Com este estudo sobre a política exterior do Zimbábue, desde a independência em 1980 até o ano de 1993, Ulf Engel, cientista político alemão com especialização em África, criou uma obra extremamente relevante.
Como referenciais paradigmáticos e metodológicos, o autor recorre a uma mescla de fragmentos de abordagens diferentes. Na análise do quadro estrutural, ele tenta combinar elementos das teorias do sistema mundial, da dependência e da política econômica com conceitos chaves do neo-realismo. Na análise do processo da formulação e implementação da política exterior, ele toma empréstimos do behaviourismo e das teorias de burocracia, chegando a um modificado black box model (Easton). Mas, embora uma influência deste conjunto paradigmático seja perceptível, o estudo no seu corpo principal contém poucas reflexões teóricas ou paradigmáticas. Trata-se de um profundo estudo empírico da política exterior do Zimbábue.
Zimbábue entrou muito tardiamente na comunidade internacional como ator independente e soberano. Até 1965 era uma colônia inglesa sem política exterior independente. Entre 1965, quando a minoria dos colonos brancos unilateralmente declarou a independência (UDI), e 1980, quando a luta armada dos africanos conseguiu a independência legítima, o país ficou diplomaticamente isolado, sem relações diplomáticas normais com nenhum país do mundo, e sujeito às sanções da comunidade internacional.
Mesmo assim, para o novo governo africano, o ponto de partida na construção da sua inserção internacional foi o que o autor chama de herança na política exterior. A absoluta dependência econômica e infra-estrutural na África do Sul era a herança central dos 90 anos de colonialismo. As relações com o país do apartheid surgiram como o assunto predominante na política exterior do Zimbábue. Não somente a identidade política e moral do novo Estado e a herança ideológica da guerra de libertação levaram a política exterior do Zimbábue a um firme anti-racismo, mas a própria política da África do Sul com respeito a Zimbábue foi percebida como uma ameaça vital à soberania do país.
Como é formulada e executada a política exterior do Zimbábue e quais são os atores principais? O livro analisa os seguintes componentes: a coleção de informação, o acesso aos quadros com poder de decisão, comunicação e processamento de informação. O que caracteriza o sistema de política exterior do Zimbábue seria uma separação de responsabilidades funcionais entre os assuntos de segurança, os aspectos políticos e econômicos da política exterior e uma distinta hierarquia entre estas três áreas. A política exterior na sua dimensão de segurança nacional é formulada e controlada pelo Presidente Executivo (R. Mugabe) e pelo Ministro de Estado para Segurança no gabinete do Presidente. A dimensão política é controlada pelo Presidente Executivo, o Ministro dos Assuntos Exteriores e o Secretário Permanente deste Ministro. Só a dimensão econômica da política exterior goza de uma participação de mais atores governamentais. Mesmo assim, a alta centralização da formulação e controle da política exterior num minúsculo grupo de pessoas, sobretudo na pessoa do Presidente Executivo Robert Mugabe, fica evidente. Os potenciais atores não-governamentais (o partido governante ZANU-PF, o Parlamento, a mídia, o setor empresarial) são considerados pouco importantes ou absolutamente irrelevantes. Como único ator não-governamental com impacto, é identificado o FMI.
O estudo oferece uma visão muito positiva e simpática da política exterior do Zimbábue. Ela se caracterizaria por um alto perfil, racionalidade, consistência, continuidade e previsão e por valores ideológicos positivos como anticolonialismo, anti-racismo, não-alinhamento e (menos importante) socialismo. E tinha relativo sucesso no seu desafio maior, ou seja, enfrentando o regime racista da África do Sul. Apesar de ter herdado uma extrema dependência deste país, especialmente nas áreas de comércio, de transporte e de investimentos, e sendo militarmente muito inferior, Zimbábue conseguiu magistralmente reduzir esta sua vulnerabilidade e se projetar como um dos principais adversários da África do Sul no subcontinente. Engel sublinha o papel destacado do Zimbábue nos conflitos da África austral, que teria feito o país primus inter pares entre os Estados da Linha de Frente. Grande parte deste sucesso se deveu à habilidade perfeita do país de praticar o que é chamado African diplomacy, isto é, contrabalançar a fraqueza estrutural no cenário internacional através de uma coordenação e harmonização da sua política com aquela dos outros países africanos e da maioria dos países do Commonwealth britânico. Zimbábue chegou a “tomar emprestado” poder dos outros países do Terceiro Mundo. Esta comunicação lateral da política exterior aumentou o poder de barganha dos individualmente fracos países africanos e criou uma homogeneidade nas articulações relativa aos conflitos na África austral, por exemplo, no Grupo dos Estados Africanos na ONU.
Mas, embora o Zimbábue tivesse conseguido questionar a hegemonia sub-regional sul-africana, na segunda mais importante arena da política exterior, na política econômica exterior, Zimbábue agiu com pouco sucesso. Durante o período sob investigação, o país se tornou crescentemente dependente das agências financeiras internacionais, principalmente do Banco Mundial e do FMI, até o ponto em que o FMI forçou Zimbábue a adotar as bem-conhecidas medidas de structural adjustment.
O autor examina a política exterior do Zimbábue minuciosamente em seis áreas chaves de atuação: a) a reação à política de desestablização da África do Sul; b) a busca para rotas alternativas de escoamento da exportação (Moçambique), segurança regional e o envolvimento no conflito em Moçambique; c) a campanha internacional para imposição de sanções contra a África do Sul; d) a cooperação econômica regional (SADCC e PTA); e) a política de cooperação na área de desenvolvimento e a dependência no Banco Mundial e no FMI; e f) as adaptações às mudanças na África austral como resultado das novas políticas da África do Sul a partir de 1990.
O enfoque nos assuntos principais da política exterior do Zimbábue, sobretudo na constelação conflituosa no subcontinente, deixa lacunas, porém insignificantes, na obra. Comentários sobre as relações entre Zimbábue e a América Latina ou Brasil, o leitor procura em vão. Nem a surpreendente visita do ex-presidente Fernando Collor ao país em setembro de 1991 entrou nesta; entretanto, excelente e exemplar documentação e análise da política exterior de um jovem país africano.
Resenhista
Wolfgang Döpcke
Referências desta Resenha
ENGEL, Ulf. The Foreign Policy of Zimbabwe. Hamburg: Institute of African Affairs. Co-publicado por Southern Africa Political Economy Trust, Harare/Zimbábue, 1994. Resenha de: DÖPCKE, Wolfgang. Revista Brasileira de Política Internacional, v.40, n.1, 1997. Acessar publicação original [DR]
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