The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens é o primeiro livro solo de Kate Gilhuly e resultado de uma pesquisa intitulada Landscapes of Desire: The Erotics of Place in Classical Athens, desenvolvida no Radcliffe Institute for the Advancement of the Humanities entre 2007 e 2008. A autora é professora assistente do Departamento de Estudos Clássicos do Wellesley College e especialista em gênero e história da sexualidade na Grécia Antiga, tendo como publicações como publicações prévias mais importantes os artigos The Phallic Lesbian: Philosophy, Comedy, and Social Inversion in Lucian’s “Dialogues of the Courtesans” (2006) e Bronze for Gold: Subjectivity in Lucian’s “Dialogues of the Courtesans” (2008).
O capítulo introdutório, que podemos considerar como o ápice da obra, apresenta as bases teóricas – da matriz feminina do título – que nortearão as análises de textos antigos ao longo do livro – e que fornecem um novo leque de possibilidades a futuros estudos acerca das temáticas de gênero e sexualidade na Atenas Clássica.
Um continuum de feminilidade tem importantes implicações para diversos campos de significação, incluindo gênero e sexualidade, atuação e troca. A matriz feminina – que configurou o relacionamento entre a prostituta, a esposa e a sacerdotisa/agente ritual – foi um princípio organizacional utilizado pelos atenienses do Período Clássico para pensar e falar de si mesmos; era parte do imaginário social ateniense. Esta estrutura operava em uma variedade de textos e gêneros e estava, portanto, ligada a várias facetas da identidade ateniense (p.2).
A matriz feminina é um discurso fragmentado e flexível, e sua polivalência faz com que seja tomada por várias estratégias representacionais. Entre outras coisas, este modelo fornece um caminho para retratar o gênero através de um modelo que não seja binário – ao invés de conceber o feminino como oposto ao masculino, permite que um tipo de mulher seja definido em relação aos outros. A matriz da prostituta, da esposa e da agente ritual era posta em utilização em uma variedade de estratégias, tanto para regular a identidade cívica como para construir uma masculinidade extra-cívica (p.2-3).
A natureza do relacionamento entre representação e realidade é um enigma inexorável para o classicista interessado em gênero. O discurso é inerentemente instável. Ele é ao mesmo tempo significado e efeito do poder, mas também pode ser o ponto de partida para a resistência ao poder. As representações de mulheres são boas ferramentas para “pensarmos com elas”, e o gênero é uma poderosa assinatura organizacional no pensamento ateniense (p.3-5).
A análise da autora exige que entendamos a incongruências em representações do feminino como um sinal da incoerência do próprio masculino. Ou seja, a coexistência de diferentes estratégias para representar mulheres – como parte de um modelo binário homem-mulher ou como parte de uma tríade de papéis femininos, por exemplo – implica que a masculinidade não seja um todo racionalizado. Nós vemos diferentes estratégias para representar gênero dispostas em momentos diferentes de acordo com as necessidades retóricas do contexto. Gênero, portanto, não é um campo unificado – há diferentes estratégias para representá-lo, e elas circulam em uma variedade de permutações (p.6-8). A Matriz Feminina não perde de vista a maneira com que o gênero foi manipulado para servir a interesses masculinos, mas também tenta evitar presumir as categorias de gênero sob análise (p.10).
A maneira como a mulher era percebida na esfera pública dependia do papel que ela exercia. A prostituta, a esposa e a agente ritual podem ser entendidas como uma matriz discursiva que deu significado para a atuação genderizada. Ela proporcionou um espectro de referência através do qual vários aspectos de sexo e gênero, tanto masculino como feminino, tornaram-se culturalmente legíveis (p.13).
Havia um valor simbólico em ser visto como um homem que gastava seu dinheiro e energia para o bem da comunidade, enquanto que havia desvantagens simbólicas em ser representado como alguém que se cobria de deleites físicos. As nuances complexas do comportamento apropriado a um cidadão ateniense poderiam ser negociadas por meio de projeção sobre o continuum feminino (p.22-3).
