheca). Tem experiência na área de História Contemporânea em temas como História Intelectual, Filosofia dos Direitos Humanos e Extrema Direita. E-mail: brnogarcia@gmail.com  https://orcid.org/0000-0002-8776-8535


Referências desta Resenha

ZÚQUETE, José Pedro. The Identitarians: The Movement Against Globalism and Islam in Europe. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2018. Resenha de: GARCIA, Bruno. A Metástase Identitária. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.26, n.2, p. 495-499, 2020. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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