Ainda sem tradução para o português, o livro The Euro: The battle for the new global currency, de David Marsh, se apresenta como mais uma obra lançada no calor da crise que abala os países da Zona do Euro. Porém, não é apenas mais uma obra sobre o assunto que trate de teorias sobre finanças ou mercados. Pelo contrário, o livro tem uma interessante proposta de análise histórica dos eventos relacionados à criação da moeda europeia e da crise que atinge as nações que a adotaram.
O autor, David Marsh tem larga convivência com o assunto, como articulista do jornal Financial Times desde 1978, colecionando fatos que ajudaram a dar substância ao livro.
Repleto de citações de autoridades europeias que incluem primeiros ministros, presidentes de bancos centrais, ministros de finanças além dos idealizadores da moeda única, a obra nos traz, ao longo de suas 380 páginas, um quadro detalhado dos interesses políticos e econômicos que levaram ao surgimento da Zona do Euro, ilustrando os diferentes lados e versões de seus atores principais.
Marsh defende logo na introdução, cercando-se de várias opiniões concordantes, que a criação do Euro foi um fato mais ligado a uma visão política do que uma necessidade econômica. Em seguida, o autor apresenta uma história detalhada dos eventos que formaram o atual sistema financeiro internacional, dando ênfase, em particular, aos fatos relativos à formação do Sistema Monetário Europeu, do ponto de vista institucional, com ênfase na moeda propriamente dita.
Desse modo, o Tratado de Maastricht, assinado em 1992, buscava construir uma unificação monetária europeia sob os resíduos do sistema de padrão ouro do século XIX, que parecia mais seguro do que o dólar com sua volatilidade e sujeito aos caprichos da nação do outro lado do Atlântico. Porem, o tratado selou um laço essencialmente político que interessava a França e Alemanha usando o sistema financeiro alemão como padrão a ser adotado pela nova região monetária.
As grandes economias do continente já haviam sentido na década de 1960 a necessidade de tomarem algum tipo de medida que as beneficiasse. Por um lado, França e Bélgica e, por outro, Alemanha e Holanda concorriam para chefiar esse benefício. Já a Inglaterra buscava boicotar medidas que a prejudicassem ou pudessem isolar na supremacia econômica do continente.
Com esse pano de fundo, Marsh apresenta os eventos e as falas das autoridades que foram em busca daquilo que hoje se conhece como União Monetária Europeia e, mais tarde, sua moeda única. Com detalhes e dados relativos aos indicadores macroeconômicos dos países envolvidos, o autor nos leva à crise que eclodiu em 2008 e que em sua opinião já se forjava desde o final do século passado.
Eventos como o final da Guerra Fria e a unificação alemã, a divisão dentro do bloco econômico europeu entre países ricos e pobres, e o enfraquecimento das economias do segundo grupo no começo do novo século teriam resultado na atual crise financeira que põe em xeque a sobrevivência da moeda europeia.
Como provas para seus argumentos, David Marsh vai atrás da análise dos fluxos de transações externas dos países envolvidos e nos leva à conclusão de que o aumento desenfreado de consumo de produtos vindos dos países “ricos” do bloco por parte de Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, associado com sua diminuição de geração de produto, teriam levado ao crescente endividamento desses países, ao passo que Alemanha e Holanda, principalmente, apresentaram superávits crescentes, tendo sebeneficiado de seus compradores. No entanto, o crescimento alemão se deu pela acumulação de grandes companhias concentradoras de capital e surgimento de grandes potências na área financeira.
O diagnóstico apresentado pelo autor pode ser condensado na seguinte frase: o desempenho da integração econômica europeia atingiu a estagnação como consequência de politicas macroeconômicas fracas no sentido do crescimento da maioria dos países membros da chamada Zona do Euro e o fortalecimento de economias estrangeiras ao Bloco que passaram a comercializar com a União Europeia com grandes vantagens de preços e maior margem de manobra financeira.
Assim, se por um lado a economia alemã dependia dos demais países da Zona do Euro para aumentar suas taxas de acumulação, por outro lado, esses mesmos países aumentaram seu endividamento e atingiram patamares que somente poderão ser controlados se a própria Alemanha expandir a disponibilidade de ajuda financeira a seus devedores.
Por fim, o nome do livro é explicado na conclusão quando Marsh preconiza que para a sobrevivência do Euro há a necessidade de um controle cada vez maior dos alemães sobre as economias dos demais países da Zona do Euro, algo que estes não estão dispostos a permitir, e, portanto, a batalha pelo Euro seria a nova “guerra” que os países europeus enfrentam. Não ainda uma guerra de trincheiras ou bombas, mas um enfrentamento por autonomia monetária e políticas macroeconômicas independentes.
Resenhista
Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli – Mestra e Doutoranda em História Econômica pela USP.
Referências desta Resenha
MARSH, David. The Euro: The battle for the new global currency. New York: Yale University Press, 2011. Resenha de: PREVIDELLI, Maria de Fátima Silva do Carmo. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 08, n. 28, p. 225-228, agosto, 2012. Acessar publicação original [DR]
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