Os papéis femininos representam uma série de esferas cívicas: o mercado, governo e instituições sociais, e o setor religioso. Elas envolvem graduais compromissos temporais e morais. Cada tipo feminino simboliza um domínio do masculino, e cada um desses domínios é entendido em relação aos outros (p.23).
A prostituta está associada a um panorama de curta duração, moral degradante, e (mais ou menos) economia desincorporada. A mulher no ritual representa a humanidade em um panorama de longa duração; ela tem autoridade cultural e conduz transações com o divino (p.23).
A conexão entre as duas esferas depende de uma estimativa moral: a ordem de longa duração é fundada em um código moral; a ordem de curta duração é individualista e indeterminada. Aquilo que é obtido em um ciclo de curta duração pode ser positivamente convertido para servir à ordem de longa duração, enquanto que desviar recursos da mesma para propósitos individuais é moralmente repreensível. A prostituta, a esposa e a agente ritual poderiam articular a relação entre esses diferentes domínios morais/econômicos uns com os outros, estabelecer distinções entre eles e desvelar sua interdependência (p.24).
Com tais premissas estabelecidas, a autora afirma que seu objetivo é trazer à luz a estrutura ideológica ateniense através de uma abordagem estritamente literária. Para tanto, cada um dos seguintes capítulos do livro pode ser entendido como uma – “nova” – leitura aprofundada de um texto – “canônico” – antigo: Capítulo 2, Contra Neera de Pseudo-Demóstenes; Capítulo 3, O Banquete de Platão; Capítulo 4 O Banquete de Xenofonte; Capítulo 5, Lisístrata de Aristófanes. Gilhuly defende que embora a primeira vista essa seja uma seleção arbitrária – por diferenças de gêneros literários, temática, abordagens – algo que une esses textos é o fato de todos eles retratarem a prostituta, a esposa, e a agente ritual uma em relação à outra, portanto, oferecendo um caminho para abordar gênero, sexualidade, atuação e troca (p.25).
De uma maneira geral Gilhuly obteve êxito em suas propostas, uma vez que foi capaz de demonstrar como cada autor antigo se apropriou do tripé relacional da matriz feminina para construir sua retórica discursiva particular das relações hierárquicas sociais entre as práticas inerentes aos espaços públicos e privados e suas permeabilidades e permutações na pólis dos atenienses. Mesmo que tenhamos a impressão de que a articulação entre matriz feminina e discurso ideológico é apresentada mais claramente pela autora nas obras de Pseudo-Demóstenes e Platão do que nos capítulos seguintes, ela demonstra habilidade no capítulo de conclusão ao assumir que tais fatos podem ocorrer justamente porque as categorias analisadas são construídas através de pequenos lampejos de texto para texto, ou mesmo de passagem para passagem, e, além disso, o modelo tríplice coexiste com outros paradigmas analíticos de sexo, gênero, atuação e troca (p.185).
Entendemos que o livro traz uma importante contribuição para a historiografia especializada, sobretudo se pensarmos na matriz feminina de Kate Gilhuly. O conceito de um continuum feminino baseado num modelo relacional tríplice (prostituta, esposa, agente ritual) se constitui em uma excelente contribuição ao arsenal teórico dos estudiosos das relações de gênero e das dinâmicas de poder na Atenas Clássica.
Referências
GILHULY, K. The Phallic Lesbian: Philosophy, Comedy, and Social Inversion in Lucian’s “Dialogues of the Courtesans”. In: FARAONE, C. A.; McCLURE, L. C. (Org.). Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison: The University of Wisconsin Press, 2006, p.274-91.
____________. Bronze for Gold: Subjectivity in Lucian’s “Dialogues of the Courtesans”. American Journal of Philology, v.128, n.1, p.59-94, 2007.
Resenhista
Edson Moreira Guimarães Neto – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista da CAPES. Pesquisador do Laboratório de História Antiga (LHIA) da UFRJ.
Referências desta Resenha
GILHULY, Kate. The Feminine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens. New York: Cambridge University Press, 2009. Resenha de: GUIMARÃES NETO, Edson Moreira. A matriz feminina de Kate Gilhuly. Revista de História Comparada. Rio de Janeiro, v.4, n.1, p.191-194, 2010. Acessar publicação original [DR]
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